22 julho 2011

EXCOLHA

Ce n'est pas une chaise (DIVÃ)


Por Felipe Modenese


Seria esta vasculatura dilatada de seus olhos os traumas de um esforço em crer?
Os hematomas de uma luta desigual entre o grito raivoso de revolta que arde e o arsenal de acomodamentos ideológicos morais, religiosos, consumistas e perniciosos?
Inundam o dia-a-dia deste ser urbanóide e cimentocrata, lagarta sob o teto da metrópole.
Ou o pó de ontem?
Dali. Do balcão do boteco para intumescer seu espírito arredio de toda a serotonina de que dispõe. Receptores bloqueados e as moléculas mágicas preenchendo o nada por si inventado.

O espelho teima em rasgar na sua consciência as trincas de sangue no branco dos olhos. O movimento errático atinge a íris e some na auréola de coloração. Mas deixa seu rastro, suas pistas de autocomiseração.
Crer na recompensa de um trabalho bem feito, na honestidade, no exemplo, no altruísmo, na arte, na porra da voz do povo? Que povo?... Confiar na leitura? Na cultura? Encantamento? Elevação? Pufffff...
Suas tripas severas contorcem-se a cada minúsculo desvio de seus ideais lapidados pela história e desconstruídos a cada passo de calçadas.

Serão trincas de um homem prestes a nascer? Por si só. Sem expectativas demagógicas, niilismo, servidão. Humano e não mais?
Recém-nascido, imune a ideologias por tê-las todas amargurado.
Nem a pau!
Nem fodendo!
E foda-se!

Sorri forçosamente. Acerta a mordida de sua placa ortodôntica de correção mandibular e deita ao lado da parceira...

Olheiras de um roxo agourento quebrantadas. Rachadas. Partidas.
Criar. Romper os desígnios do tempo e informar o mundo de sua individualidade. Sua apenas.
Romper os traços de uma sociedade altamente robusta e eficaz.
Não ser o mesmo. Não mais. Nem que isso custe.
Ousadia.
Nunca mais parir os dejetos de uma lógica ultrajante.Criar.
Inédito como cada pôr-do-sol. Único como estrelas escolhidas pela noite. Na pele ríspida da noite rebentar o isolamento fértil e cômodo.

Anda pelos auspícios, pelo relento da noite jamais e deposita suas mãos no jardim. Toca as gravuras e nota o irretocável dos relevos.
Experimenta simplicidade no toque do olhar do outro. Desmascara a robustez da cidade e sente a pluma da cidade.
Rasga seus papéis.
Agora um jovem entusiasta das idéias vazias. Vislumbra sua alma. Remoe palavras. Em pó mesmo.
Como areia. Mora nesta areia de praia: a placidez da água.
Nasce para sempre e para o nunca mais.

- Eu quero este!

Escolhera o MP3 player de maior memória. Companheiro novo. A cidade muda.
A surdez rompe as teias de significados e deixa ileso o caminhar; a máquina do mundo, calada. Sente os ecos do além nas asas de sua rotina infernal. Abrandam o dia e rememora o momento em que está. É e não mais.
Lúcido


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