"Vai que é tua (e)leitor!"
Gordo?
Acho que estamos às voltas com um novo
patamar ético,
quero dizer - nas
nossas escalas de valor. Acho que achei, pelo
menos, uma
palavrinha, um adjetivo potente e explosivo que aponta
para a pontinha
deste fenômeno. Foi por acaso, vinha dirigindo para o
consultório após o
jogo contra o Japão. Trânsito tumultuado, eufórico
e nervoso. Gente
querendo escapar da folia da comemoração e muito
mais gente
tentando impedir que isso fosse possível. Então, por um
pequeno trecho do
caminho, mais fluído e tranqüilo, senti que havia
uma” pedra “: uma
garota cortou a frente do motorista da pista ao lado
e ouviu dele um
desaforo imbatível: -” Gorda! “. E então ocorreu o
mais inusitado, o
tal fenômeno. Veio de um “comemorante” trincado de
todas as marcas de
cerveja: - “É gordo, mas faz!”.
Era o ano de 2006
(disso eu sabia) e rolava um
campeonato mundial
de futebol muito mundializado e, quanto a isso, eu
já tinha outras
referências temporais mais remotas - achava que havia
começado no início
dos anos noventa do século passado e remetia a
protagonistas
estranhos ao mundo do futebol, como uma “dama de ferro”
e um ex-ator,
então presidente dos EUA. Mas na vida das minhas
fatigadas retinas,
jamais esquecerei a fisionomia da garota
ofendida...mas nem
tanto, e isso me intrigava. Lá estava ela, vestida
com a camisa nove
e mais as estrelas de todas as marcas de banco,
petrificada e
perplexa, entre um desaforo tão moralmente estético e
uma apreciação
atenuante, tão benevolente quanto eficaz.
Um paradoxo, caro
leitor! Estivera diante de um
curioso impasse de
natureza estritamente...ética, vá lá. O desaforo
do motorista -
amortecido, neutralizado quase, pela lógica da velha,
mas nem tanto,
política de resultados. E eu todo intoxicado pela
mídia do
espetáculo, confuso no meio da galera e filosofando
bovinamente,
extemporâneo, pra japonês ver. É que o “homi”, não é que
fez, e depois fez
de novo? Em plena Quinta-feira gorda e eu lá,
abafando uma
gargalhada e analisando um fenômeno novo que acabara de
presenciar:
fulminante dieta moral recompensa auto-imagem de mulher
xingada com tanta
crueldade, apesar de sua quase anorexia sarada.
Muita corneta
estridente saldando o meu pavilhão auditivo; martelo no
estribo e minha
paciência na bigorna.
Agora que já é
inverno, férias escolares (essa moçada
precisava
descansar mesmo, já que este ano não dará trégua...) e eu
sobrevivi às
profundezas das minhas análises porque subi os vidros e
coloquei o
“Inverno” das “Quatro Estações” do Vivaldi no toco pra
seguir caminho,
agora sim, podemos passar uma régua no pagode e
pensar com
serenidade nas conseqüências da tal Cláusula de Parreira,
de Barreira,
perdoe. Aquela que oferece ao candidato da oposição o
dobro do tempo de
propaganda televisiva, sobre o da situação. Que
situação! Isto sim
é “show”, porque “show” é ganhar e ganhar é
muito “show”.
Ocorre que ninguém é “mané” a ponto de jogar pra
perder; perder
seus curraizinhos regionais, além da própria eleição
presidencial...seria
coisa de “mané”, num país sobre cujas
prefeituras
municipais, a corrupção campeia, perdoe, vigora, num
patamar
estatístico além dos 70%. Parece mesmo que o que não mata,
engorda e o que
engorda é “matador”...De “mané” só sobrou o
Garrincha, para o
orgulho do nosso Pavilhão. Mas não pra saúde dos
nossos fatigados
ouvidos, nossas Trompas de Eustáquio.
Portanto, leitor,
que entre a “Primavera” do Vivaldi
pela primavera
eleitoral. Até porque o nepotismo fará entrar pra
máquina estatal,
muitas primas e primas das primas de muitos
candidatos, assim,
eleitos. Se futebol é caixinha de surpresas,
política é coração
de mãe; acolhe e alimenta seus diletos.
Especialmente,
permite gerá-los em suas Trompas de Eustáquio, de
Falópio, perdoe,
pela última vez, gordo leitor. E não se ofenda,
porque lhe ofereço
este “gordo” como uma espécie de “valor agregado”,
de sortilégio. Uma
lembrança da Copa, na redenção da cozinha.
Pois assim começou
essa conversa, com a idéia de uma
espécie de salto
para um novo patamar ético que se deu pela inversão
de sinal de um
valor estético, sob um pano de fundo caótico da Copa
do Mundo, marcada
pela lisura da bola e pela altura da grana, grama,
mil perdões!
Apesar de todo o
ceticismo quanto à lisura –não da
bola, o jogo da
linguagem não é apenas um termômetro, um
estetoscópio, uma
balança...vá lá. Em que pese todo o atual cenário
de lambança
generalizada, significados novos emergem do cotidiano
mais pueril, mais
prosaico mesmo. Doravante (que palavrinha mais “pra
cima”, não!),
quando alguém gritar - “Gordo!” este estigma vocabular
não vai soar como
antes. Soará, talvez, como...suor, como superação
de lágrimas. Só o
tempo poderá mostrar as condições de emergência
desse novo
“gordo”, nem que seja pela autópsia dos bastidores
do
“show-resultado”. Será preciso mastigar bem a palavrinha renovada,
até para extrair
de seu entorno algum saber, ou qualquer sabor, o que
dá no mesmo.
Será preciso
investigar a que ganhos leva o ganhar.
Ou descobrir o que
o “professor”, o “homi” mastigava metodicamente lá
do banco (de
reservas, do jogo) para gritar suas palavras de ordem. E
se há uma palavra
de ordem no momento, esta palavra é “votar”.
Sempre, e sem
muitos advérbios de modo. Tudo o mais é burrice. Pura
burrice!
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