Rasgos
Por
Vivian Marina
Guardou
a folha de papel com esmero, apesar de alguns rabiscos e borrões.
Havia espaço para outras tantas escritas, outros rascunhos, outros
desenhos em suas bordas e rodapés. Aquilo que lá estava, já
impresso, não podia ser apagado, não se prestava ao esquecimento. O
que, de quando em vez, acontecia eram rasuras. Os riscos eram uma
tentativa de anulação, passando por cima para, então, tornar
omisso. De nada adiantava, o encoberto só precisava de um pouco mais
de atenção para descobrir-se. Tampouco a borracha foi capaz de
exercer a função retroativa, tudo que tentava apagar permanecia em
baixo relevo, feito pegada na areia, gravado no papel.
Depois
do cansaço, tudo que lhe restava era guardar a folha. Mas isso já
havia acontecido antes, só que a falta de esmero fez com que a folha
voltasse depressa demais para a escrivaninha.
Dessa
vez, o movimento de abrigar acompanhou a desistência de esquecer.
Nada ali se esfacelaria. Colocou, com todo o cuidado, a folha dentro
do armário, na prateleira de cima, escondida embaixo dos livros.
As
lembranças costumam lhe assaltar e os desejos lhe surpreender,
surgem vontades. E a folha, mesmo parecendo-lhe ter sido arrancado um
pedaço, em sua inteireza, dá o tom para melodia que se quer tocar.
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