30 novembro 2010

LOGO DEPOIS

LOGO DEPOIS


Por Bia Pupin


Há lugares aos quais nunca mais se retorna.
Renata remoia, reacomodava, murmurava, desfiava. Encolhida sob o edredom, tentando submergir em seu próprio mundo. Repleto de loucura e raiva. Era levada para lá, embalada pelo rio profundo que se movia em reflexos e corria segundo sua vontade.
Renata não admitia regras, normas. Era ali que ela conseguia ser selva, ser pássaro, ser tarde, ser dia...
Foi o lugar que sobrou depois da ilusão.

29 novembro 2010

23:45



Eu a espero para o jantar
junto da mesa do telefone
até que a fome passa e vou me deitar.

Ela sabe exatamente o que faz,
eu não saberia o que fazer em seu lugar,
eu nem imaginaria.

Toda trama do tapete afrouxa
e o calor potencializa certos odores.
É a mesma a cada nuance,
a cada dobra sob o tato.

Toma-me como exemplo a estranhos.
Toma a bebida do meu copo
e se levanta.

Tomara que ela retorne,
penso uníssono com todos a minha volta,
e ela volta.

.

28 novembro 2010

A CAVERNA

A CAVERNA



Saio cega da caverna de Platão.

Procuro os sábios do templo,

Os filósofos e os magos.

Esbarro em sombras que

Persistem.

Caminho atordoada e feliz

Sem saber o caminho,

Sem saber se o lado de fora é outra

Caverna.

Meu caminho é sem volta

Porque o mundo - com todas as cavernas -

Está dentro de mim.

.

27 novembro 2010

INSTINTA





Dentro há o centro do delírio. Redes e moinhos deitados no eixo. Nunca dê lírios a quem está vivo, dê vários. O copo de leite cheira a filho morto dentro do armário. Roupas deixadas de lembrança à casa, retalhos. Pisei caco de vidro do vaso quebrado. Continha água para crescimento, mas havia matado o excesso. Eu me excedo tanto tarde. Dê mais. Beba mais desse líquido e então se sentirá bem. Beba, beba tudo até o mijo. Ele esteve enjoado da vida que não deu. Precisa coragem. Dois remos. Um barco. Atravessará a terceira margem do riso quando formar um lago com todas as lágrimas. As que pingaram no travesseiro, no solo, na pia, no braço. Aquelas que as pessoas viram e desviraram na tua cara. As choradas encolhidas no banheiro. Eu já quis comer as maçãs do meu rosto, rubras de desespero por forçar a elasticidade dos cantos da boca, retirar as minhas cascas com navalha. Sangria interior: se não cura, extravasa. Jorra tanto que seca por hora, periga voltar. O tempo vai fechando, quanto mais nuvem, mais cura. É algodão embebido no pranto da lua, esburacada de tanto ácido posto para fora. Dá língua feito criança ao remédio amargo, peito de madrasta. Vai cansar do próprio espasmo e se tornar espanto. Após tanto, virá apático feito velho, coma deduzido. Sentirá toques na dormência. Já percebo meu lábio caindo. Foi de falar mal dos que pintam o céu, de beijar o chão que papisa passa, de comer beligerância na porta da igreja entre pipocas e mendigos. Aqui não tem vaga. Trabalho para preencher o bolso do tempo, mas não tenho troco. A troco de quê? De quebranto. Não acredito nas evidências que sinto. Sou um burro humano alado, alheio ao relinche do mundo. Coice à foice rasga o casco. Ferradura, fogo, marca a rés com sadismo. Masoquismo é tatuagem. Meu corpo está limpo: sou boneco de piche. Puxo o pé, coxeio, engasgo. Nem tenho abraços de polvo. Também falta-me cabeça. Qual pedaço possuo? Dedos apontando lápis, unhas de fome, calcanhar de aqueles que caminham na direção arquitetônica moderna do universo em quadrados.

25 novembro 2010

Ofélia II


Por Marcelo Finholdt

No regaço da vida:
pensei maior, menor...
Sonhei distâncias, idas;
sonhei cores, de cor...

No regaço do sonho:
sonhei em branco e preto,
então cores reponho:
almas, versos, sonetos!

23 novembro 2010

LIÇÃO



"Lição"

Por Marco A. de Araújo Bueno

Quando as portas se abriram
Eu já estava preparado;
Estava morto, de medo;
Já me sentia empurrado.

O tempo estava nublado
De descaminhos no ar.
Havia um eu desgarrado,
Empurrado a desgarrar.

Foi estranho como aquilo
Engolfava-me a garganta
A desandar-me a chorar.

Então, fecharam-se as portas
E nada, agora, me espanta:
Desaprendi a ficar.

22 novembro 2010

POEMATERNIDADE

Por Rafael Noris

Meu poema com muito esforço
sai feinho, cara de joelho;
Letras a menos, um troço
triste, o qual me assemelho.


20 novembro 2010

O AMOR POR WONG KAR-WAI


"O amor é uma questão de tempo. De nada adianta conhecer a pessoa certa cedo demais ou tarde demais. Se eu vivesse em outro tempo, em outro lugar, minha história talvez tivesse um final diferente."
Wong Kar-Wai, 2046

Wong Kar-Wai é um proeminente diretor autoral do cinema contemporâneo chinês. Em filmes como Dias Selvagens (Days of Being Wild, 1990),  Amores Expressos (Chungking Express, 1994),  Anjos Caídos, (Fallen Angels, 1995), Felizes Juntos (Happy Together, 1997), Amor à Flor da Pele (In the Mood for Love, 2000) e 2046 (id., 2004) se evidencia a personalidade de um artista capaz de combinar a admiração pela nova geração francesa com o cinema poético italiano dos anos 60 e 70. Num eterno estudo do amor, do desejo e da memória, e dos caminhos que esses sentimentos nos levam. Tanto como a fuga a possibilidade de um novo sofrimento nas mãos de alguém. Tanto a corrida para tentar reproduzir o que um dia se teve ao olhar profundamente para alguém com olhos que amam.

Tudo não passa de um eterno ciclo de esquecimento e reconhecimento do amor, com personagens que sempre estão ou esquecendo, ou se apaixonando por alguém. Sendo que os que se apaixonam, o fazem por quem está querendo esquecer. E todo esse ritual é representado por um ciclo de planos com músicas e cores, que no seu eterno retorno mostram a evolução desse sentimento, de como aquele que se apaixona é obrigado a esquecer, e obriga outros, que se apaixonaram por ele, a fazerem o mesmo. Um espaço banhado de influências ocidentais: músicas, lanchonetes, neons, filmes; transmutados para a realidade do diretor, de imigrante a construir uma casa longe de casa, sem realmente ter tido uma casa em primeiro lugar.  

18 novembro 2010

ENTENDA O CRONOGRAMA DO DE CHALEIRA


LEGENDA:


S T Qa Qi Sx S D
Guilherme Bia Brevideias Luciano Wagner Daniel Brevideias
Rafael Marco Cecília Marcelo Luiz Paola Cassia

BREVE, BREVIDEIAS CEDERÁ À NOVA COLUNA-SURPRESA

17 novembro 2010

MADRUGADA - MENINA

MADRUGADA-MENINA

Por Cecilia Prada

A madrugada veio de novo me acordar, menina de olhos insones e famin-tos, com uma ponta de medo me provocando, se enrolando ao meu lado -
toda questionamento. Hoje resolvi acolhê-la de novo, companheira que foi de alguns produtivos invernos.
Se enrola toda no cobertor, pede histórias. Então vou dizendo para ela: bem-vinda, companheira. Desculpa não ter te reconhecido antes, nestes dias todos em que te pus para fora, que te fiz ficar sentada ali no terraço, dependurada no céu e esperando ele explodir em rosa, amanhecer e te enxotar.
O que tenho feito neste tempo todo? Fiquei me remoendo, peso do mundo desabado sobre a pobre figura na cama, entortada de frio e de contas não-pagas. E depois, que idiota fui, me arrastando pelo dia com a dor que é um vazio na alma - o vazio que eu atribuía a não estar podendo fazer o que quero, escrever. Sem retraçar a causa imediata dessa frustra-ção, que era, então, digamos, isto: rechaçar, enxotar esse dom divino do tempo puro, todo meu, sem barulho nem horas marcadas, esse tempo que é a Madrugada, o presente de Deus todo aí ao meu dispor, energia-menina de olhos puros, se entregando.
A tua pureza, Menina-Madrugada, é a tua não-exigência. A grande vantagem da Madrugada é que ela é muda. Ela, o que quer é aconchego, embalo, é ser entretida, então tudo o que quer, palavras - e vou me derra-mando por elas - uma música de intimidade, então você, companheira, é o "tempo de antes", a partida preliminar , descompromissada, informal, sem exigências de forma e gênero, bate-bola, aquecimento lúdico. Espaço flu e que se movimenta, caleidoscópio de possibilidades que se ajeitam, que vêm me dizer:
- Então, Cecilia? E os teus livros em eterno preparo, e a tua eterna espera pela vida que não vem?
Com ela, Madrugada, não tenho cerimônias. É a mais discreta das confidentes, dorme o dia inteiro e parte da noite, não tem tempo para intri-gas. Com ela posso dizer - sabe, amiga? Confusão. Os livros ainda pedaços flu, sinuosos e escorregadios, oram me fogem durante meses, ora vêm, mas com exigências que me neurotizam, suas cobranças.
E o pior, começo a sentir o afastamento das coisas que antes queria tanto escrever.
- Mas você justamente não desejava esse afastamento? Não era dele que precisava para separar-se de si mesma, desenovelar-se, poder narrar, enfim?
- Sim....
Então vou contando para essa menina de olhos abertos e puros, vou contando coisas, de literatura, de mim, vou lhe falando da minha imen-sa fome de conversar, de brincar, de rir, de ouvir música com alguém, de tomar um chope com amigos, dançar. De viver – enfim. De escrever. De encontrar novas formas literárias que...
Eu a vou embalando docemente, vendo-a fechar os olhinhos de sono, par-tindo de mim – obsequiosa para com o dia que chega, masculino e prático, exigente de obrigações e projetos renovados. Mas, tão charmosa, antes de ir embora dormir nos braços dos deuses novamente, a Madrugada, terna namoradinha, abre um olhinho esperto e me dá uma piscadela: amanhã, me promete, estarei aqui de novo, não se esqueça, continuaremos a nossa conversa.






16 novembro 2010

Aposta

Aquele que aposta pode ter como prêmio uma cicatriz.
A cicatriz é uma marca, está colada ao corpo prestando serviço para a memória, será o sinal que ficou da dor.
Renata sempre apostou e jogava toda a sorte em um mesmo palpite até que se cansou.
Sua mania em apostar não foi deixada de lado, mas agora seus palpites eram jogados nos dados, era calculada a probabilidade com frieza estratégica.
A partir de agora, Renata busca a medida do êxito. O prazer em seu futuro triunfo é o sua única motivação.
Ela decidiu que não poderia mais permanecer onde estava.
Com sutileza prepara cuidadosamente duas doses de uísque sem gelo. Oferece a Otavio - brindam.
Renata avisa sua decisão, toma tranquilamente sua dose. Explica que já cuidou de tudo, retira a chave de casa do seu molho de chaves deixa sobre a mesa.
Não espera para ouvir a resposta de Otavio.

15 novembro 2010

CHUVA DE PEDRA


Era pedra pura,
errada e podre,
oca.

Coco concreto,
quando caiu
fez o buraco
por onde o eco
fugiu.

Louca queda da pedra livre
vara a telha, entope a calha
furos no forro e nas folhas.

Afora pedras, o que do céu mais cai?

Chuva?

.

14 novembro 2010

NÓS NA CAMA: SONHO LITERAL - PARTE II

FOTO - Por Celso Menezes

NÓS NA CAMA

Por Marco A. de Araújo Bueno

Lembram-se de como Fleming descobriu a Penicilina? Pois foi sonhando com os fungos de seu dia de trabalho. Eu queria é trazer à tona aqueles “fungos” cotidianos que reverberam e luzem em figurações alucinadas nos sonhos. Antibióticos, a gente compra e o Câncer, “a gente raspa”, como dizia o antropólogo Darcy Ribeiro. A morte, a gente vive. Todo dia.
Esses resíduos do dia, o “resto diurno” de que falava Freud e que, para o filósofo Walter Benjamin, interessavam quando enquadrados, delirantemente, na narrativa maluca do sonho (e não, ao contrário de Freud, quando clinicamente “interpretados”...), é dessa piorra do dia que eu queria tratar aqui. Da coisa pequena que vira fagulha, contra as expectativas do próprio sonhante, do seu entorno ardiloso e de todo a marquetagem de realidade à venda na esquina globalizada. O dia nos empurra versões atrativas, leves. O sonho opera a grande transgressão. Até porque, ele mesmo, nasce de uma transgressão à censura que age, para manter inconsciente, toda a poeira do dia. Que, afinal, é a poeira da História, para o Benjamin, e não a versão oficial que nos “oferecem” a respeito dela. O dia nos empalidece de sustos também. O sonho digere o que se engoliu a seco, metaboliza, distorce, liquidifica e disfarça o seu próprio feito. Numa encenação vertiginosa, dá nó no pingo d’água do dia. Seja de quem for o dia, todo santo dia e seja o dia de que santo for!
Filósofos, garis, economistas... todos sonham, todo dia. Psicanalistas, garimpeiros, cronistas- estes que fazem a história leiga do cotidiano, que é um jeito de desatar nós de linguagem insuficiente, sonham também, têm pesadelos, tudo igualzinho a todo mundo no mundo, exceto aqueles que “deletaram” o mundo sem saber que o fizeram. Casos especiais. No mais, as vias alternativas, as “terceiras” vias, as utopias e os escândalos de toda criação, sem exceção, vivem se abastecendo do alpiste onírico de sonhantes pessoa física que se entrechocam numa arena de choros e risos, de crimes e castigos. De infernos pessoais e redenções coletivas.
Observações ingênuas, espontâneas, que surgem do nada, não raro dão nós, não na cama “da hora”, mas na hora da cama. Um meu exemplo, por exemplo: divagava sobre a altura de uma cama em que repousava do tipo cama “americana”, alta, compacta. Luxuosa e imponente. Ah, pensava dentro do meu sonho, que conforto dormir acima deste chão de mundo e, derrepente...a angústia de me sentir isolado, sem vida, e que se transformou em medo de cair, bater a cabeça e...dormir pra sempre. Pouca coisa, para um caso isolado de sonhar com isolamento. E é nessas horas que me vem a idéia de Benjamin sobre o “passante” e o medo de não deixar meus traços no mundo; ou, de deixá-los em demasia. Uma oscilação entre a incapacidade de registrar a História e o desejo de, desarticulando-a, rearticulá-la e assim, desatar nós, tantos nós. Um nó apenas? É que Benjamin escreveu exatamente: “(...) Cada época sonha não somente a seguinte, mas ao sonhá-la a força a despertar” Desata essa...
A propósito de ter contornado a relação entre sono e morte, teria eu adulado meu leitor, lhe poupado algum desconforto? Mesmo quando alguns de nós sabemos que Ferenczi, psicanalista húngaro da turma do Freud, especulava sobre a vizinhança entre o sono, a morte e. o orgasmo?
Lá na França, aliás, há uma expressão intrigante sobre o orgasmo. Ele é chamado de “La petite mort”...
Bom, eu e a perda dos meus limites!
Foi bom?




13 novembro 2010

DUPLO INFINITO


Puseram-se os gatos no telhado e os amantes sob um mesmo teto de espelhos. E sob um lençol se descobriam em pelo no outro, pouco importando a altura dos ronronados. Que pesadelos? O anoitecer também deflorava a madrugada, enquanto seu gozo escorria pelo vidro da janela das casas, amenizando calores. 

Amores podem caber em diferentes esferas: dentro dos olhos, dos sóis ou dos seios. Dão-se em todo e qualquer encanto. Até o destino tem um caso antigo com o acaso. Já as dores cabem no interior dos frascos de receio. Nem todo animal é triste após o coito, só está cansado, vencido pela própria vontade de potência. Nada é pôr. Ocaso raro, porque poucos ainda veem.

Os dedos no gatilho lançam o filho, projétil de vida. Corações disparados, mãos bobas ao alto. Abaixo, esses pés que friccionados geram bons calos, as pedras se fazem nos sapatos, às vezes é que descem ao precipício. Incham-se os calcanhares com fetiches, também o prepúcio. A carne e a unha, o couro e o cabelo, a lida e o lúdico, a chaleira e o chá. Tudo é perfeito quando páreo. 

__________________________________________________________________

Pascal, quando pensa no universo, concebe-o como caracterizado pelo duplo infinito: todas as coisas, isto é, o universo, participam de seu duplo infinito. Este duplo infinito se traduz na possibilidade das coisas do universo serem aumentadas ou diminuídas ao infinito. Assim sendo, assevera:

on peut en concevoir un plus grand, et encore un qui le soit davantage; et ainsi à linfini, sans jamais arriver à un qui ne puisse plus être augmenté. Et au petit que soit un espace, on peut encore en considérer un moindre, et toujours à linfini, sans jamais arriver à un indivisible qui nait plus aucune étendue. (PASCAL, Oeuvres Complètes, 1954, p. 584)
Por isso, a dupla infinitude se traduz no universo infinitamente grande como também no infinitamente pequeno. O infinitamente grande e o infinitamente pequeno são para Pascal dois extremos aos quais o homem não poderá atingir, por isso, Pascal protesta: não nos falta menos capacidade para chegar ao nada do que para chegar ao todo, falta-nos uma capacidade infinita. Assim, esses dois extremos (que se encontram somente em Deus) estão como que velados ao homem: nossos sentidos não percebem os extremos (PASCAL, Pensamentos, 1973, frag 72). É o coração que sente o infinito.

10 novembro 2010

NÓS NA CAMA : SONHO LITERAL - I

FOTO - Por Celso Menezes [Literatura e Sonho]



NÓS NA CAMA - SONHO LITERAL

Por Marco A. de Araújo Bueno

'Dormir, talvez sonhar, então - escrever...'

F. Ficomeno A'Gollen


In O Bardo sem Arça; RU -Writers Ed./10




Por Marco A. de Araújo Bueno



Se me acompanhou até aqui, caro leitor, a culpa pela cumplicidade é do pronome pessoal - Nós-, que é também um substantivo. Nada pessoal, coisas da linguagem e mais alguma sacanagem (ou... ”lacanagem”, se Lacan lhe for algo familiar...) de cunho experimental, científico até, já que estou testando mais uma hipótese, com meu espírito de pesquisador lá no alto; coisa elevada mesmo, mesmo se tratada com humor. Freud, a propósito, é a minha referência predileta quando o assunto é o chiste, o trocadilho, a piada. Ele desmontou deliciosamente a mecânica inconsciente dos “ditos espirituosos” e demonstrou todo o engenho e arte demandados para liberar o riso. Isso, enquanto ia tirando os nós da cabeça de seus pacientes, os conflitos que, via de regra, apontavam para um lugar comum- a cama, este móvel no quarto onde nos deitamos e ficamos imóveis, e sonhamos ou fazemos outras coisas e mais outras, quando a nossa privacidade encolhe, ou a nossa “criatividade” torna-se, assim... prescindível.
A hipótese em questão é sobre o sono, a relação que tem com a idéia de morte, etc., e, aqui, todo o interesse que o título despertou é que corre o risco de encolher. Ou não, já que o sono nos mergulha numa obscura zona de prazeres, ainda que decorram da necessidade óbvia de se permanecer dormindo, sonhando. Aliás, dizia o próprio Freud- “O sonho é o guardião do sono”, e, até para as mais “neuras” das neurociências fica meio artificial derrubar esta premissa freudiana, tão original e tão avessa às técnicas de tomografia por pósitrons e outras aferições cientificamente... confiáveis.
E este é o lado bom da questão. O sono também dá nós, como bem o sabe até o bocejante leitor que, a esta altura da crônica, quer mais é mandar dormir o próprio autor e que leve o Freud dele pra cabeceira. Então, para não saturar o nosso já estressado cotidiano, deixemos de lado a morte e outras coisas que a gente não pode comprar e não porque estejam elas “pela hora da morte”. Esta benevolência carinhosa, no entanto, não abre espaço para teorias mais leves e atrativas, essas que embalam o nosso aparelho psíquico em celofane com lacinhos cor-de-rosa para emplacá-lo nos “Top-10” de revistas semanais. Isso sim seria a morte; do desejo, da inteligência (seguida ou não de adjetivos)... morte da própria morte enquanto tema da filosofia.
Também não quero, até por não querer que meu leitor o queira, uma crônica - bula das patologias do sono. Sei da importância clínica da insônia, do ronco, da apnéia do sono que, por interrompê-lo tantas vezes numa noite, escangalha o dia e pode evoluir para problemas cardíacos e a morte... Mas me permito um certo “cochilo” a respeito. Até porque existe um lado solar da noite. Lembram-se de como Fleming descobriu a Penicilina? Pois foi sonhando com os fungos de seu dia de trabalho. Eu queria é trazer à tona aqueles “fungos” cotidianos que reverberam e luzem em figurações alucinadas nos sonhos. Antibióticos, a gente compra e o Câncer, “a gente raspa”, como dizia o antropólogo Darcy Ribeiro. A morte, a gente vive. Todo dia.

09 novembro 2010

CAMAFEU

ILUSTRAÇÃO - Por Alan Carline



CAMAFEU

Por Marco A. de Araújo Bueno


Deixando o restaurante bandejão, lá vinha a Roxana equilibrando mochilinha nas costas, tonelada de xerox na mão esquerda e um saco plástico contendo uma baguete de pão murcho e uma laranja não descascada. Eu acompanhava a cena de um ponto do campus onde, aos trancos, sacolejando, desembestando pela turba, ela trombaria comigo, surpresa, mas agradecida: - “Ah, o cara, meu anjo da guarda, o carinha que deixou a Psico pra entrar pra História!”. Assim me enquadraram quando, alguns anos de formado, consultório claudicante, entrei para o curso de História querendo esquentar um projetinho de mestrado que me levaria a muitos, muitos pontos do campus. A gente conversava papos-cabeça enquanto eu lia seus troncos e membros. Ela achava meu olhar “algo penetrante...” essas conversas sobre Eros e Tânatos, e eu sentia alguma ternura melancólica pela sua libido-algo dispersa- ali distribuída entre os textos pesados para os dezenove da menina e o pão murcho, que pegava por pegar, do jeitinho mesmo como pegava meu membro e enlaçava meu tronco. E nada, nada sabíamos sobre a laranja e o que já significava àquela altura. Tratarei de descascá-la aqui, com um leve arrepio na espinha e muita dificuldade de recordar a fluência com que passeávamos por tantos labirintos simultâneos, com o fio de Ariadne que nos oferecia a nossa condição de “membros”. Proust acreditava que o passado residia nos objetos.
Que a laranja me faça as vezes da Madeleine no chá que trouxe toda a infância do escritor, em Combray. E eu os conduzirei pelas andanças de um outro objeto, por corpos, por lugares e por instâncias vertiginosas entre tânatos e o que tínhamos de Eros.
Ela e eu nos sentamos de frente um para o outro com as pernas abertas ao modo de sempre. Entre as dela, duas sedinhas, uma pro digestivo, outra para envolver um camafeu microscópico preso à argola de um piercing. “O passado (apontei para o pão), o presente (para o baseado) e. o futuro?” Uuuuu...
-Acho que não vai acreditar - falou arrastado - envolvendo a peça insólita com a sedinha e erguendo o polegar esquerdo enfiado até a metade da laranja cuja casca rompeu por cima, sem ferir os gomos. Imagina o que se pode esconder entre estas suculências cítricas, como se cravasse na rocha... e dissolvesse, assim...
Eu perdi a seqüência dos movimentos desviando o olhar para o trote, nada abstrato, das ancas e peitos de Luciana que se aproximava explodindo em sol, transpiração banhada e aromas de cânfora, rangidos de calçados aquáticos e mais a volúpia animada pela convicção de trepar comigo, depois do almoço, como gostava. Era a hora do nosso itinerário pelos recantos preguiçosos do campus pós-prandial, entre laboratórios de Física, abandonados- “Bom, eu já curto endorfinas e coisas parecidas, assim, viagem de pele, sem maldade. O que rola com os de ervas, to trocando por serotonina e toda dopamina da minha lata mesmo, ô caras, sai dessa!”.
“Aceite esta laranja aqui, Luciana, vem, a gente caminha pelo fumódromo e então vai me contando como curte o cara, sem maldade...” Afastaram-se, e eu fiquei vendo quase mudo como uma lentificava a outra, enquanto se dissolvia o enigma da fruta, com um camafeu preso ao piercing metido pelas estranhas. Piercing de língua. A propósito, a Roxane pesquisava línguas nativas de tribos não aculturadas. A tarde passou. Manhã seguinte, depois do intervalo, a notícia corre: morreu de congestão! Comeu carne e foi pra piscina, já era, a gostosona.. Uma tragédia, coisa horrível de ver, enrolou a língua, ficou roxa roxa, ta estendida no lava-pé esperando a enfermaria, mas já foi, todo mundo acha, choradeira, que morte estúpida, coisa besta...as amigas querendo nem ver, a fruta no chão... O frio na espinha veio com minha manobra bem sucedida que, num vacilo dos para-médicos, logrou retirar-lhe o piercing da língua e, mais tarde, arremessá-lo ao lago central do fumódromo, na ala sul. Não me perguntem a razão. É muito cedo ainda. Um impulso, de protegê-la, talvez. Até hoje não sei. Nas semanas seguintes, quando a observava de longe, sentada, catatônica, fitando a pouca profundidade do laguinho, na ala sul, oposta à saída do bandejão, ficava sem pensar. Ela, sem textos nem pretexto; sem pão nem laranja. Parecia encantada. E estava.
E eu estaria assim, até agora, se um varredor que me espiava enquanto eu olhava Roxani espiando o lago, se ele não tivesse comentado que ela deu em cima do Jonas, naquela semana em que o funcionário achara uma jóia no laguinho. “Devia de ser valorosa, pois se a branquela do lago num tava maluquinha, querendo até pagar o menino!” E o cara, perguntei, - ué, pois num sumiu do laboratório, daqui, do mundão? “De primero ele queria avaliar direitinho a coisa, depois voltou pra cá numa sengraceza, falando que devolvia, mas comia ela antes, a moça. Pegaram os dois nuínho na Física, ela enrolava ele com fibra ótica, que ele tava todo marcado. Pois num sumiu objeto... prisma, os avental, umas chave também! E ele também, ué, e ela fica aí olhando pro nada dele”.
Pois agora digo eu- não é que, no dia da laranja estuprada pelo dedão dela enfiado, o normal não teria sido eu ter arrastado a gostosona da Educação Física para o laboratório de Física e, ao modo de sempre, esquadrinhá-la com filetes de fibra ótica! E depois caminharmos, nus sob os jalecos, pelas espirais do Observatório a Olho Nu (às vezes, nem dava tempo de chegar a Lua e outros astros que poderíamos contemplar, luze e lume agora mesmo, Luciana, fosforesce por baixo do tecido branco e arreganha luz no meio do meio da tarde ociosa do campus pisoteando os chapados, as chapadas e as obscuridades todas, chupa agora Luciana, chupa enquanto eu peno as chaves pra despistar esses delitos, chupa a obscuridade de todo conhecer!). Nunca ninguém mais achou o prisma.
Mas... se não acharam nunca mais também o Jonas, quem era eu pra chegar na moça, encantada, e perguntar. Perguntar de quê? Ousaria descobrir como teria reproduzido a minha delirança toda com quem luzia, enquanto ela se enterrava nos próprios gomos a fundo, sem anjo-da-guarda (Ó!) e, agora, tadinha... sem um camafeu?
Uuuuu...

08 novembro 2010

07 novembro 2010

ROTEIRO DO SILÊNCIO (Hilda Hilst 1930 - 2004) - FINAL

ILUSTRAÇÃO - Por Alan Carline



ROTEIRO DO SILÊNCIO ( Hilda Hilst 1930- 2004 ) II

Por Cecília Prada


O que mais surpreende na literatura de Hilda é a sua versatilidade, a capacidade de transitar facilmente entre gêneros tão diversos como a poesia, a ficção, o teatro e a crônica, a constância da linguagem poética neles mantida. O “roteiro de silêncio” que se impusera (título de um livro seu, de 1959), definido pelo crítico Álvaro Alves de Faria como "silêncio estrondoso", em 40 anos de produção poética veste-se de roupagens várias,uma mais rica do que outra. Vai do lirismo introspectivo dos poetas de sua geração – os quais, segundo a crítica Nelly Novaes Coelho,"falaram sobre o não-falar ou sobre a inutilidade da fala" – à dimensão épica com que mede e descreve um Garcia Lorca,

"Companheiro,morto desassombrado, rosácea ensolarada
Quem senão eu te cantará primeiro?" .

E ao mergulho metafísico no ininterrupto e exacerbado diálogo com Deus. Ainda segundo Nelly, Hilda "rompe o círculo mágico do seu próprio eu para lançar-se na voragem do eu-outro, em face do enigma (da existência,da Morte,de Deus, da sexualidade, da finitude, da eternidade...) “.
O primeiro livro de prosa, Fluxo-Floema (1970), marcaria uma virada literária. Convivendo diariamente com os grandes filósofos, de Plotino a Wittgenstein ("o louco deslumbrante",diz), guardando traços de intertextualidade com os últimos textos de Clarice Lispector e com a obra de Guimarães Rosa, Hilda retoma com segurança a trilha da ficção metafísica de um Samuel Beckett e outros escritores difíceis,como James Joyce e Virginia Woolf, Bataille e Kafka. É este o seu momento de maturidade,pois, como diz a crítica Eliane Robert Moraes, "ao confrontar a metafísico do puro e do imaterial com o reino do perecível e do contingente que constitui a vida de todos nós, a escritora excede a sua própria medida e sua prosa ganha inusitada violência poética, sem paralelos na literatura brasileira".
Apesar do retraimento em que viveu, Hilda não era uma "alienada". Pelo contrário,conseguia atuar de maneira bastante concreta sobre a conturbada realidade social do país. As oito peças que escreveu de 1967 a 1969, embora inseridas sempre na sua alta poética, visavam passar de forma mais direta ao público a consciência da injustiça social e da opressão política que enfrentávamos. Dali por diante viria a público de vez em quando para expressar o seu descontentamento com o precário conhecimento de sua obra, usando uma maneira franca,em linguagem sem rebuços nem embuços. No início da década de 1990 criou grande comoção entre a crítica ao anunciar que passaria a escrever "pornografia".O resultado: três livros que classificou como “grotescos” e nos quais conseguiu levar a extremos sua violência poética, "estilhaçar sua medida" e integrar o cósmico e o cômico, o sublime e o ridículo - condição suprema da vida humana.
Daquela vez,Hilda atingiu o grande público. Em Paris e Roma,é claro. As mais importantes editoras,como a Gallimard,lançaram grandes tiragens desses livros. No Brasil, nem tanto, e sua atitude provocou uma saraivada de pedras de colegas escritores. Aos quais Fernando Bonassi, por exemplo, respondia que “quanto mais velha, mais louca e melhor ela ficava”. Hilda conservou até o fim da vida suas características de enfant terible. Viveu de maneira apaixonada e apaixonante com interesse nos dois sexos, teve sua saúde abalada pelo problema constante do alcoolismo e provocava muitas vezes uma feroz indignação pela sua linguagem desabrida – que não hesitava em usar mesmo nas crônicas dominicais que fez, de 1992 a 1995, para o principal jornal de Campinas, o Correio Popular, mais tarde reunidas pela Editora Nankim no volume Cascos & Carícias. Sem respeitar convenções ela mostrava um desejo de aproximação do público mas também o agredia, usando todos seus recursos literários - das citações de seus próprios poemas e textos em prosa e do desinibido display de sua grande erudição, à interpelação direta ao leitor e ao tratamento,em linguagem espontânea e até vulgar,das mazelas sociais e políticas de que é tecido nosso cotidiano.
Como sempre acontece com os grandes escritores que preferem criar sua obra imersos na riqueza da introspecção e afastados das gloríolas sociais, somente agora, após a morte de Hilda, é que a grandeza ímpar de sua linguagem, de seu pensamento, começa a ser devidamente valorizada. Mas a sua Casa do Sol, que deveria contar com dotação responsável que permitisse seu funcionamento como instituição cultural e como digno monumento ao espírito privilegiado da escritora, está abandonada, em ruínas – testemunho do descaso absoluto das políticas culturais oficiais e do egoísmo medíocre de nossos empresários, mais dispostos sempre a patrocinarem eventos sociais e esportivos que permitam exibição plena de logotipos vistosos e polpudos acréscimos de lucro.
Então, vale registrar aqui ao menos uma queixa patética e constante de Hilda, que já dizia:

“Querer deixar um testamento lírico
E escutar (apesar) entre as paredes
Um ruído inquietante de sorrisos
Uma boca de plumas, murmurante.

Nem sempre há de falar-vos um poeta.
E ainda que minha voz não seja ouvida
Um dentre vós, resguardará (por certo)
A criança que foi. Tão confundida.”









06 novembro 2010

PALAVRAS EM CARNE

Livro de Cabeceira, um filme de Peter Greenaway, trata do ato sexual da escrita. A história de uma garota fascinada pelo diário de uma cortesa e pela prática de seu pai de escrever sobre corpos humanos. A arte da caligrafia se amalgama com a arte do sexo em suas mãos. E como sua personagem, o diretor faz o mesmo com seu filme, o transforma em um diário a ser lentamente escrito sobre suas imagens e sobre os corpos que a garota escolhe, além de uma viagem pelas mise-en-scène japonesas.
    
O filme começa com o teatralismo do cinema clássico japonês, logo avançando para sua ocidentalização com cortes rápidos pela história de sua personagem, tudo a partir da montagem de quadros sobre quadros típica do diretor. Como a caligrafia japonesa, como o kanji, expressa significados por imagens, palavras que são imagens, Greenaway usa esses mesmos kanijs para representar os significados em seu filme. Do mesmo jeito que uma cena filmada transmite ação, tanto o pode um ideograma. E como deus que escreve o nome sobre a face de sua criatura, e o fetiche da protagonista do filme de ter seus amantes escreverem sobre si, o diretor escreve sobre seu filme.

03 novembro 2010

ROTEIRO DO SILÊNCIO (Hilda Hilst 1930 - 2004) I

ILUSTRAÇÃO - Por Alan Carline
ROTEIRO DO SILÊNCIO (Hilda Hilst 1930-2004) I

Por Cecília Prada

A moça era loira e linda, de feição bem marcada, bem tratada, "beleza de Ingrid Bergman acrescida da sensualidade de Rita Hayworth", como lembrava o editor Massao Ohno. Risonha, ágil e frágil – no seu casaco de pele. Entrevista em um coquetel, no bar do Museu de Arte, na Bienal, na Faculdade de Direito, numa festa louca, onde quer que fosse – naqueles anos 1950. Guardava tragédias,se murmurava. Tão sozinha,tão filha única, rica. O pai...poeta louco? A mãe...aonde? E ela, cortejada, viajada, amada, moça rebelada contra as estritas normas de comportamento da época e que não escondia suas aventuras amorosas. Muitos anos mais tarde contaria nas entrevistas episódios até com astros de Hollywood, e mesmo uma brevíssima transa com o jovem John Kennedy, de passagem por São Paulo – em uma noite furtiva, no adro da igreja da Casa Verde...Mas já empenhada em outro roteiro existencial que a afastaria para sempre da futilidade de sua jeunesse dorée, mais denso, permanente: o “roteiro do silêncio” sobre o qual construiria toda sua literatura.
Um roteiro de genialidade - que cumpriu em tantas palavras. Esteve presente na cena literária por mais de meio século, e publicou de 1950 a 1999, 42 livros, entre poesia, prosa e teatro. Apesar do volume e da refinada qualidade de sua obra, Hilda Hilst, considerada autora “difícil”, certamente não-popularesca, teve sempre a maior dificuldade em achar editores dispostos a aceitar o desafio de publicá-la. Tanto que até a véspera dos seus 70 anos, apesar do reconhecimento de uma parte dos críticos, de sete prêmios literários, e até da divulgação de sua obra no exterior, ainda se queixava de não ser conhecida do grande público. A grande homenagem que lhe foi prestada em outubro de 1999 com o número 8 dos Cadernos Brasileiros publicados pelo Instituto Moreira Salles, projetou-a finalmente para o proscênio da glória. A partir daquele momento foi redescoberta pelas grandes editoras, seguindo-se uma grande voga de reedições de seus livros, completada em 2001 pelo início da edição de sua Obra Completa pela Globo, sob a direção de Alcir Pécora – projeto que prossegue até hoje. Hilda Hilst faleceu em 4 de fevereiro de 2004.
Um de nossos maiores e mais conscienciosos críticos, Leo Gilson Ribeiro,não hesitava em definir Hilda como "a maior escritora em língua portuguesa", inserida naquela categoria de "náufragos eruditos", a casta dos conhecedores que, à margem de marketings e badalações, vão criando a obra mais duradoura. Indo direto ao ponto, lembrava o crítico que "ninguém extrai auto-ajuda edificante de seus livros”..e que "há mais de 40 anos ela não pára de escrever, ignorada pela chamada `grande crítica´ brasileira, não difundida em Portugal nem em países de língua espanhola da América Latina, nem mesmo na Alemanha, que elevou aos mais altos píncaros de elogios as obras de Guimarães Rosa e de Euclides da Cunha".
Podemos dizer que o fato essencial na biografia de Hilda,o turning point que amarraria toda a sua coerência intelectual/espiritual, deu-se em 1963 – aos 33 anos abandonou para sempre a vida social intensa para retirar-se primeiro para a fazenda São José, em Campinas, propriedade da sua mãe. Pouco mais tarde, em 1966, construiria sua residência própria, a Casa do Sol, no mesmo local, onde passou o resto da vida, totalmente absorta em sua criação literária, com seus livros, seus cães, suas pesquisas de caráter metafísico.
E as visitas, ou temporadas extensas que os muitos amigos e amigas transcorriam na sua propriedade. E amores, que também continuou a tê-los.Inclusive um casamento, em 1968, com o escultor Dante Casarini, desfeito em 1980. Além disso,a casa de Hilda constituiu refúgio durante o tempo da ditadura para amigos perseguidos - como o escritor Caio Fernando Abreu.
Essa inflexão existencial rumo à introspecção e à criação literária foi motivada pela leitura do livro Carta a El Greco, do escritor grego Nikos Katzantzakis, que preconiza o isolamento do mundo como condição para o conhecimento do Ser. No seu retiro Hilda pôde prosseguir a caminhada pelo roteiro que se propusera, imersa nos grandes temas filosóficos da humanidade, aprimorando seus conhecimentos, realizando inclusive experiências de caráter metafísico – tentativas de comunicação com os espíritos dos mortos - que chocaram profundamente o meio intelectual. Mas que, com o avanço havido mundialmente no último quarto de século nesse setor,vêm se validando cada vez mais. Expressava a escritora o desejo de que após a sua morte a Casa do Sol se transformasse em fundação especializada em estudos psíquicos e imortalidade.


{Continua no domingo, 07}

02 novembro 2010

VISITA

No quarto tudo parece que está à sua espera.

Há anos que não mora ali, mas seus objetos moram, suas lembranças e momentos de saudades também.

O encontro entre mãe filha, não escondem confidências e carinhos. Mas dessa vez, mostram novos rumos da matrona, que pretende agora que criou os filhos, cuidar de si. Morar perto do mar, brincar de irresponsável e o que mais imaginar.

Não haverá mais o refúgio de outros tempos.

Renata reflete sobre a demora de acontecer um momento na vida das pessoas de apenas se preocuparem em fazer as coisas como quiserem, é um tempo de demora e delicadeza. Que acompanham pitadas de coragem e hesitação.


01 novembro 2010

NA MOLDURA

Por Guilherme Salla


Na sala da casa
das quatro paredes
pendem treze casas
pintadas.

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Vista de fora,
nada vê quem nela
não mora.

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Não é na sala
nem tão pouco nas paredes
que estão as coisas desta casa,
mas nas tintas da aquarela
que vislumbra o passante,
da calçada, pela janela.




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