31 julho 2012

DEPOIS DO SILÊNCIO...



A TEOFANIA 
partes 7 e 8


                                                                  A CASA DE DEVS


Espinho na mão
olho de peixe, corte no pé
em cima
do sótão
um raio fulminante
já explodiu
uma centena de gibis,
a parabólica, um casamento
e o alto espaldar obsoleto
da sua cadeira
arrebentada, velho profeta, 
e agora uma estátua embrutecida
do camarada Lênin
cantarola "o que fazer?"
no escurro do quando, entretanto.

Alfaces, costelas
e esperanças
mastigadas, desfeitas,
semprevivas no toco...

                                                          


Os escafandristas
e os alquimistas voltarão, um dia,
à tona? A clarabóia partida
tem algum significado?
E o raio de sol do sótão?
A casa de Deus continua
desmoronando eternamente
des-mo-ro-nan-do...

                                                                       ANTI-HAICAI

Num canto da sala, a sua camisa oca. No olho seco do peixe brilhando, afogueada,  a servidão de uma humilde, frouxa, parcela da humanidade esquecida, desaparecia. Vazia, vazia...




30 julho 2012

PREOCUPAR-SE


Por Guilherme Salla



É preciso preencher
o vazio
com mobilha nova
sobre o piso frio,
a terra que cobre a cova
da ocupação e do afazer.

O trabalho que não basta,
o homem, digno e oco, de gravata
veste seu melhor terno para morrer.

É preciso preencher
o vazio
com a pressa nova
sob o corpo frio,
a terra que cai da cova,
na ocupação do cadáver.


.


29 julho 2012

Mãos Duplas (Fragmentos de um escritor à caça de história)

Mãos duplas Por Carmô Senna
Modigliani

Essa é a vontade, deitar ao lado dele e criar um rastro, um ligar pontos e desvendar os desenhos escondidos nas constelações que compõem suas costas.
Faz séculos que não deito palavras ao papel, pois pressionar a caneta não é o mesmo que pressionar o corpo dele, junto ao meu corpo. Quando olho para o corpo dele em movimento e fico sem folego, mas esse não respirar causa no peito um ronronar felino de intenções barbaras.
Nunca pensei, ou se pensei, nunca foi tão concreta a sentença de pertença, o olhar e ver no outro a vontade de querer estar lá, ao lado, mesmo que de olhos vendados, mesmo que amarrado, presa entre seus abraços fortes e suas pernas vorazes.

Eu olho pra ela, e minha boca percorre os montes, mordiscando os bicos, sentindo o pulsar entre as coxas e seu respirar rarefeito. É como habitar um mundo de terminações tântricas, de vulcões a entrar em erupção. Eu entro em erupção e me contenho. Tenho sempre a sensação que posso quebrar os ossos frágeis dessa menina-mulher que compartilha comigo seu algo precioso, que é seu corpo. O corpo, dela completa meu corpo. E eu sigo essa vontade indelicada de invadir seus mais vastos impérios, seus mais remotos cantos escuros, como é sentir que ao abrir as pernas e ao segurar seus braços para o alto tenho em minhas mãos todo um Versúvio.

Minha mão aperta a mão dele, enquanto mordo seu pescoço, ou chupo seus dedos, fiquei outra hora imaginando, como seria render-lhe, com um toque mais ousado, com um arroubo.

Minha mão percorre o corpo dela, enquanto chupo sua orelha, ela fica gelada quando faço isso, parece que sugo mais que vontade, parece que ela sem querer me empresta o calor... fico inebriado quando vejo essas variações, quando percebo que ela trava uma reação animal selvagem, sinto necessidade de provocar o animal dentro dela, só para vê-lo enjaulado por um tempo, nervoso, e feliz pelo pecado imaginado, mas não realizado.

Nossas mãos, duplas, se juntam... são 05:00am, o dia nasce e não consumamos, mas nos consumimos aos poucos, pois ambos sabemos que o mundo aguarda breve, o orgasmo.

28 julho 2012

ATRAVÉS







Antes uma carta de amor extraviada do que não correspondida.
Antes um beijo roubado que um dado sem medida.
Antes um céu nublado que uma janela sem cortina.
Antes uma casa incendiada do que uma fria família.

Depois que escrever uma resposta, a fala será interrompida.
Depois que cuspir isso na cara, a temperança dará a língua.
Depois que chover forte, o sol devassará pálpebras caídas.
Depois que habitares o fogo, saberás conviver com a pira.

Durante a vida jamais se entenderá a própria morte.
Durante a sorte muito espírito seguirá em despedida.
Durante o verão virá o outono com folhas de recaída.
Durante a hospedagem do corpo uma voz em coro será repercutida.


25 julho 2012

24 julho 2012

DOIS DECAS SÉRICOS

Dois decas séricos

Por Marco A. de Araújo Bueno



Microcontos 12 e 13 (Dez palavras)

12. “A Colhida”



Na morada derradeira jogou toalha. Noites assim, minguantes – perspectivas déjavu!


13. “Tempoespaço”


-“Por quê não vai pra p.q.p.?”- “Demora mó longe, mano!”

22 julho 2012

ECO


Eco




Sou poeta de um poema só.
De um tema só.
De um corpo só.
De várias palavras
E uma só interpretação.

O mundo que eu vejo é só um.
Pessoas iguais.
Situações iguais.
Lugares diferentes.

Tudo começa e termina
Sempre no ponto de origem.

E isso não é um poema
Nem mesmo uma tentativa.
São somente letras
Quebradas, soltas.
Talvez com algum sentido
Certamente mínimo.
Soletramento.

Sou só um poeta.
E tenho só um poema.

O mundo que me circunda
As pessoas que nele vivem
Não são referência pra mim
Nem pra minha poesia.

20 julho 2012

EGORUM


Ato I



Do teu amo
pouco conheci
Conheci o meu,
Posto que egoísta
Cego as tuas lamúrias
Senti sozinho

Como pode amor?
Viúvo por não ler as entrelinhas

Estavas lá
Cá, ego.

Atravessar o percurso
Correr o rio
Vôo andando

Chegar a ti
É como chegar ao Tu
Venha
Tu comigo
Supera o egoísmo
Constrói o nós

Diga!
Afinal
Posso superar o sigilo?

18 julho 2012

COLUNA NOTAS ÀS MOSCAS - Vivian Marina




























* Devo-não-Nego_Posto-quando_Puder (Dispositivo avançado de anarco-cronogramia)

SOMBRA (LIGEIRA) DE MULHER ASSASSINADA

Por Cecília Prada

Ver a si próprio como uma personagem pode ser um dom. Ou um castigo que esperneia em nossos contornos -- noturnos/soturnos -- com força de feto que exige nascimento, sob pena máxima de morte. Expulsa-me ou te mato, arrebento tua angústia de dentro, sim eu te coloco ( me coloco), assim com esta compulsão, no extremo -- o escritor é sempre uma pessoa in extremis. Uma pessoa que acontece a si própria, que se vê acontecer --diferente, solitária, nunca completamente aderente. "Del sentimiento de no estar de todo", diz Cortazar. Um voyeur primeiro dos outros, objetos primevos, na infância -- mãe afastada? intranquilizadora, a luta desde sempre pela aceitação, pela sobrevivência, desde o início desesperada.

E depois, incansavelmente, amaldiçoadamente, voyeur de si próprio .

Como uma marca extrema, esta angústia dilacerante no conflito ser/escrever, ver-me aderida às pessoas, à minha própria vida cotidiana, com seus objetos familiares afetivos, e saber que tenho o dom ou a maldição de ter de me afastar deles -- talvez destruí-los? A vida cotidiana não é mais do que uma contemporização. A única paixão é escrever - a vida é uma sombra, os objetos de amor são fantasmas, são metáforas do cotidiano, metáforas do fogo interior, labaredas que brilham um momento, depois se extinguem, reaparecem em outros lugares. Um dia é preciso ultrapassar a barreira, deixar de pedir compreensão e aceitação às pessoas. Fechar as comportas do Ser, aceitar-se prisioneira da própria angústia, prestar um ouvido atento às vozes interiores que ressoam no casarão da mente. Entregar-se completamente às Fúrias - que em grego, menos descaradas, se disfarçavam em Erínias.

Aceitar-se como mataborrão da angústia própria - e dos outros.Isso é a literatura : mataborrão da angústia. E do desejo. Aceitar os tentáculos desse monstro devorante que vive em nós. Aceitar o destino do escritor.

Parece então que as coisas todas só acontecem, aconteceram, para ser escritas.E só te aconteceram daquela determinada forma, no tal ponto extremado da angústia, para que sejam exemplos.

VÊ? -- te diz uma voz, e um dedo te vai apontando, desvelando. ( e desde precoce idade, desde os primeiros anos).

Porque há muitas mulheres assassinadas, clamando dentro de mim.


14 julho 2012

PUSILÂNIME



O que ele fala não se escreve.
O que ele escreve não se cala.
O que ele cala não se esquece.
O que ele prova não se amarga.

Paga até o que não deve.
Teima com o que não teme.
Tem mania de espião.
Apaga para ver e todo se treme.
Escuta um barulhinho, já deita no chão.

Tem um rabo preso com o Governo
E outro entre as pernas do cachorro.
Muito ladra o ladrão que traja terno.
Abaixa tanto que a calça perde forro.
Já fez pacto até com o cão:
- Benze minha testa com teu mijo,
Reza pra eu ganhar essa eleição!


12 julho 2012

ADJETIVAÇÃO POÉTICA


Por Marcelo Finholdt

Escrever é revelar-se
Revelar-se é ser autêntico
Ser autêntico é poesia
É poesia ser sincero

Ser sincero é ser fiel
Ser fiel é ser honesto
Ser honesto é elegante
Elegante é ser feliz

Ser feliz é essencial
Essencial é ser amante
Ser amante é ser vivente
Ser vivente é então decente

11 julho 2012

SINTOMA


Ilustração: Luiza Maciel Nogueira

SINTOMA
Por Alvaro Posselt

A toda hora com furor
No meu corpo a dor consome
Eu pensava que era amor
Diz o médico que é de fome


10 julho 2012

FUTEPOLÍTICA - "GORDO ! " [DA SÉRIE 'ASNO DE COPAS']]


                                           "Vai que é tua (e)leitor!"

Gordo?




Acho que estamos às voltas com um novo patamar ético,
quero dizer - nas nossas escalas de valor. Acho que achei, pelo
menos, uma palavrinha, um adjetivo potente e explosivo que aponta
para a pontinha deste fenômeno. Foi por acaso, vinha dirigindo para o
consultório após o jogo contra o Japão. Trânsito tumultuado, eufórico
e nervoso. Gente querendo escapar da folia da comemoração e muito
mais gente tentando impedir que isso fosse possível. Então, por um
pequeno trecho do caminho, mais fluído e tranqüilo, senti que havia
uma” pedra “: uma garota cortou a frente do motorista da pista ao lado
e ouviu dele um desaforo imbatível: -” Gorda! “. E então ocorreu o
mais inusitado, o tal fenômeno. Veio de um “comemorante” trincado de
todas as marcas de cerveja: - “É gordo, mas faz!”.
Era o ano de 2006 (disso eu sabia) e rolava um
campeonato mundial de futebol muito mundializado e, quanto a isso, eu
já tinha outras referências temporais mais remotas - achava que havia
começado no início dos anos noventa do século passado e remetia a
protagonistas estranhos ao mundo do futebol, como uma “dama de ferro”
e um ex-ator, então presidente dos EUA. Mas na vida das minhas
fatigadas retinas, jamais esquecerei a fisionomia da garota
ofendida...mas nem tanto, e isso me intrigava. Lá estava ela, vestida
com a camisa nove e mais as estrelas de todas as marcas de banco,
petrificada e perplexa, entre um desaforo tão moralmente estético e
uma apreciação atenuante, tão benevolente quanto eficaz.
Um paradoxo, caro leitor! Estivera diante de um
curioso impasse de natureza estritamente...ética, vá lá. O desaforo
do motorista - amortecido, neutralizado quase, pela lógica da velha,
mas nem tanto, política de resultados. E eu todo intoxicado pela
mídia do espetáculo, confuso no meio da galera e filosofando
bovinamente, extemporâneo, pra japonês ver. É que o “homi”, não é que
fez, e depois fez de novo? Em plena Quinta-feira gorda e eu lá,
abafando uma gargalhada e analisando um fenômeno novo que acabara de
presenciar: fulminante dieta moral recompensa auto-imagem de mulher
xingada com tanta crueldade, apesar de sua quase anorexia sarada.
Muita corneta estridente saldando o meu pavilhão auditivo; martelo no
estribo e minha paciência na bigorna.
Agora que já é inverno, férias escolares (essa moçada
precisava descansar mesmo, já que este ano não dará trégua...) e eu
sobrevivi às profundezas das minhas análises porque subi os vidros e
coloquei o “Inverno” das “Quatro Estações” do Vivaldi no toco pra
seguir caminho, agora sim, podemos passar uma régua no pagode e
pensar com serenidade nas conseqüências da tal Cláusula de Parreira,
de Barreira, perdoe. Aquela que oferece ao candidato da oposição o
dobro do tempo de propaganda televisiva, sobre o da situação. Que
situação! Isto sim é “show”, porque “show” é ganhar e ganhar é
muito “show”. Ocorre que ninguém é “mané” a ponto de jogar pra
perder; perder seus curraizinhos regionais, além da própria eleição
presidencial...seria coisa de “mané”, num país sobre cujas
prefeituras municipais, a corrupção campeia, perdoe, vigora, num
patamar estatístico além dos 70%. Parece mesmo que o que não mata,
engorda e o que engorda é “matador”...De “mané” só sobrou o
Garrincha, para o orgulho do nosso Pavilhão. Mas não pra saúde dos
nossos fatigados ouvidos, nossas Trompas de Eustáquio.
Portanto, leitor, que entre a “Primavera” do Vivaldi
pela primavera eleitoral. Até porque o nepotismo fará entrar pra
máquina estatal, muitas primas e primas das primas de muitos
candidatos, assim, eleitos. Se futebol é caixinha de surpresas,
política é coração de mãe; acolhe e alimenta seus diletos.
Especialmente, permite gerá-los em suas Trompas de Eustáquio, de
Falópio, perdoe, pela última vez, gordo leitor. E não se ofenda,
porque lhe ofereço este “gordo” como uma espécie de “valor agregado”,
de sortilégio. Uma lembrança da Copa, na redenção da cozinha.
Pois assim começou essa conversa, com a idéia de uma
espécie de salto para um novo patamar ético que se deu pela inversão
de sinal de um valor estético, sob um pano de fundo caótico da Copa
do Mundo, marcada pela lisura da bola e pela altura da grana, grama,
mil perdões!
Apesar de todo o ceticismo quanto à lisura –não da
bola, o jogo da linguagem não é apenas um termômetro, um
estetoscópio, uma balança...vá lá. Em que pese todo o atual cenário
de lambança generalizada, significados novos emergem do cotidiano
mais pueril, mais prosaico mesmo. Doravante (que palavrinha mais “pra
cima”, não!), quando alguém gritar - “Gordo!” este estigma vocabular
não vai soar como antes. Soará, talvez, como...suor, como superação
de lágrimas. Só o tempo poderá mostrar as condições de emergência
desse novo “gordo”, nem que seja pela autópsia dos bastidores
do “show-resultado”. Será preciso mastigar bem a palavrinha renovada,
até para extrair de seu entorno algum saber, ou qualquer sabor, o que
dá no mesmo.
Será preciso investigar a que ganhos leva o ganhar.
Ou descobrir o que o “professor”, o “homi” mastigava metodicamente lá
do banco (de reservas, do jogo) para gritar suas palavras de ordem. E
se há uma palavra de ordem no momento, esta palavra é “votar”.
Sempre, e sem muitos advérbios de modo. Tudo o mais é burrice. Pura
burrice!



08 julho 2012

POEIRA CÓSMICA


Poeira Cósmica





... E aí você sente como seus olhos se abrissem pra trás.
É como se fosse um alívio. É fantástico. Isso pode durar horas. Eu me sinto calma, animada, mais vívida.
Posso sofrer um ataque cardíaco. Aumenta a velocidade do batimento cardíaco em 50%. Neurônios. Memória. Apetite. Pensamento e humor.
Sentidos intensos. Solidão.
Carbamazepina, fluoxetina e diazepan. Álcool.
Quem sabe um copo novo, largo. 80% de vodca, 20% de chá gelado e meia pedra de gelo. Uma fatia de pizza fria.
Simplicidade.
O barulho do motor da geladeira.
A gata brincando com o isqueiro há dias caído no chão.
Cigarros e a montanha russa no cérebro.
Um impacto violento. Uma camada de poeira.
Nós somos consequência de um acidente cósmico...

06 julho 2012

DO QUE VÊS


Do que vês



Pergunto
Com quantas mentiras somos capazes de viver
De quantas somos capazes de sobrevier

Diga!
O embuste mais grave...
O que fazemos a nós mesmos
O que entregamos aos outros

Pense...
De todos os engodos
Algum nos tornou o que somos
Outros nos travestiram
o que vêem em nós

Somos o que

No real tem algo de fidedigno
Tornamo-nos apócrifos de nós mesmos
Escrito por outros!
Lidos por desconhecidos!
Tramados por enganos!

Engodos no existir...
Somam ou subtraem nossa existência
Qual o espólio que interessa?
A verdade que nos torna o que somos?
a vida como ela é: teatro de circuncisões?








05 julho 2012

O CHÁ


O chá



A água fervia feito um turbilhão e xícara, pires, saquinho de infusão esperavam ansiosos pela quentura que lhes sobem vertiginosamente a temperatura. Ela caia vagarosa carregando borbulhas que explodiam a cada toque com a porcelana. O saquinho cheio de ervas deixava-se desprender sabor e cor na água que lhe inundava. O pires escondia uma colher minúscula que serviria para misturar o chá. Dois torrões de açúcar adentraram na xícara logo depois que o saquinho fizera sua parte. O açúcar dissolvera rapidamente, sem ter nenhuma chance de manter-se torrão naquela liquidez aconchegantemente quente. A colher agora remexia água, sabor, cor e doçura não distinguindo nenhum deles e todos ao mesmo tempo.

O chá estava pronto e a xícara feliz sabia que iria transferir tudo aquilo que sentira à boca que lhe esperava. A quentura da água, o sabor e cor das ervas do saquinho de infusão e a doçura dos torrões de açúcar, tudo devidamente misturado pela colherinha. Mal sabia o que estava por vir.

A boca não podia distinguir todas essas sensações tão ritualisticamente sentidas por aquela xícara de porcelana. As lágrimas que caiam dos olhos que lhe avizinhava confundiam-se com quente, salgado-doce e dissolviam a cor que fora minuciosamente desprendida das ervas do saquinho. Lágrimas que invadiam a boca, tal como o chá e nada permanecia o mesmo.

Nem xícara, nem boca, nenhuma estava satisfeita. A xícara por querer fazer sentir chá e a boca por não sentir ou sentir demasiadamente o sabor da lagrima-chá. As expectativas de que as sensações aflorassem, fazendo sentir quente-cor-doce não foram atendidas, tampouco o acalento do chá para o choro dos olhos marejados.

No dia seguinte os olhos já não estavam mais marejados e sim doloridos pelo ressecamento e a xícara vazia e fria sem ter como proporcionar nada àquela boca. E se você espera que eu lhe dê um final feliz ou alguma explicação, caro leitor, engana-se, não o farei hoje. E isso nada tem que ver com lágrima, chá ou comigo – mas sim com sua expectativa que não poderá ser atendida, não nesse pequeno texto de hoje.

04 julho 2012

EU E JACK KEROUAC

Por Cecilia Prada

Não. Nunca encontrei pessoalmente Kerouac, apesar de ter vivido quase seis anos nos States e ter me apaixonado pelos seus livros. Vivi grudada na Costa Leste (Washington D.C e depois Nova York) de 1959 ao finalzinho de 1964, enquanto ele vivia lá na Costa Oeste, bebendo até morrer, sem aproveitar a fama e o dinheiro que ganhara escrevendo. Um rapaz que vivia com a mãe, e cuja única ambição era poder ganhar com o que escrevia dinheiro para comprar uma nova geladeira para ela. Eu, engessada no protocolo diplomático, good girl, casada, tendo filhos –foram três em cinco anos e meio, em um período incrivel de criatividade em todos os sentidos. Escrevi meu primeiro livro importante de ficção, o Caos na Sala de Jantar, também comecei a escrever para teatro, pertenci a um grupo profissional que ficou na história teatral americana, The Open Theater, tive peça produzida em Nova York. E convivi , morando no Greenwich Village, com outros beatiniks...Belos tempos – que o golpe militar brasileiro de 1964 estraçalhou – como já contei em artigos publicados, mas que voltarei a esmiuçar mais tarde.

Mas o que eu queria mesmo era fugir com Kerouac, ir viver com os beatniks, renegando o meio diplomático de pastoso tédio. Eu dizia para Sergio Paulo, meu marido: “ E se a gente largasse tudo e fosse viver como eles? “ Foi quando devorei The Subterraneans, depois do sagrado impacto recebido de On The Road, The Dharma Bums.... Repetia , sem saber – só depois me contaram- uma cena que se passara há um meio século ou mais, entre minha avó Ana Thereza Pinheiro do Amaral e meu avô Marciano Jorge do Amaral, na escala modestíssima de Piracaia, interior do Estado de São Paulo, onde meu avô era tabelião: um circo passara por lá e Nhãna (que se casara aos 16 anos), insistia com o marido: “Por que a gente não deixa tudo e foge com esse pessoal do circo?”

Kerouac, Faulkner, Henry James – só depois de conhecer essa trindade, de ter a graça de poder lê-los na língua original, de estudar sua obra, é que senti vir se formando dentro de mim a “voz literária” que hoje ainda dialoga comigo.

03 julho 2012

Palavra de DEUS


A TEOFANIA
parte 6

"Fizeste bem, meu filho. Agora o falso asceta que vivia aí, dentro das suas costelas às voltas com os seus desejos ardentes, jaz estrangulado no deserto, no êrmo. Na cabeça do tempo, no início das Eras, criei a doçura dos teus olhos, uma porção de mim mesmo, e a amarga prisão da tua língua a fim de destruir os demônios que haviam encarnado no antigo Egito, nas agruras do cativeiro. Hoje criei novamente os teus pés e as tuas mãos, profeta, a fim de dominar os malfeitores e o medo desenfreado do teu povo. Assim que tiveres submetido à tua vontade a terra, depois de subir os Sinais, vencer os domínios do Inferno e atravessar o areal, ficarás enfadado e renunciarás a glória voluntariamente. No fim, serás unido a Mim, tem a certeza. Recebe de minha parte esse cajado, uma víbora afiada, graças ao qual obterás tudo o que te disse." 

Related Posts with Thumbnails