31 outubro 2012

SINFONIA


                                            ILUSTRAÇÃO:Por Luiza Maciel Nogueira


SINFONIA

Por Alvaro Posselt

Em prece
A sós
Eu, o silêncio
Você, a voz



29 outubro 2012

SEGMENTO DEZENOVE - O CONTO!


                                           Lançamento em 24/11/12, Vila Mariana- SP

SEGUIMENTO DEZENOVE

Por Marco Antônio de Araújo Bueno

I

Minutos antes de uma hora impossível da manhã, o homem renitente submerge d’algum vão de escadaria do metrô em qualquer plataforma que rasga dos mais de seiscentos quilômetros da malha de Nova York.

Fosse de Tókio, de Londres, ele viria surgindo igualmente íngreme; de Moscou – duzentos e cinqüenta quilômetros – tê-lo-íamos visto desenfurnando também, a distar meio metro dos demais transeuntes, outros seres; seus concidadãos...

Onde quer que haja boa malha no que foram grandes cidades, e não tenham, ainda, se engolido a si próprias nessas dobraduras subterrâneas, ele, o homem renitente, terá brotado de novo aí para desaparecer-se outra vez mais adiante e sempre.

Sempre cravando sua pontualidade geométrica, sincopada, desaflita – sôfrega de tanta uniformidade constante – o que aflige e até embriaga observadores desatentos, ou, atentos em demasia. Eis o que veremos.

Veremos a indumentária passando em rasgo, aquela do homem-uniforme qualquer, de qualquer ciclo e quadrante, e deixando resíduos de naturalidade corriqueira porque sempre e sempre muito reconhecível pela funcionalidade discreta, infatigável.

Nunca o veremos aportando de vez, chegando a qualquer parte a guardar as cascas do trajeto em compartimento numerado, com partículas de véspera por dentro; nenhum conforto o aguarda nunca - essa é a impressão que fica.

Desta vez, o vemos rasgar da plataforma portando um retângulo grosseiro (nada parecido com um caixilho) semi-envolto em pasta padrão antiga, com um display aberrante e embaçado de chuva ácida. Parece ter catarata nos calçados, nesse estar indo.

II

Neste seguimento, porém, de muitas perspectivas alguns observadores aleatórios o contemplam, para diferentes finalidades de estudo. Nesse registro o recortamos e assim expomos alguma perplexidade. Os diálogos foram vertidos para Unilíngua, o que, se apaga alguns marcadores significativos, amplia as possibilidades de se estabelecer um padrão. O trânsito das observações está desabilitado. Nada será reportado em tempo real à instância reguladora do experimento. Da massa documental, far-se-á uma matriz a instruir os passos seguintes.

S/19-1:

- Lá vem o homem...
- Tão insignificante... E nós aqui só existimos por causa dele!
- Por quê? Com que ele opera, afinal?
- Com as condições da nossa existência, ora; e por contraste. Nossa visibilidade como pós-humanos depende dele, como pano de fundo.
- Isso é desconcertante, abusivo...
- É que nos revela as nossas virtualidades transgressivas. É um paradoxo – podemos explodir coisas, abstratas, até. Mas, se ele desaparecer por causa disso, sanções nos aguardam. E essas sim – desconcertantes.
- Ele é nossa bomba-relógio... Não o perca!


S/19-2:

- O homem está vindo de ou indo para?
- Eis a questão, o do que se trata; o móvel...
- Podemos ser mais pragmáticos?
- E o pragmatismo não está na ação, nesta que ele incorpora?
- Pois o homem com quem se depara, já não o vejo!
- Será que ele nos vê?
- Filosofia, poesia e nós aqui – parados!


S/19-3:

-Pois bem, a idéia é rastreá-lo e mapear o deslocamento dele.
-Descartada; não podemos tocar nele nem abordá-lo.
-Ficaremos nas conjecturas, então?
-Não. É um impasse metodológico...
-Poderíamos segui-lo à distância?
-Não temos tal competência.
-E perderíamos o olhar - estrangeiro...


S/19-4:

-Não entendo a lógica do Seguimento Dezenove...
-Cotejar diferentes perspectivas, ora; suponho - os observadores, a neutralidade, os duplo-cego e os modelos quânticos; os velhos parâmetros, não?
-E nada sobre os riscos? Os velhos riscos?
-Ora, um andarilho renitente, uniformizado e sem pertença; catatonia agitada; onde os riscos?
-Nessa aparente singeleza do fenômeno; em nossa ignorância adestrada...
-Lá vem o homem, observe, sem obscurantismos.
-Tenho maus pressentimentos...


S/19-5:

-Veja como ele não se dissolve no fluxo pela plataforma; segue tão pontiagudo.
- Pode atrair raios! Aquele retângulo tosco... Condutível?
- Acho improvável, mas tem qualquer coisa estranha nisso!
- Que autonomia teríamos para agir, em caso de desastre?
- Nenhuma. O que nos cabe é oferecer a nossa perspectiva do desastre.
- Então pondera a possibilidade de um desastre?
- Eu não pondero nada, apenas observo, ora.


S/19-6:


- Todo este aparato ótico, é só o que temos...
- Não nos cabe maiores intervenções. Um enigma, esse homem!
- E como mostraremos competência à instância reguladora?
- Cumprindo nosso contrato; somos instrumentos óticos e...
- E você deve baixar essa ansiedade. Esse ambulante é objeto para pesquisa pura e nós contamos pouco, é isso?
- É mais ou menos isso. Sejamos discretos e renitentes, como o nosso objeto de estudo.
- Acho meio conspiratória essa falta de ação...


S/7-7:

- Nada do homem neste quadrante...
- Nem sinal. O que estará acontecendo aos olhos dos outros?
- Talvez a mesm... Que porra é aquilo, explosão?!
- Vazamento radioativo na Área Sete! Abortar a tarefa!
- Alá, o homem renitente... Caminhando?!
- Em plena plataforma em alerta!
- E aquele caixilho tosco, onde foi parar?!


25 outubro 2012

A FOICE E O MARTELO


A Foice e o Martelo

Por Wlaumir de Souza

Dicotômicos

A foice e o martelo
Os sacerdotes e o burguês

Miséria abraçada à fome
Alegrias em festim orgásticas


Desesperados
Empanturrados


Ruidosos
Articulados

Suor em tremor
Ardor em calmantes

Sendo se é
Sendo sem ser


22 outubro 2012

VÍTIMA DO DIA

Por Regina Zamora


Tenho uma coleção de espelhos,
quebro um todos os dias...
De hora em hora,
a solidão me devora
até eu não conseguir
engolir as lágrimas,
em segundos...
(que lágrimas?)
Trava a minha garganta,
a saliva seca,
raspa de pigarros...
Andei engolindo cada "uma's"!
Não tolero nem mais o espelho,
meu objeto preferido, foi...
Não só porque me reflete,
mas é que gosto muito de brincar
com meus reflexos....
Hoje, que reflexos? Gostava!
Tenho uma coleção de espelhos,
quebro um todos os dias...
Agora, como me encarar?
Meu tempo está cansado,
nem tenho vontade de abrir os olhos,
muito menos a boca, melhor calar.
Bem, já que não consigo
tapar meus ouvidos,
nem destruir meus tímpanos,
continuarei ouvindo as lindas músicas,
que posso sentir
e chacoalhar meu esqueleto,
brincando de dançar...
Com meus olhos cerrados,
sonho que ainda sou feliz,
dançarei descalça,
me imaginando uma bailarina,
pisando em ovos...
mas antes, este espelho
na minha frente,
será a vítima do dia.


17 outubro 2012

16 outubro 2012

CAFÉ OU ÁLCOOL EM MIM - NOTAS PARA UM ESTADO LAICO E LÍQUIDO

                                            FOTO POR - Bruno Kampel, via WEB

CAFÉ OU ÁLCOOL EM MIM - NOTAS PARA UM ESTADO LAICO E LÍQUIDO

Por Marco A. de Araújo Bueno


        A mulher despertou-se no bairro dela no último domingo. O bairro tem o mesmo nome do segundo maior aeroporto do país. Pela atenção que despertará mais adiante nesse dia seria mesmo justo tomá-la
por 'desequilibrada mental'?
        Malmente desperta foi coar um café que, mais além, verteria para uma términa não vermelha, diga-se.
        Ganhou a rua meio zumbi e, quarteirões adiante, ei-la no meio dum passeio político que o governador do Estado fazia para despertar simpatias ao candidato dele ao segundo turno.Era um dia ventoso na Cidade
Fênix, diga-se, e a mulher postou-se diante do político loquaz, exato, para liquefazer a loquacidade dele.
        ( Nada se sabe sobre se fizera a própria cama ou se escolhera vestir-se adequadamente).
        Um vez postada diante do governador - abreviando o relato para reidratar o fato - ela se serve do café
e o arremessa direto do copinho plástico à cara do político. Gustavo Magnusson, fotógrafo, captura a cena com felicíssima precisão : o líquido quente (?) atingindo rosto e peito do político que cerra os olhos.
        Pois bem, se a mulher 'agressora' passou rápido do café privado ao fato público - coisa de político!
        - "Acho que isso pode significar um sinal de desespero", brada o governante, capitalizando o fato e
liberando a mulher de ser recolhida 'aos costumes'; distribuindo e atribuindo significações, incendiaria-mente infundadamente, mente, mente que nem sente. Brindo à mulher e lanço minha chávena de xá quente.É.
       
       

       




     

14 outubro 2012

OS NÚMEROS DA SALVAÇÃO

OS NÚMEROS DA SALVAÇÃO

Por Cecilia Prada


Cinco padre-nossos. Cinco avemarias. Dez padre-nossos, dez avemarias. E uma salve-rainha. Creio-em-deus-padre? – não, nunca vi ninguém fazer promessa com creio-em-deus-padre que é comprido demais. Nunca vi. Acho que não dá. Precisa mais. Vinte padre-nossos, vinte avemarias... ufa. Será que não dá quinze?

Sou preguiçosa, preguiçosa, preguiçosa. Além de todos os outros pecados. Por castigo vou rezar um terço inteiro. Prometo.

Promessa pra quê? Prá tudo. Promessa de culpa, promessa de apagar a culpa, para ser perdoada, para não ir para o inferno, porque mesmo com seis anos era possível, Santa Teresa não tinha tido uma visão do inferno com uma criança de quatro anos lá dentro? Menina má ruminando meus ódios. E prometendo rezar de noite antes de dormir – um terço. Dois terços. Um rosário inteiro. O bom cristão não deixava de rezar seu terço por dia. Melhor mesmo um rosário.

– É o mínimo que se pode fazer. O mínimo, a menor coisa. Para pedir perdão a Deus pelos nossos pecados. E para agradecer a Sua Infinita Bondade.

O mínimo. E ir à missa uma vez por semana. O mínimo, ouviu?

Mas é claro que aquele que ama verdadeiramente a Nosso Senhor vai à missa todos os dias.Veja seu pai, comunga todos os dias. Um santo.

O que a Santa Madre Igreja exige é fazer a Páscoa, confessar e comungar pelo menos uma vez por ano. Mas ninguém faz o mínimo. Faz o máximo, por Nosso Senhor.

Na prece arrastada, no sono que chega, na língua que se enrola e esquece, pecado, pecado, pecado, Santa Maria mãe de Deus orai por nós... onde mesmo eu estava não posso dormir sem rezar meu Deus não vai dar tempo, unha enterrada na palma da mão, nem adianta, o olho que fecha, que vai pesando, por nós pecadores, tá bom o resto eu deixo para amanhã não agüento mais...

Somei: estava devendo três rosários, mais dois terços de quebra, catorze salve-rainhas. Não faz mal, sábado de tarde vai dar tempo eu rezo tudo de uma vez só. Passava a limpo a conta da salvação. Mas no sábado acabei não rezando porque fiquei brincando de amarelinha na rua com as outras meninas.

– Quem faz promessa e não cumpre, o diabo vem buscar.

No domingo deu tempestade. O terror na garganta, o diabo que tinha vindo me buscar, avemaria cheia de graça ai que horror este raio me pega meu-deus-do-céu eu pecador me confesso a Deus todo poderoso ai este foi perto bem em cima de minha cabeça agora me pega... eu prometo meu Deus mas é verdade mesmo eu prometo não me castiga eu não quero morrer vou rezar dez rosários, quantos... acho que uns trinta terços, mais dez avemarias. Cinqüenta é melhor. E cem jaculatórias. E um creio-em-deus-padre. Pode? Não sei. Nunca vi ninguém fazer promessa com creio-em-deus-padre.

Um dia, a soma transbordou, vazou, não dava mais nem para saber direito o que eu estava devendo para Deus, devia ser algumas centenas de rosários, cada qual formado por três terços meu Deus e cada terço de cinco mistérios, dolorosos, gozosos, gloriosos, e cada mistério de seis avemarias e um padre-nosso.

Comecei a chorar. Me perguntaram o que era e eu pecadora confessei, afogada, o mar de pecados e de dívidas. Me mandaram pedir para o padre trocar a promessa. Trocar a promessa? Isso era possível? Então o que valia a promessa que a gente fazia?

Num bocejo e armando a mão da absolvição com o latinório engrolado, o velho vigário me trocou toda a dívida por três padre-nossos e três avemarias.

Saí humilhada.

No dia seguinte choveu de novo, chuva forte de raios e trovões. Eu fiquei com muito medo. Se eu morresse com um só pecado mortal, um só, ouviu? ficava no inferno por toda a eternidade. Prometi cinco rosários, num ato de coragem. Não cumpri. Dobrei. Não cumpri novamente. A culpa, a ansiedade, montavam em fúria recrescida na minha alma pecadora.

Então um dia, de repente, perdi a fé.

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( Do livro Estudos de Interiores para uma arquitetura da solidão- Editora DBA Books & Arts- São Paulo-2004)


12 outubro 2012

VIAJANTES


Viajantes



@ tod@s @s matriculad@s na escola da vida.
@s inscrit@s compulsoriamente,
Igualmente @s que por dever da consciência
Face a dor d@s outr@s - arrastados pela LEI
Aqui se encontram

Um ciclo se foi
Outro aflora
O frescor diária do continuum
A reinvenção da lição primordial
Subdividida: amor e caridade.

Se constrangidos ou deliberados
Pouco importa
Todos igualados pela aprendizagem

Amar-amor
Filantropia cega
Récitas da preleção
Da oratória do réveillon
À emenda cotidiana

Felizes alternativas novas
Afortunad@ esperança
Felizard@ das horas com-vida
Apreciai
Eis que nasce
A porta aberta do ciclo novo.


















09 outubro 2012

INTERVALO COMERCIAL #2 - EPIGRAMA DE MARCIAL





A.LATRONIBVS.ESSE.TE.FVTVTAM
DICIS.SAENIA.SED.NEGANT.LATRONES

"Fui estuprada por um ladrão!"

a velha decrépita gritava.
O criminoso, tadinho,
é que deve ter deixado o cabaço
no toco daquela bengala. 






06 outubro 2012

CARTOGRAFIA DE AFETOS


                                                                               Por: Paola Benevides

Faria dos mapas astrais um Atlas Geográfico.
E desses horóscopos de jornal, um estudo numismático.
Colecionaria selinhos, marcas de batom em cartas e outros tipos de beijo.
Comporia via satélite a influência da lua em poços do desejo sem moedas. 

Chamaria este poema de: Do amor e outras fossas.
Isto porque as rosas têm exalado muitos outros cheiros.
Pétalas guardadas em livro como borboletas presas pela asa em vidro.
Tiro ao pássaro empalhado para matar a sorte de um vôo, nenhum pio.

Perdi o equilíbrio lendo dentro do ônibus e encontraram meu livro, não eu.
Tudo um estorvo, um breu, agora corvo carrega galho de arruda no bico.
Não acredito em muita coisa, mas agradeço a deus todos os dias.
Suas crias não sabem do mito, não cabem num rito de passagem.

Já fiz altas viagens comportando mais litros de álcool do que lágrimas.
Por um triz, o rato está para cobaia como está a ratoeira para o queijo.
Leis da física não cabem na sua meta, a tísica nunca estará além do corpo.
Reta, quadrada, carente, solteira, feliz. Seu pior sentimento estava morto.


03 outubro 2012

02 outubro 2012

E A TROLA A TROLAR A PROLE



  E A TROLA A TROLAR A PROLE

                                                                   Deca baseado no filme Louca Escapada



Aos daí - digam aos demais o que tenho dito deles

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