31 janeiro 2011

Rascunhos de mim mesmo #4

Por Rafael Noris

no espelho
meu rosto retrata o seu
no espelho
você se retrata

no espelho
no espelho
alguém não te esquece

no espelho
você reaparece...

com olhos murchos e sem nada a dizer...

30 janeiro 2011

Carlos Olhos Opacos


Chegou à porta de casa. Tirou do bolso seu chaveiro cheio de chaves. Nenhuma delas afetava seu cadeado mais difícil. Passou por portões, travas, trancas, correntes, fechaduras; e porta. Entrou. Tinha fome. Algo fácil e rápido de fazer. Macarrão. Suas opções de molho eram: seu molho de chaves imprestáveis, ou um molho de tomate congelado que mantinha na geladeira. Havia também o molho de suas memórias, dores e confusões remoídas, mas, por lhe causar náuseas, essa não era uma boa idéia.

Tomate. Jantou na companhia da TV, mas ignorou o “boa noite” da mocinha do jornal da madrugada. Comeu o de sempre. Tragédias, futebol, chuva no dia seguinte e aquele crítico tonto, que odeia. O programa de entrevistas, às vezes, lhe trazia algum prazer. Seu lado criança sonhava em ser entrevistado um dia. Seu lado adulto já temia o escuro de outra noite não dormida.

Lembrou de dar veneno aos pernilongos e, por uma hora e meia inteira, tentou pregar os olhos durante o filme que passava pela trigésima quarta vez naquele horário. Em vão. Os créditos subiam, quando se rendeu à insônia, levantou, lavou o rosto e foi esperar o Sol nascer.

26 janeiro 2011

CONFRONTO: ÔLHO E SERPENTE - III



A RUA – é o lugar-comum , geográfico e literário, da condição humana – a síntese melhor do que é esta Cidade, a megalópole dita desumana. Ou não: é esta absoluta condensação de humanidade, de vida, fluindo incontrolada dentro de uma artéria , com carga explosiva contínua, ferida enorme aberta , rua que ficou louca, tomou o freio nos dentes , rua que nos olha, de baixo para cima, covarde e nua, rua que olha para este ponto que sou, a observadora do sétimo andar, e cospe sua repelência em mim.
(E no entanto, verifico num espanto – eu a amo).
Eu estou aqui, atenta , interessada, e exausta. É o absoluto silêncio estabelecido – são cinco horas da manhã – que me faz estranhar. Vou até a janela, verifico que as duas boates aí em frente foram fechadas, o luminoso apagado – só a perua do cachorro-quente persiste, foco amortecido de luz, sob a barraca vermelha. De olho espichado, alerta, vertical na calçada o homem pontua a madrugada. Ele lá embaixo , eu aqui. Ele prestes a encerrar seu trabalho, eu prestes a encetar o meu, contraponto/contrapeso somos, do novo ciclo.


No ciclo que se repete, a barulheira infernal, borbotão, veio me despertar novamente do meu sono, perfurando vidraças e cobertas, e as camadas do cerebelo. É como um desespero, uma aflição, a gritaria do prazer lá em baixo, na Augusta - o grito na madrugada, como incomoda, é um estertor da condição humana ensebada de gozo barato - como devem feder a esperma esses antros. De manhã, na realidade crua das dez horas, uma faxineira usa baldes de pinho-sol nas escadas que descem para o salão entrevisto, de cadeiras empilhadas e espelhos de olhar baço. Nas calçadas, exércitos de camisinhas - como vermes pastosos. É preciso olhar para não escorregar. Na esquina da Dona Antonia de Queirós a montanha permanente de sacos negros de lixo - estripados pelos cães que rondam, lambendo calçadas repulsivas.

Condição humana - a minha, nesta idade, e meu olho desperto, ainda, registrando a vida, deste 7º andar de vigília insone.

...e eu, 50 anos mais tarde, ponto condensado que me arrebento, trago comigo estes seres, estes pedaços, estes cheiros sons ruídos, sonhos.... E os sonhos, sim, que fizeram com os sonhos?
Meu sonho era a gravidez desta Cidade – verifico espantada. Desta gente, destas ruas, deste pedaço de vida e de mundo, e de Tempo, que me foi dado viver. Repositório, sou. Fiel depositante, de tanta grandeza, e tanta pequenez, e os miúdos fatos do “nada acontecer’ que se sucediam velozes, tão velozes, eu que impaciente me dizia, no meu verdor, que nada acontecia – este ponto que consigo, por trás de todas estas camadas,sim, detectar ainda, eles lá imobilizados, surpresos ficariam, ficaram, não ficaram?
Ficaram, com a mocinha que foi embora, assombrada, assustada – e que agora voltou para sempre, para catar suas pedrinhas, armar seu cirquinho da memória, arejar velhos trapos e rendas francesas, sacudir o pó das lamparinas extintas - e contar, sim, contar contá-los, contar-nos, paulistana sou, me pertenço. Ainda.

Ponto contingente. Somos um rio e um ponto - eu e a rua. O ponto que sou eu - um olho. O rio de lava acesa lá embaixo é o rio de Heráclito - eu sou o observador, meu destino esse, agora. Porque no final da vida, se não descobrirmos o desenho, morreremos desesperados. As circunstâncias que me trouxeram até aqui - tenho poucos minutos, uma hora, alguns anos de vida, no más. Antagonistas eternos e desiguais. A rua tem vantagem. Ela não pensa, ela só é. Ou eu tenho vantagem - posso pensar e ser? Um ser em manifesta desintegração como eu? Pode ser alguma coisa como “a última luz da estrela moribunda” - posso permitir-me o clichê, a pieguice, neste final.

E descubro - não, não são dois elementos assim, a rua, o olho. Há um terceiro elemento. Descubro. Alguém que nos olha também – o ser do super-olho, terrível, das caixinhas de fósforos marca Olho. Sorrateiro. À espreita. Que sempre esteve e está presente, e estará, depois que eu e tu, e todos nós, e a rua e a cidade, e tudo, tudo o mais, desaparecer.


Vaudeville



Joseph Hart Vaudeville

Joseph Hart Vaudeville – um maridão? sobrancelha torta. Anão sem umbigo. Mulatas. Semi-nuas. Gêmeas xipófagas. Você quer ver?
Renata O´Brien faleceu., Maria Amélia. Bora varrer o chão. Você quer ver? Foi um crime passional? erisipela? o tráfego aéreo? um aneurisma?
Você quer ver mesmo? de verdade? no duro? Vire a página, entonces, Maria Amélia.


Quer? Quer ver o que, Maria Amélia? Sexo explícito? Beleza. Que mais? um romance. Quer é? um romanção bonitão, todo em versiporsa, cheio de anáguas e calçolas.
Só pra você, Maria Amélia.
Banda de cabaré? é evidente. Que mais? Palavras cruzadas. Ação. Chistes Enigmas. Renata O´Brien? Renata Havel? Renata Zuppern? Perversões secretas. Joseph Hart Vaudeville, Joseph Hart Vaudeville, Joseph Hart Vaudeville. Secreções perversas.
Renata hoje, terça, é toda unha e cabelos na sepultura. Quer ver?Quer?
Balas de estalo ai, bandolins de serenata, e ainda a-ten-ção. Abre-te, Sésamo. ui

RECLAME

JOSEPH HART VAUDEVILLE, esposas ai quebra-bengalas. ui. Vergões na bunda dos maridos!


Na terça-feira, dia 08/02/2011 não vá ficar de fora da ficção, do crime, do folhetim e da sem-vergonhice, parceiro.



25 janeiro 2011

Obituário

Por: Bia Pupin

Renata Zuppern, 35 anos, será sepultada nesta terça, 16 horas, no cemitério das Andorinhas. Ela morreu na madrugada deste domingo, no Hospital São Paulo. Deixa uma filha e marido.

24 janeiro 2011

ESTETOSCÓPIO

Por Guilherme Salla


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Oculto,
em mim ausculto
um culto secreto
em meu peito.


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Ps: peço perdão aos diletos leitores, assim como aos meus colegas de Chaleira, pelo atraso na postagem.

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23 janeiro 2011

RINHA - TROVOADAS

FOTO: Por Ale Toresan
Sob a rubrica RINHA, colunistas que, eventualmente abordados por um "bate fio"do colega escritor Antônio Gustavo Filho e que, instados (apetecidos ou esculhambados) a responderem, que o façam. O MARCADOR será RINHA - TROVOADAS, de vez que o exasperado alvo da cantiga de maldizer do Marcelo Finholdt o desafia para um duelo cujo sítio é este mesmo e a data - Domingo, 23 de Janeiro. Vai ser cabo de alta tensão em campo encharcado, neste encharcado Janeiro; granizo chumbo-grosso, numa saraivada de trovas heptassílabas e rimas A-C/B-D como convém à liturgia da coisa. Aviso que não me serei mediador pois hei de cair pra dentro. Degladiemonos ou nos locupletamos todos, que o fervo, aqui - é devir. Às armas, chaleiras, a palavra está na arena!

22 janeiro 2011

EQUIDISTANTES, DISTANTES AQUI


Haverá mesmo igualdade entre as distâncias?

Ilustração e texto: Paola Benevides


Por esses dias li uma reportagem sobre a bem-sucedida cirurgia separatória de gêmeas siamesas e senti alívio por elas, a não ser pela ausência de pernas: sendo uma para cada. Os órgãos ao menos estão proporcionais, podendo mantê-las vivas por um bom tempo. Diferentemente se atingisse os cérebros, pois basta tocar a massa encefálica e ninguém sobrevive. Assim como as ideias. Meta o dedo na ferida do pensamento e se prepare para o choque, é crasso. Creio que essas irmãzinhas, se convivessem mesmo lado a lado, não se suportariam, por tamanhas diferenças e necessidades. Por mais que se sustentassem às custas de um circo fazendo freak shows ou mesmo se valessem da mídia, com sua tara por explorar as bizarrices mais diversas, da mesma maneira elas sofreriam da mútua náusea.

Vamos falar de eutanásia? Se meus eus andam espalhados pela Ásia ou África ou América ou por outros continentes que começam com a letra A, não sei. Latina, geograficamente estou situada no Ceará, você em São Paulo, minha família no Rio (sem desmoronar com as enchentes) e meu vizinho de baixo tomou um elevador-à-jato, descendo até o Japão, descendendo até do Alemão mais abrasileirado de Santa Catarina dos quintos andares dos infernos da pedra da galinha choca, onde Judas perdeu as botas do gato de Alice in chains. Mas um dia ainda virá novo furacão e este deixará o Katrina no chinelo quando, enfim, todos comungarão em paz no País das Maravilhas, de outro mundo, da Lua, no ano de 2012 em diante.

Por essas e outras que o grotesco me atrai, pela atenção que horroriza, por uma forma de beleza que repele. Nem sempre sei lidar comigo nessa ciranda toda, mas tenho a impressão de que se eu fosse uma das crianças xipófogas, proporia brincar de roleta-russa. Vai que eu vivo em paz enquanto a outra descansa. Ou vai que eu mato a outra e acabo também morrendo, afinal, estaríamos ligadas. Seriam duas almas num corpo bipartido? Esquizofrenia do espírito: é disso que o universo é feito. Partidos estão todos os corações, corações ao alto, Hosana nas alturas (Up!) como uma deusa. Vamos avaliar a nossa imperfeição através do labirinto de espelhos quebrados, em cortes profundos, ó céus!, ó Big Bang! Aquelas meninas eram de Sião, tinham os olhos rasgados, além dos corpos em costura, feito bonecas.

A impressão dos pontos cirúrgicos me fazia repensar os pontos cardeais que (des)ligam os homens. Pareciam pontes de safena a atravessar cidades inteiras, com suas tortuosas xenofobias, sotaques, mestiçagens, das cabeças chatas às chatas cabeças. Somos feitos da mesma substância, coabitamos cibernetesias, mas não somos casados. Sejamos unidos e saibamos separar as coisas. As siamesas são um caso à parte só para ter vazão à vida ou visão a tudo isso.

20 janeiro 2011

RINHA DO TONHÃO - PRÉ TROVOADA

FOTO: Por Ale Toresan

Sob a rubrica RINHA, colunistas que, eventualmente abordados por um "bate fio"do colega escritor Antônio Gustavo Filho e que, instados (apetecidos ou esculhambados) a responderem, que o façam. O MARCADOR será RINHA - TROVOADAS, de vez que o exasperado alvo da cantiga de maldizer do Marcelo Finholdt o desafia para um duelo cujo sítio é este mesmo e a data - Domingo, 23 de Janeiro. Vai ser cabo de alta tensão em campo encharcado, neste encharcado Janeiro; granizo chumbo-grosso, numa saraivada de trovas heptassílabas e rimas A-C/B-D como convém à liturgia da coisa. Aviso que não me serei mediador pois hei de cair pra dentro. Degladiemonos ou nos locupletamos todos, que o fervo, aqui - é devir. Às armas, chaleiras, a palavra está na arena!


Soneto de maldizer

 Tonhão Gusta - num esboço de um amigo humano.


(Dedicado – carinhosamente – ao Tonhão Gusta,
mais chato que chinelo de gordo.)

Por Marcelo Finholdt

Desta vez o bisonho inspirou um soneto.
Vem dos matos do sul: fronteiriço insolente,
Porco espinho do mato o cachaço valente,
Desta vez levará no traseiro um espeto!

Desta vez o escabroso encontrou desafeto.
Açougueiro que é nas pelancas encontra
Seu estômago mal, coisas dele: pilantra.
Desta vez palitou entre os dentes dejetos.

Eis Antonio Gustavo um sujeito indecente,
Não tem pai, pois nasceu na pocilga lotada,
Com seu bafo de onça acredita que é gente!

Não se sinta toureiro e nem tente chifradas,
Lave a boca, não fique a espreitar maldizentes,
Ou então leve mesmo outras mil bofetadas!

19 janeiro 2011

CONFRONTO: OLHO E SERPENTE

CONFRONTO: ÔLHO E SERPENTE (II)

Por Cecília Prada


Rua Augusta às várias horas do dia – como os quadros dos impressionistas. Na manhã de inverno enevoada as pessoas que emergem dos prédios, pessoas que vivem sozinhas, de meia-idade, velhos, parecem pacotes de roupas, autômatos deslizando sem ruído nem existência - fantasmas do medo, senhoras com seus casacões antiquados, senhores de boné buscando a padaria ou passeando um amarelecido poodle branco de pelo velhacamente tosado em casa. Tudo tem um ar tão pobre, tão gasto, como se estas sombras de olhar parco e assustado tivessem passado além de toda a imensa, a contínua, a trituradora violência desta rua - passeio de ratos humanos, escasso, tímido, arrastado, fantasmas saídos dos escombros que restaram nesta rua de longes grandezas.
Agora de manhã ainda escura, manhã de inverno - um breve intervalo de silêncio, os inferninhos fechados, o neon apagado. Chego à janela, entreabro a persiana. É o momento em que vejo pelas esquinas uma outra cidade me espiando, a dos defuntos sobrados, dos pequenos portões trabalhados que rangiam tocando uma sineta morosa, do bonde que vinha arrastando sua preguiça nos trilhos, tlém-tlém, das grandes festas de família no casarão de minha avó - ali adiante, onde hoje só existe a ruptura da quadra do estacionamento.
Antes que a neblina, rara agora na cidade toda cimento e precisão – vinte e quatro horas de agressão, consciência contínua – se dissolva, há um momento único de paz. Antes que o trânsito se faça mais pesado, que as velhas lojas levantem a porta de ferro de sua precária segurança, que o trânsito mercurial corra solto, implacável, nas artérias urbanas.
Meio-dia. Desemboca nos restaurantes de quilo a multidão de empregados, bancários, secretárias, recepcionistas, estudantes. O caudaloso rio se comprime pelas margens, os carros estacionados impedem a passagem, as pessoas se esgueiram, se esbarram, todo mundo tem pressa - o vozeirão da sirene da Gazeta empurra todo mundo para os abrigos da fome. Assaltos, atropelamentos, mortes banais. Você olha, a moça linda de calça jeans que atravessou a rua sem olhar está estendida no asfalto - tem direito a seus quinze minutos finais de exposição, a glória que foi seu corpo jaz ali, devassada pelo olhar canalha de office-boys atrasados. As pessoas passam, algumas viram a cara, entram na fila do restaurante.
Às duas horas da tarde os cinemas se abrem, senhoras em grupo entram no hall, se dividem entre a bilheteria, a livraria, vão comer quiche e tomar café enquanto aguardam o início da sessão. A sofisticação enorme da livraria, os títulos estrangeiros, os cartazes. Lá fora, o povo feio e encardido, de dentes rotos.

Outros tipos, presença contínua na rua – as putinhas, de manhã trans-sonadas, tomando café no bar, esqueléticas, mulatinhas de cabelo de arame vestidas sumariamente mesmo com o maior frio. Um preto retinto muito sujo, enrolado em cobertor, de vez em quando ele abre o cobertor como uma capa, parece um vampiro que vai atacar.
A confeitaria (fina) “Beijinho Doce” tenta conservar respeitabilidade e fregueses à custa de muito agrado e de seguranças reforçados. A porta do meu prédio – o porteiro seu José conversando com os tipos da rua. Os moradores do meu prédio – a começar por mim, esta senhora de outros tempos e outros modos. No primeiro andar moram alguns porteiros leões-de-chácara das duas boates aí da frente. (Um deles berraria para a fuga de Bach que ouço às 11 da manhã do domingo, “cala a boca, desliga essa porcaria!”).

...e se o cheiro de acácias mortas de repente te atingir, deixa que aconteça, não te esquives assustada, é a subjacência das camadas que se libertam com a momentânea suspensão do ruído, com a desistência temporária das pessoas, desta Rua Augusta. O cheiro das acácias (mortas) existe, existem as pessoas, as casas de outrora, os fantasmas, esta hora, precária, preciosa, a hora da manhã de domingo, e está ali, ao virar cúmplice da esquina do tempo, aquele portão que rangia na casa da minha avó nas noites de um precário encantamento, depois da reza e antes do sono, suspensos temporariamente os terrores do dia, naqueles anos 40, e aquele pé de jasmim-do-cabo enfeitando de perfumes a noite paulistana de verão.
Ali estarão todos eles, os mortos me olhando, as famílias, uma cidade é um remoer eterno, uma alternância, esfumadas camadas, me digo – e isto é a riqueza urbana.
Só o esmagado, o destruído, assombra.

Só o esmagado, o destruído, o assassinado, o tempo assassinado — ASSOMBRA.

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18 janeiro 2011

LIVRO VI - PORTAL FAHRENHEIT

Posted by Picasa

NOVEMBRO/3001

Novembro / 3001

O prefeito de joelhos
O bispo de olhos vermelhos
E o banqueiro com um milhão…
Chico Buarque de Holanda
Geni e o Zepelim


ESTAS ANOTAÇÕES PODERIAM servir a propósito bem delimita-do. O registro, porém, colhido graças a um desses humanos nada propo-sitivos (com quem estive envolvido de forma delituosa), jazia numa pasta de avulsos que mantenho com desleixo de arqueólogo, hoje, errante e dispersivo. São fragmentárias, avulsas. Se as coloco sobre uma mesma lâmina aqui, não terá sido por razões metodológicas, mas por diversão.

E, se diversão tornou-se palavra-de-ordem nesse presentismo que nos escalda num hedonismo de final de milênio, seria falacioso julgar meu empenho como mero sintoma de milenarismo. Derrocada de valo-res, desorientação generalizada e toda a promiscuidade inaugurada pela era do pós-humano, para além de sintomas típicos, de pré-determi-nações típicas, tornam a diversão, aqui, uma estratégia transgressiva.

Dito isto, fodam-se as categorias científicas de análise, os paradigmas ensebados e presunçosos que teimam em dar conta das representações simbólicas de cavernas e florestas. Habitamos cavernas de silicone trans-lúcido e as florestas não existem mais; então, que eu me ocupe da histó-ria singular de cada árvore que agoniza, sem teorias e fiel à minha própria perspectiva dos seres e coisas que me cerqueiam.

Sei que, de fato, a vida dos humanos não é mais precocemente ceifa-da e a nossa longevidade aumentou, comparativamente. Mas me ocorre que isso se deva à nossa condição de dependência prolongada na pri-meira fase, o que abastece o mercado de cuidados com a infância — à sua mais absoluta revelia —, e mantida pela medicina predatória na ter-ceira, o que desautoriza a nossa mais justificada ânsia de morrer.

Sei também que passo dois terços do meu tempo presumido de vida, quase imune ou refratário às demandas da grande ordem de mercado que configurou o rol das escolhas desde quando viveu minha bisavó-de-genoma. Mas me ocorre que, se percebo assim minha ligação com o consumo, se me percebo agindo no mundo material de um modo meio extemporâneo, isso me custou o preço de uma constante vigília.

Sei, por fim, que choquei as expectativas de meus ascendentes (não gerei descendentes; sei que soa extemporâneo este vocabulário, depois do fim da família nuclear) ao mostrar-me espaçofóbico. Extrapolar a órbita da Terra, nas excursões mais comezinhas no período da tutela educacional,causou-me horror.Optei por fincar raiz no meu quadrante. E tenho relações ambíguas com pós-humanos; outra linha evolutiva.

É um paradoxo desconfortável isso — parecer aos olhos de humanos e pós-humanos, ou ser, por eles, interpretado como produto de uma robótica ao avesso, como um retardado cibernético —, o que explica o meu enquadramento na classe dos Desviantes de Grau II. Fosse de Grau I, teria entrado para o PRP (Programa de Reabilitação Primária), para ser um agente compulsório da doxa estatal de conduta.

Fosse o que enquadram como Terciário, seria perseguido pelos contra-bandistas de órgãos, pelas milícias tribais que habitam o litoral ou, uma vez pego, seria designado para as tropas que trabalham por soldo míni-mo, na função de roteador de DSP (Dispositivos de Segurança Máxima), ou seja, um morto-vivo, sem qualquer pertença ou perspectiva de amparo nem inserção estatutária. Sou um limítrofe social, inominável.

Meu perfil é o de um criminoso em potencial, aos olhos do Estado Mundializado, ou de pária, que pratica delitos na sombra e à margem da delinqüência com alguma pertença institucional, como os mandatários do capital privado ou dos que possuem privilégios de urbanidade na Polis ou na Polícia. Se é que me compreendem agora, resta-me alguma dignidade pessoal; algum estilo, até…

Na esteira desse meu perfil, e com a observação que faço de crianças humanas, de linhagem darwinista clássica (quanto às de linhagem híbri-da, portadoras de aplicativos cibergenéticos, essas me confundem —, focadas demais, nada dispersivas, vacinadas no pós-epidêmico surto mundial de TDAH, Transtorno do Distúrbio de Atenção e Hipera-tividade, síndrome forjada, em parte, nos próprios laboratórios que desenvolveram a vacina), de crianças comuns que escaparam à vigilância sanitária, delas mimetizo o modus vivendi — ocupadas, sempre, com o que seja divertido em si, capturadas, livre e intensamente, num constante estar distraído —, o que lhes torna possível escapar aos condicionamen-tos, tutelados ou subliminares, que as idiotizem e as tornem adestradas; dóceis. Delas tiro meu molde, ocupando-me — distraído.


16 janeiro 2011

MORCEGOS HERBÍVOROS [Estreia da coluna de crônicas por Luciana Martins

MORCEGOS HERBÍVOROS

Por Luciana Martins


Relendo os livros da série “Cantadas Literárias” da extinta Editora Brasiliense, constatei: da geração mimeógrafo “participei” somente no final — reproduzindo textos literários para meus alunos da Ceilândia, recém-formada na profissão de professora.
A poesia ficava mesmo era nos cadernos e cadernetinhas (hoje chamados “moleskines”, nome chique). Eu não tinha coragem de me dizer poeta (ou poetisa — escolham aí). Humildezinha perto de gente com carteirinha já: livro publicado e pose, muita pose. Sendo que eu só conseguia fazer pose sozinha, na frente do espelho do meu guarda-roupa, no quarto de minha adolescência tão curta. Ali, sim, eu tinha um palco.
Era quando eu aproveitava para dançar “Money”, de Pink Floyd, a tarde inteira, fingindo estar numa festa (em que eu quase nunca ia) rodeada de rapazes encantados com meu charme de dançarina.
O certo é que na noite em que fui numa dessas festas, fiquei “de canto”. Eu tinha quatorze anos. Só fora convidada mesmo porque era na casa de duas irmãs amigas minhas de colégio com quem eu tinha muita intimidade, apesar de sermos bem diferentes, sendo elas muito populares entre os rapazes e eu, exatamente o contrário. A amiga que eu convidei para ir comigo (morava na minha quadra e era bastante bonita) logo foi dizendo na entrada: “Vê se não fica no meu pé!” — uma das “melhores amigas”, que tal?
Zanzei a noite inteira com minha feiúra tímida de um lado a outro do salão. Escrachada mesmo consegui ser no colégio de segundo grau (era como se chamava “ensino médio” antigamente, já tendo sido também “científico”, termo que eu preferia). Era uma forma de chamar atenção ( e de esconder minha timidez — até hoje sou assim). Eu entendia tudo o que explicavam os professores, eu fazia todos os cálculos, eu tinha lido todos os livros....
“Este livro de Goethe provocou vários suicídios na época em que foi publicado. Quem aqui leu Wether?” Numa sala de cerca de setenta alunos do colégio OBJETIVO-SP/B, somente eu levantei o braço. Bom, fazer o quê? Era meu único momento de glória. O professor de literatura ficou surpreso, senti que ele estava certo de que ali não havia ninguém lido Goethe.
Pois é. Li Werther (aqui chamado Os sofrimentos do jovem Werther) num único dia de minhas férias em Barra do Corda no mês em que acabara de completar quinze anos. Inclusive eu sabia na ocasião do mito de que o livro matara tantos jovens na Alemanha do século XIX.
Terminei-o no fim da tarde, sentada num banco da praça da Igreja Matriz, bem na hora em que os morcegos saíam em bandos do alto da torre da Igreja, de lá onde ficam os sinos, onde subi uma vez, sentindo louca vertigem, com um medo danado de virar Kim Novak de repente. As escadas eram idênticas às do filme!
Então tocaram os sinos dando seis horas. Morcegos, morcegos a dançar no céu seu balé crepuscular, enquanto eu constatava preocupada: “Ué....não estou com a mínima vontade de me suicidar! Mas não era para estar? O que será que aconteceu?” Penso que eu acreditava mesmo estar sob a atmosfera do “Sturm und drang” romântico do fim do século XVIII e início do XIX.
Mas cadê a vontade de morrer? De me afogar num dos rios? O Mearim, talvez; afinal, o mais escuro e fundo. Onde arrumar um revólver às seis da tarde na Barra do Corda, aos quinze anos de idade, vestida num short e numa camiseta véa, sem nenhum charme de ser dândi?
Burra, burra!Sua burra! — xinguei-me.
É que veio vindo devagarzinho a verdade, finalmente. Foi a verdade que me salvou, apesar de ser terrível e vergonhoso reconhecê-la:
— Tudo isso é porque a tradução não presta, é uma porcaria!
Por outro lado, uff, que alívio, a culpa não era minha.
Era do tradutor medíocre que sequer deve ter traduzido direto da língua de Goethe e Nietzsche. Provavelmente traduzira de segunda mão, afastado três vezes da verdade, segundo interpretaria Platão.
Em suma, fui salva da vergonha por causa da Editora Abril (na época só havia no país aquela tradução de Werther; hoje há pelo menos umas oito). Estava vivinha da silva como aqueles morcegos bailarinos barulhentos.
Que belo fim de tarde!
Fui poupada de morrer como o pobrezinho do Werther, embora possua desde cedo um tanto considerável de sua angústia (tão bem interpretada por Roland Barthes em Fragmentos de um discurso amoroso, um dos livros mais sublinhados que tenho em casa.)
Parece que eu ia falar de poesia-marginal, não era? Fica pra próxima.

14 janeiro 2011

EDITORIAL REITERADO DO BLOGUE COLETIVO DE CHALEIRA

Arriscamos supor: Quem nos visita, além de nós e nossas egóicas extensões, seja também autor; um olho nos textos, outro na carpintaria voltada à blogosfera literária.

Pois bem, escrevemos para o seu insuspeitável terceiro olho. Pouco ocidental, nada acidental. Arriscamos entretecer nossas reputações, nossos inéditos; nossas ilusões estéticas. Sobretudo – arriscamos.

Partimos de uma base consolidada em experiências de produção literária (rodas de leitura, oficinas, curadorias articuladas) que cravou vínculos fortes entre escritores, artistas plásticos, fotógrafos e ferventamos uma matriz de publicação; nada acidental!

Eis aqui a Chaleira virtual, em suporte já testado e querendo vapores de tinta, produzindo peças inspiradas pela aura advinda de nossa matriz comum. Voltada à sua leitura, escritor hipócrita, - nosso semelhante, - nosso irmão.

Por Marco A.de Araújo Bueno

13 janeiro 2011

ANIVERSÁRIO DE CHALEIRA - ano I : PRESENTE: ESTREIA DE ILUSTRADOR


O nosso colunista das Quintas e quintessências (alternadas) faz-nos presente*, também, pela elegância ao conceder o espaço dele ao conto engalanado da Cecília Prada, ilustrado



CONFRONTO: OLHO E SERPENTE

CONFRONTO: ÔLHO E SERPENTE (I)

Por Cecília Prada

“A cidade é redundante: repete-se para fixar alguma coisa na

mente. A memória é redundante : repete os símbolos para que a

cidade comece a existir.”

Ítalo Calvino

Porque hoje é sábado. É noite de sábado - e meu tempo, outro.

A idéia de que somos dois elementos, mais nada. Estamos reduzidos a isto - ela, eu. Uma rua e uma pessoa. Fluência, ela lá embaixo, barulhenta e destruidora – Rua Augusta. E eu, ponto convergente, um olho, neste vão de janela. Neste momento final - terei o quê? Minutos, horas, alguns anos? É tudo fim - só me resta descobrir o desenho. Se houve algum.

A rua insana que corre lá embaixo, estertorante - enorme serpente, vermelha, vermelho rio de lava acesa que escorre dos carros em fila lenta e buzinas escancaradas aos uivos na madrugada impune desta rua do prazer /rua da morte que gargalha todo o seu urbano horror na madrugada.

Eu sou um ôlho. Eis o que sou, me digo. Não sou mais nada. Se sou alguma coisa, sou um ôlho. Que olha por uma fresta da janela do 7º andar a rua lá embaixo. Essa rua. Essa rua particular e insana. É o que me foi dado - meu destino. Vim, pelos trancos e barrancos, parar aqui. Parece que alguém, alguma vassoura me varreu para este apartamento encaixado em um tempo inútil e que não é este - suas sancas, suas portas de vidro trabalhado, floreiras nas janelas, as cortinas rendadas com desenhos de pastoras e príncipes, do tempo da minha mãe. É toda a condensação de um imperativo urbano maldito que me veio tocando, até aqui - esta caixa do tempo, suspensa sete andares acima da rua degradada.

Piercing. Pérfuro-cortante o grito, que interrompe o sono dos assombrados moradores. O grito das putinhas histéricas, o grito dos laçadores vestidos de terno preto e gravata, até de sobretudo, na madrugada fria - caçando fregueses. O grito da briga, do bêbado, do debochado, o carro de som que passa apregoando um rap barato no mundo do vale-tudo.

Eu poderia ter salvo do patrimônio corroído alguma casinha no interior, alguma quitinete em frente à praia, mas não, tive de vir roendo tudo, tudinho - eu roí? me roeram? - às vezes penso. Depois da quebra do Banco, os credores, os primos. Os irmãos. Todos eles. Pelo menos não me tiraram o espaço, eu não abro mão deste espaço. As amigas estranham quando tão raramente vêm jogar, ah, que salão, e o piso em parquê, na sala de jantar os lambris - descascados, em reforma adiada sempre para um mês que vem que nunca vem. E o banheiro, ah, se admiram, ornatos art-déco em roxo batata no ladrilho branco,a banheira, a ferrugem só em alguns pontos, nem se vê, ah, você tem sorte de ter uma banheira, é melhor para relaxar, faz bem para a pele, não é como nesses banheirinhos de hoje...Faz bem para a pele - quem repara na minha pele?

AUGUSTA/angusta – é uma artéria comprimida, angustiada, da cidade. É uma cidade que não cabe mais em si, que explode em feiúra, em violência, em crime. Rua de muito sofrimento. De decadência. De degradação. Sujeira enorme, lixo amontoados nas esquinas, ratos e baratas, moscas, detritos e dejetos, e restos de seres humanos tombados nas portas dos estabelecimentos comerciais, dormindo – ou mortos? – ao sol do meio-dia, pessoas passando por cima deles sem se importarem. Em frente a um armazém estupidamente antigo que vende velas cereais e patéticas latas de goiabada cascão, um pretinho de uns onze anos está emborcado, dormindo o sono da droga - ou do desvalimento. Na mão semi-aberta que se entrega ainda num quase-pedido, alguém colocou uma barra de chocolate.

Na quitinete da praia com direito a pedaço de mar se a gente olhar bem enviesado, seria muito pior - para quê quero mares?

Na casinha de interior com pequeno-jardim-florido...Não, não sou mulher de roseiras. Nasci urbana, metropolitana - aqui morrerei, vomitando desespero por esta janela de um 7º andar.

(Este é um confronto. Me dizem vozes que não sei - que ainda consigo ouvir, varadas, por entre os uivos da noite).Somos dois antagonistas, antigos. Ou eternos. Eu - a Rua. Quem vencerá a batalha? Quem arrastará quem? Estamos, sim, colocadas frente a frente, nesta batalha final que alguém deve ter tramado. Rangemos os dentes, afiamos as garras, eu a olho cá de cima - ela se desdobra, coleante, rubra, sacolejante, cínica, lá embaixo.

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Do livro Faróis estrábicos na noite –Bertrand-Brasil, 2009


11 janeiro 2011

MORDIDA

MORDIDA


Por Bia Pupin


Dar cabo de tudo isso foi necessário; um exorcismo o que viveu. Durante esse período da sua vida, sem critério de tempo, vivendo de sonho, que acaba.
Renata apenas se cansou daquilo tudo. Era necessário embeber, como música que finaliza o prelúdio da desconfiança criada.
Renata apenas voltou a se sentir uma. Foi sua solidão o que a tirou de todos os lugares e a jogou nela.
Ao som de divas cantarolando seus desamores, tão intensos e fatídicos. Morre como efeito de mulher de botequim carioca. Infarto fulminante - as unhas rasgam a pele da mão, depois de súbitos espasmos. Sozinha na cama.
Assim como se morre amor rompido. Sem nada que se possa fazer. Talvez um gole da garrafa de Rip Van Winkle fosse suficiente para apenas desaparecer.
Como música que desafina, mulher como todas as outras, assim como é porque é. Vivendo o futuro de todos, mas pra ela passado enterrado.
A porta trancada e o cigarro queimando conferem o tom dramático. A feia mordida no lábio sangra a morte amarga.

09 janeiro 2011

EXPLANAÇÂO SOBRE O RELÓGIO SOLAR e JANEIRO

II ENCONTRO DE CHALEIRA - PALHINHA-PALHETA

Por Marco A. de Araújo Bueno

Concluindo,sob os auspícios do estressado engenheiro Nelson, a jovem esposa dele e um portentoso tripé de Jus, rolou sim o II Encontro De Chaleira sob truvas e chovoadas e...frio, em pleno Janeiro, no Sábado 8, anterior ao Domingo sem a Janeiro. Recorte emblemático: Contro convocou Noel, Chico (o compositor...)e especiarias; Salla invocou 'atravessamentos' às margens do Orinoco resgatado pelo Tápia.Noris e eu agasalhados pelas epifanias e nocauteados por estranhas nostalgias pontilhadas da pro prosódia dos Montes Urais,oferecíamos suporte "brincativo".O Büher, inachável por tornados e a Bia, por vagas neblinas - outro tripé com um Finholdt pagão rugira de Cruzes, do Norte.Algum 'bolo', decerto transmudou tudo-tudo em literatura inserta. E ainda que privássemos e fumássemos à vontade, paparazzi espocavam, oficiosa e solenemente. Congraçanento, plenitude rara e conforto afetivo-intelectual graçaram, contudo. Deliberaremos sobre veiculação das imagens, tendo em perspectiva o aurático do Encontro - deleuziano por excelência; epicurista por vocação, na intermitência dos grilos. A princípio foi o verbo, sobre cujo infinitivo, ninguém ousaria...deliberar.A cinco dias do Ano I do coletivo; há dois do dia da Epifania.


FOTO - Por Celso Meneses


08 janeiro 2011

Retweets on Twitter: RT

@ Coca-cola maluca. RT @ Pau de sebo de carneiro. RT @: Creme para pentear macaco. RT @ Giz de cera depilatória.

@ Mal-me-quer contigo. RT @ Pé de atleta de cristo. RT @ Lua-de-mel Karo. RT @ Apontador de lápis-lazúli.

@ Espírito santo do pau oco. RT @ Cantar de crista de galo RT @: Pular amarelinha japonesa. RT @ Bem-te-vi na balada.


@ Game Over There. RT @ Pelo andar da carruagem de fogo. RT @ Gargalo de garrafa boliche. RT @ Missa do Galo de briga.




06 janeiro 2011

TROVAS À MORTE !


(avec tristesse)
Por Marcelo Finholdt

Mote
Venha! Morte e esfregue o manto:
Nesta face feito o vento,
Em meu corpo nada santo,
Venha com o céu cinzento!

Glosa
Venha! Morte e esfregue o manto!
Deixe ao cheiro do jasmim
Eu ouvir sua voz, seu canto,
Ecoando bem em mim!

Venha e esfregue o manto agora
Nesta face feito o vento!
Eu prefiro nesta hora,
Neste instante, sem momento.

Venha! Morte e esfregue tanto:
Embriague-se em sentidos,
Em meu corpo nada santo,
Meus cabelos, pés e ouvidos.

Morte! Arraste o manto e venha:
Imponente no advento,
Deixe os outros co’a resenha,
Venha com o céu cinzento!

04 janeiro 2011


SUS-EPIFANIAS - l

Por Marco A. de Araújo Bueno

- Primeiro, examiná-la. Se a clínica falhar, então far-se-á Diagnóstico por Imagens.

- O doutor não é agnóstico? Se a Clínica farseá, só resta rezá. Tenho imagem de S. Brás!

[Microconto bifrásico de 30 palavras]


03 janeiro 2011

RASCUNHOS DE MIM MESMO - #2 e #3

Por Rafael Noris



RASCUNHOS DE MIM MESMO #02

Toda partida deixa um coração partido
Todo partido é cego e cego de amor
Espero um novo parto de mim mesmo.
Estou preso num útero já rompido.

********************************

RASCUNHOS DE MIM MESMO #03

Eu sei onde você está,
mas não sei o que pensa.
Por isso estou perdido,
por isso nem sei mais o que pensar...

02 janeiro 2011

LITERATURA E PSICODRAMA II

LITERATURA E PSICODRAMA II –
AS PERSONAGENS

POR Luiz Contro

Outra vertente que podemos explorar, quando pensamos nas interlocuções entre Literatura e Psicodrama, diz respeito às imagens vindas da própria Literatura e que espelham faces psicodramáticas significativas. Destaquemos algumas.
Comecemos por frase de um autor ao relatar vivência decorrente do seu fazer: “Poder-se-á dizer que, letra a letra, livro a livro, tenho vindo a implantar no homem que fui as personagens que criei” (José Saramago). A frase de Saramago permite verificar que a criação de personagens, dos quais o Psicodrama se utiliza, deve muito à arte literária. O próprio teatro(outro reduto de pedras preciosas a servir o método psicodramático), muitas vezes, como o cinema, colhe do manancial literário ao adaptar estórias anteriormente escritas.
Não derivo deste argumento uma hierarquia de importância. Apenas constato e realço haver esta similaridade que pode, talvez, ser potencializada. Afinal, o princípio literário a que se referiu Saramago, se assim podemos dizer, tem parentesco estreito com um dos que habitam o tronco do Psicodrama: conhecer nossos íntimos, e ao mesmo tempo coletivos, enredos, agregando novas alternativas, via as personagens por meio dos quais se improvisa no exercício criativo.
Como decorrência, algumas questões se colocam. Parece-me que alargar o conhecimento que se tem das produções literárias pode trazer ao psicodramatista uma visibilidade maior de sua área de manejo. Algumas personagens, não por acaso, em fenômeno similar ao que descrevi na coluna anterior em relação a textos, tornaram-se clássicas. Quantos Super-Heróis, quantos Édipos, quantos Patinhos Feios, quantos Sísifos, quantos Narcisos, quantas vítimas e algozes já habitaram as produções psicodramáticas? Creio que quanto mais deles o psicodramatista souber, no âmbito da Literatura, um pouco mais iluminados estarão os labirintos percorridos. Isso não em função de estabelecermos categorias classificatórias, mas para aumentar o número de inserções pelas quais se pode pesquisar. O psicodramatista Sérgio Perazzo em “Perséfone e o mendigo”(1999), ao fazer analogias com a mitologia grega e Alfredo Naffah Neto em “O psico-socio-drama da Pietá”(1980), ao realizar um paralelo da imagem produzida em cena com a escultura de Michelangelo, já nos sinalizaram sobre os ganhos obtidos ao relacionarem personagens frutos da produção psicodramática com, no caso, a mitologia e a escultura.
Por outro lado, como psicodramatista em experimentos que tenho desenvolvido com colegas poetas e contistas, identificamos o quanto a produção de personagens e enredos, via o Psicodrama, pode se constituir em rico material para a criação literária. A conferir em postagens posteriores.

01 janeiro 2011

ORGASMO AUDIOVISUAL

Bem-vindo a 2011 e a estréia de um novo programa sobre cinema: o Orgasmo Audiovisual. Uma série online de vídeos que além de dar indicações sobre alguns bons filmes, fará uma busca das importantes questões da humanidade retratadas pelas imagens em movimento. Nosso contato com o mundo exterior se dá principalmente pelas imagens. Nosso mundo não é feito de objetos, pois não podemos realmente alcançar com nossos sentidos a verdadeira natureza das coisas exteriores a nós. Nosso mundo é na verdade feito de imagens, imagens que podemos notar, pois nos movemos ao redor delas. É um mundo que então em nada se diferencia do retratado em uma tela de cinema, com a única diferença que enquanto no dia a dia, somos parcialmente os diretores das imagens às quais observamos, ou seja, escolhemos aquilo nos interessa enxergar a partir da nossa bagagem cultural, no escuro de uma sala de cinema, entregamos a direção a um outro, que com a sua câmera escolherá em que devemos nos interessar. Claro, a interpretação final ainda será nossa, mas o foco a ser interpretado está nas mãos de quem produziu a imagem. E é através dessas escolhas tomadas por certos diretores que partirá a analise de uma série de questões retratadas no meio audiovisual. 


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