31 julho 2011

FELIZ ANIVERSÁRIO, VELHA!

Feliz Aniversário, velha!


Por Luana Makcain



– Você está atrasada! – disse minha mãe do vão da porta do meu quarto.

– Pera um pouco! – respondi, terminando de pregar uns grampos no cabelo.

Ir para aniversário de criança já é um ó, imagine passar a noite mais horripilante do ano envolta de crianças. Preciso confessar que sou fã do Jason, e em todo o Halloween eu me fantasio dele – isso não é fashion? Aaaaaah! \o/

– Eu não vou esperar mais, Luana! – a voz estridente da minha mãe me despertou para a realidade.

Eu me virei pra minha velha, e…

– Eu… já… vou…

– Por que a cara de quem viu um fantasma, Luana?

Terrificada, trêmula, apontei o dedo para trás dela e no mesmo minuto um líquido quente começou a escorrer pelos meus joelhos. Minha velha então se virou e só o que conseguiu fazer foi soltar um grito.

O chão se uniu às asas ensanguentadas de um anjo.



30 julho 2011

PRIMEIRO CONCURSO DE POEMAS INDRISO DE CHALEIRA

FOTO - Por Ju Ramasini






POEMAS GANHADORES:

1º - CIRCUMAMBULATIO, de Jorge Xerxes;

2º - A OUTRA MONTANHA, de João Elias Antunes de Oliveira e

3º - NO TEU CORPO, de Antonio Rodrigues Belon.

MENÇÕES HONROSAS:



ARS POÉTICA - Por Rogério Luz ;

CABIDELA HUMANA - Por Geraldo Trombin.

PRIMEIRO JURADO : Vitor Queiroz - Colunista do De Chaleira - FOLHETHIN;

SEGUNDO JURADO : Marco A. de Araújo Bueno - Coordenador (SGI) do De Chaleira - BREVIDADES, INTERPOLARIZANDO, ENTORNO DE CHALEIRA

OBSERVAÇÃO:

O 1º lugar - Circumambulatio, de Jorge Xerxes – será publicado publicado no livro de indrisos editado a ser estabelecido por Isidro Iturat (Poeta que concebeu a modalidade), que, apesar da pré-condição de 'inétitos' à antologia, autorizou a publicação do poema vencedor no De Chaleira.

Circumambulatio

gárgula de ímpetos imanentes
o mais astuto dos segréis calar-se-ia
ante um torvelino de queixas tão obtusas

mas acolhe: afaga-lhes as faces rombudas
abre-lhes as palmas feridas de pedras
para que delas abandonem sorridentes flores

os embates não nutrem pérolas em ostras

é a síntese a erigir-lhes sentido.

Autor: Jorge Xerxes é natural de São João da Boa Vista, SP. Mantém o sítio www.jorgexerxes.wordpress.com - "Palavras Órfãs de Poesia: O que Restou". Publicou "As Cinquenta Primeiras Criaturas", Livro de Contos e Poesias, 150 pp, Editora Multifoco, (2010).

2° Lugar

A OUTRA MONTANHA de João Elias Antunes de Oliveira

Menino apascentando cabras na montanha.
O tempo badala no pescoço.
A longa vara indica a superação da sede.

O cajado ampara o medo.
Duas bocas compreendem o sol da manhã.
Apascenta os sonhos.

A montanha projetava seus ecos no vazio.

Menino apascentando seu rebanho de pedras na montanha.

Elias Antunes é professor, servidor público e escritor, publicou vários livros.


3º Lugar
.
NO TEU CORPO

Arquitetura!
Arquibundura!
Arquimedes

Não me deu
(eureca)
Nem o grito nem o achado.

Teus seios...

Teus quadris.


Professor de Literatura Brasileira aposentado na UFMS - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Atua no Programa de Pós-Graduação, Mestrado em Letras, do campus de Três Lagoas, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e realiza estágio pós-doutoral e outras atividades no Programa de Pós-Graduação em Literatura na UNB – Universidade de Brasília.


MENÇOES HONROSAS

ARS POÉTICA, de Rogerio Luz

Nada saber não é um privilégio
da pedra ou do animal: o pensamento
se perde na palavra, nos intentos.

Nada pensar entre paixão e tédio
nada dizer acerca da montanha –
toda palavra dita soa estranha.

Emudecer a voz – tristonha ou álacre.

Vocábulos de júbilo dos pássaros.



Rogerio Luz (Rio de Janeiro, 1936) é professor aposentado da ECO-UFRJ. Poeta, ensaísta e artista plástico, publicou diversos artigos e livros na área de estética, psicanálise e crítica de arte. Tem três livros de poesia: Diverso entre contrários. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2004, Correio Sentimental. S.Paulo: Giz Editorial, 2006, e Escritas. Goiânia: Editora UFG, Coleção Vertentes, 2011.


CABIDELA HUMANA, de Geraldo Trombin


Meu sangue avinagrado já está fervendo na panela.
Minhas partes – cabeça, pescoço, pés, asas criativas sem adejo –
Todas decepadas, prontas para serem refogadas.

O coração prestes a ser afogado na sua hemoliquidez;
O fígado embebido na sua lânguida embriaguez.
Sinto-me miúdo.

Sinto-me aos pedaços.

Prato a ser devorado.

Geraldo Trombin é publicitário, membro do "Espaço Literário Nelly Rocha Galassi" – de Americana/SP (desde 2004) e da CL (Concursos Literários)
Lançou em 1981 "Transparecer a Escuridão", produção independente de poesias e crônicas, e em 2010 "Só Concursados - diVersos poemas, crônicas e contos premiados". Com mais de 190 classificações conquistadas em inúmeros concursos realizados em várias partes do país, tem trabalhos editados em mais de 70 publicações.

O De Chaleira e blogues parceiros nesta iniciativa pioneira (a modalidade Indriso foi concebida há apenas dez anos, na Espanha, por Isidro Idurat) saúdam a participação e inventividade de todos os 108 inscritos neste concurso. Agradece também o estofo dos abalizados comentários do colunista Vitor Queiroz, a que se deve a criteriosa orientação que pautou o julgamento das peças.

27 julho 2011

DE GUDE

DE GUDE

Por Álvaro Posselt


O netinho tem uma coleção de bolinhas. Tem buricão, carambola, acinho, chazinha e leitosa.
Agora apareceu com uma tal de caolhinha.
Fez sucesso no jogo de búrico até a mãe descobrir onde foi parar o olho de vidro do avô.


26 julho 2011

JOSEPH HART VAUDEVILLE - 11


Já parei aqui também. Popará, Maria Amélia. Já parei já, não vou mais negar fogo não, hum? e vosmecê, foi atrás da glote dos molares da garganta, foi?

Foi atrás do folhetim, abriu a página pra ver se as letrinhas pipocavam no êrmo? acreditou nas promessas de Jeová? Fez das tripas coração e das madeixas e calcanhares quelequés enredos romanescos, foi? [ .............. 14pt. ]

Foi mal, Maria Amélia. Boralá [ ............................................... 47pt. ] hoje.



NOS CAPÍTULOS ANTERIORES um pé d´água carcomeu as rodas trôpegas das carroças. Boatos botas fofocas armações de lona parafusetas e rebimbocas cordas puxadas bigodes torcidos.

Aí o Sr. Joseph Hart, o rei do circo do Missouri ao Novo México, tava pê da vida. O anão Aldrich e um negão pianista tramavam, pérfidos, cavilações fabulosas.



Maria Amélia, veja aí a cara do anão [ ....... 7pt. ] esse traste presta ou não presta?



Léguas tiranas – os saltimbancos arrancharam num posto.

Bia O ´Brien Hart e Renata Havel entoaram uma ária di bravura e o mistério ficou escondido pela obviedade: Bia e Renata são(é) uma(s) mesma(s) mulher(es) casada(s) avec o temível Sr. Joseph!


Capítulo XVIII

O PRINCÍPIO DO FIM


... esse traste presta ou não presta? eis a vingança do pianista e do anão. Mãos negras abriram o velho caixote minutos antes do toque de caixa, as cortinas já vão abrir.

O anão ria, uma baforada e outra do charuto, e na caixa de couro surrado, bem na boca da caixa os traidores viram o...


Capítulo XIX

BRIGA DE CASAL

ou

YOU GO BACK TO HER AND I GO FLASH TO BACK


– Pera aí, Valtinho, o que é que tá pegando? O Vaudeville já vai apresentar? mas os palhaços não estavam no posto de gasolina? Não to entendendo mais nada.

– Popará, Maria Amélia. Rolou “Intervalo Comercial” no folhetim, não rolou?

– ...

– Bom, no quando, entretanto a rosa rodou e o enredão, o curto-circuito de variedades, a baixaria, o fio da tramóia do novelê ganhou foi velocidade, Maria Amélia. Bora rumar tudo pro povão agora.

– Valtinho, cê fumou aqueles zigarros relazantes inzígenas de novo, foi?

– Já parei de usar essas vírgula, Maria Amélia, relaze. Entonces, nessas três semana aconteceu a fábula aos bocados no gogó da glória.

É o seguinte: a trupe de Joseph Hart terminou de secar os trastes, arrumaram todas as carroças, o frentista levou uma baita gorjeta e o circo trotou lépido e fagueiro.

– Na marcha dos burros espicaçados, Valtinho?

– Óbvio, ululante. Aí foi voltou anda sete léguas menos duas vezes quatro virou mexeu chegaram na cidade na boquinha da madrugada.

O engolidor de espadas tocou o bumbo para acordar o vilarejo?

– Pois é, e pipoca algodão doce vedetes sem umbigo na beira do tablado um macaco no alto de uma jaula no alto de uma carroça no alto de uma máquina esquisita escondida pela serragem.

– Jesusmariajosé!, não acredito...

– Pois é, já parei já, não vou mais negar fogo não, hum? e o espetáculo vai começar, Maria Amélia, finalmente, minha nêga – agora Winehouse voltou ao pó. Abanque-se!



NÃO PERCA! NA TERÇA-FEIRA, 9 DE AGOSTO, MÊS DO VOCATIVO E DO APOSTO, O SHOW, ATÉ QUE ENFIM, O SHOW. NA BOQUINHA DA MADRUGADA.

JÁ VIU? O CIRCO CHEGOU TARDE, MAS TIROU DA CAMA O POVO TODO.

O QUE HÁ ATRÁS DAS CORTINAS? QUE MISTÉRIOS HÃO NA CAIXA DO PIANISTA DA GEÓRGIA E DO ANÃO? VOCÊ NÃO PERDE POR ESPERAR...


Nota Grafológica

[ .... 4pt. ] e quetais = Pausas, my dear. Espere 4 segundinhos, tome um gole de café e volte à página.




24 julho 2011

LOBANTUNIENSES I

FOTO - Ju Ramasini

LOBANTUNIENSES I Exercícios de decalque
Tenho antônio no nome também
(o Lobo, agudo; o meu, – circunspecto)
Perdi um carro com selo distintivo belíssimo
(Wolfland)
Suponho aludir ao Território do lobo, e não tenho Antunes no nome, nem antagonismos muito ao contrário, então apraz-me esparramar meu texto como ele faz ao simbiotizar-se com os dele.
Aqui é para contar como brotou duma artéria viária preferencial que atravessei
em perfumado crepúsculo e tomei tremenda porrada lateral , uma moça
O carro era um Logus e calhou que eu não tivesse razão neste sinistro.
Veio a jejuna motorista Carolina e porrou a lateral do carro. Assustei-me, no prenuncio de uma sina revisitada
(é que a parva tomou o breque pelo acelerador)
Faz vinte e três anos, um ancião acompanhado da esposa velhinha cometeu o mesmo desatino de motricidade e porrou um Fiat 147 que eu guiava. Era um velhote turrão que errou igual à jejuna
(que se fazia acompanhar pelo filinho atado ao banco traseiro)
Cicatrizes, cacos de vidro purulência incrustados no rosto, pálpebras. Mais tarde, dada a lei da gravidade e minhas pesadas leituras fiz-me operar das pálpebras empapuçadas
(Pitose, o nome da intervenção cirúrgica que uma médica oriental cometeu)
Deu-se que minhas pálpebras não se fecham a contento seja para dormir seja para banhar-me
- Perdeste o automóvel ?
Sim, perda total e outras perdas de autonomia.
Mais tarde ainda logrei instalar-se em mim uma prótese.
(Acetábu-lo- assim literalizo a grafia do nome do osso cujo o fêmur dardejava)
No quadril: Titânio por fora e cerâmica na concavidade. Cerâmica na bolota do fêmur convexo; conjunto não-cimentado que hoje cuido pra que não quebre, que não me dê nuanças de perda total
(PT; salvação)
O primeiro Logus naufragou nos vales, Valinhos do Adoniran;
O segundo foi porrado na travessa José Lins do Rego.
Acudi a ambos!
A seguradora acudiu-me o carro.
E hoje lendo o quarto livro de crônicas do António Lobo deslizo-me, biônico, com meu andador e sonho com voltar a pedalar pelos vales e jogar futebol
(a evitar caminhos com o nome de grandes escritores)
Pois sim.

23 julho 2011

ULCERAÇÃO

Tumblr_loc0tkzpws1qhojwpo1_500_large

Lugar de dor no cotovelo é mais assim pela boca do estômago.
Âmago em pelo, por tantas vezes, pode ter um gosto amargo.
Mas vou vomitar o quanto penso que amo: só amar é calmo.
Na verdade, é por quem me apaixono que ardo, inflo, inflamo.
Ulceração eterna de viver, sofrer na idealização do ser errado.
À espera pelo encontro do olhar trazendo todas as respostas.
Trago as mãos postas abaixo do peito feito um lívido cadáver.


22 julho 2011

EXCOLHA

Ce n'est pas une chaise (DIVÃ)


Por Felipe Modenese


Seria esta vasculatura dilatada de seus olhos os traumas de um esforço em crer?
Os hematomas de uma luta desigual entre o grito raivoso de revolta que arde e o arsenal de acomodamentos ideológicos morais, religiosos, consumistas e perniciosos?
Inundam o dia-a-dia deste ser urbanóide e cimentocrata, lagarta sob o teto da metrópole.
Ou o pó de ontem?
Dali. Do balcão do boteco para intumescer seu espírito arredio de toda a serotonina de que dispõe. Receptores bloqueados e as moléculas mágicas preenchendo o nada por si inventado.

O espelho teima em rasgar na sua consciência as trincas de sangue no branco dos olhos. O movimento errático atinge a íris e some na auréola de coloração. Mas deixa seu rastro, suas pistas de autocomiseração.
Crer na recompensa de um trabalho bem feito, na honestidade, no exemplo, no altruísmo, na arte, na porra da voz do povo? Que povo?... Confiar na leitura? Na cultura? Encantamento? Elevação? Pufffff...
Suas tripas severas contorcem-se a cada minúsculo desvio de seus ideais lapidados pela história e desconstruídos a cada passo de calçadas.

Serão trincas de um homem prestes a nascer? Por si só. Sem expectativas demagógicas, niilismo, servidão. Humano e não mais?
Recém-nascido, imune a ideologias por tê-las todas amargurado.
Nem a pau!
Nem fodendo!
E foda-se!

Sorri forçosamente. Acerta a mordida de sua placa ortodôntica de correção mandibular e deita ao lado da parceira...

Olheiras de um roxo agourento quebrantadas. Rachadas. Partidas.
Criar. Romper os desígnios do tempo e informar o mundo de sua individualidade. Sua apenas.
Romper os traços de uma sociedade altamente robusta e eficaz.
Não ser o mesmo. Não mais. Nem que isso custe.
Ousadia.
Nunca mais parir os dejetos de uma lógica ultrajante.Criar.
Inédito como cada pôr-do-sol. Único como estrelas escolhidas pela noite. Na pele ríspida da noite rebentar o isolamento fértil e cômodo.

Anda pelos auspícios, pelo relento da noite jamais e deposita suas mãos no jardim. Toca as gravuras e nota o irretocável dos relevos.
Experimenta simplicidade no toque do olhar do outro. Desmascara a robustez da cidade e sente a pluma da cidade.
Rasga seus papéis.
Agora um jovem entusiasta das idéias vazias. Vislumbra sua alma. Remoe palavras. Em pó mesmo.
Como areia. Mora nesta areia de praia: a placidez da água.
Nasce para sempre e para o nunca mais.

- Eu quero este!

Escolhera o MP3 player de maior memória. Companheiro novo. A cidade muda.
A surdez rompe as teias de significados e deixa ileso o caminhar; a máquina do mundo, calada. Sente os ecos do além nas asas de sua rotina infernal. Abrandam o dia e rememora o momento em que está. É e não mais.
Lúcido


20 julho 2011

BRIGANDO COM FEBO

BRIGANDO COM FEBO

Por Cecília Prada

Sabe Febo?

É, aquele mesmo da mitologia, o descabelado de cabelos de ouro, cavalo de ouro, carro de ouro, sei lá, dos outros tempos...pensando bem, esse jovem importuno e persistente que está aí bem à minha frente deve ser pelo menos o trineto do outro, o de Homero, o que namorava a Aurora de dedos cor-de-rosa recém manicurados, estão lembrados?

Pois é - mas não há dúvida, o rapaz manteve bem até hoje a tradição da empresa familiar, o cartel da iluminação. O descarado jovem vem todas as manhãs arrastar o tal carro de ouro bem defronte da janela da minha sala, só para atrapalhar a crônica que escrevo, provando sua arrogância de machinho contra a pobre Telinha do computador - deixando-a aterrorizada, inteiramente pálida, desmaiada e imprestável, a pobre mocinha.

Às seis e meia, sete horas, é até engraçadinho, balbuciante bebê comendo sua papinha matinal toda rosada, ali por detrás daquele bosque. Depois, começam os chutes, vai reivindicando todo o céu para ele - coitada da Mãe Lua, foi escorraçada e murchou, achou melhor se recolher para dormir e preservar energias, já que lhe cabe o pesado turno noturno da fábrica de luz.

Tento em vão escorraçá-lo, invoco - neste fajuto inverno subtropical! - entes mais delicados, aquelas cultas senhoras nuvens de meia-idade, de vestido gris perle , que me venham lembrar manhãs de garoa de minha infância paulistana e me falar de Proust. Que esperança! O metaleiro já está todo se pavoneando, cuspindo fogo, secando minha inspiração - a tela esbranquiçada do computador obriga-me ao confronto desconfortável com uma senhora de óculos que tenta pescar letras e com elas, pretensiosa! resolver alguns enigmas do universo. Ou pelo menos compor um poema - uma crônica, que seja.

Ah, mas espera só um pouco, para ver...(tenho meus segredos!) Eis um pequeno momento de anistia, na nossa batalha : cavalheiro, o prédio ao lado se mostra suficientemente alto para encobrir o moleque, corra , dona, acabe logo o que tem para escrever, "ele" tem de dar a volta aí por trás, leva meia-hora o danadinho, a senhora sabe...Sei.Tec-tec, taque-taque, meu tecladinho, corre ligeiro que o Bicho Papão já vai voltar - aproveita esta brecha, a vitória (temporária) da inteligência sobre a natureza?

E a meia-hora já vai escoando, Febo-o Jovem já deu um chute na extremidade do prédio mostrando o pesão dourado, não acabei a crônica, o universo, a literatura, ficou tudo pela metade, e agora tenho de abandonar a Telinha por umas duas horas...e minha crônica inacabada, ó Cara, vê se te manca e tira esse teu lumiar cretino de cima de mim, vai andando, vai, ô...

A sorte é que depois do almoço nem preciso tomar conhecimento dele - vai torrar os miolos dos vizinhos da outra metade do prédio. É a minha vez de chutar Febinho para lá, que fique, que vá ser assim malcriado com quem aguentar. E que eu acabe esta crônica, céus!

- Se você comprar uma dessas cortinas blackout não resolve?

- Mas daí sobre o quê eu vou escrever quando estiver sem inspiração?


18 julho 2011

ALPINISMO EM JULHO

Por Guilherme Salla


Uma montanha
tem três cores
doze vezes
ao dia.

Em um dia,
numa manhã,
o sol escala
trinta e seis cores.

A altura,
o comprimento do raio,
a temperatura
mais alta no alto,
do que embaixo.

Trinta e seis cores
e doze graus.


.

16 julho 2011

OS HOMENS QUE NÃO AMAVAM AS MULHERES


Os Homens que Não Amavam as Mulheres, A Menina que Brincava com Fogo e A Rainha do Castelo de Ar são uma trilogia de livros de detetive escritas pelo jornalista sueco Stieg Larsson. O começo de uma saga de dez livros, deixada inacabada por sua morte duas semanas depois de ter entregue os três primeiros para seu editor. Todos já adaptados para o cinema na Suécia e já com uma versão americana sendo produzida. Conta a história do jornalista Mikael Blomkvist, editor da revista Millenium, especializada em jornalismo investigativo, desmascarando crimes do governo e de grandes corporações. Uma publicação em compasse com sua versão na realidade: a Expo, editada pelo próprio Stieg Larsson, e dedicada a investigar organizações com tendências fascistas e nazistas operando na Suécia. E a história de Lisbeth Salander, uma hacker, especialista em investigar pessoas, uma garota abusada pelo sistema e pelos homens que trabalham nele, baseada na garota que aos 15 anos de idade, Larsson testemunhou sendo estuprada por uma gangue. O ponto de maior destaque em toda a saga não é em si os casos investigados por Blomkvist e Salander, mas a construção de ambos os personagens, sua determinação por lutar contra o que consideram errado, contra forças acostumadas com o poder. Outro destaque, mais aparente nos livros que nos filmes, é o conhecimento político e econômico de Stieg Larsson, que esmiúça em meio a sua narrativa vastos detalhes do presente e passado de corrupção, conspiração e assassinatos no poder sueco. É interessante em comparação a realidade de crimes e corrupção brasileira, ver o outro lado da moeda, a realidade que exporta as armas que consumimos, e importa nossas escravas sexuais. 

14 julho 2011

CANTIGA DE AMIGO


Por Marcelo Finholdt

Flores novas, muita cor:
Plantei, encharquei d’amor
Num mar de inconstantes ondas.

Flores novas, muita dor:
Plantei, encharquei por pôr
Num mar de inconstantes ondas.
  
Mia senhor as enviei
Quanto então as despejei
Num mar de inconstantes ondas.

Mia senhor as entreguei
Quanto então as replantei
Num mar de inconstantes ondas.

13 julho 2011

O AVARENTO

O AVARENTO

Por Alvaro Posselt

Detesto dever para alguém, mais ainda para um avarento. O vendedor de coxinhas ia toda tarde na firma. Fiquei devendo dois reais a ele.
Morreu. No velório, O filho da mãe de olhos abertos me secando.
Agora não devo mais nada. Peguei duas moedonas e pus nas vistas dele.


{D'A Brisa é Você' -antologia}

10 julho 2011

FÓSSEIS

Por: Talita Oliveira

Toda a dor guarda
o prazer nos olhos do outro
toda a felicidade
confia as lágrimas nas mãos
do futuro guardadas

Os fósseis de sonhos amamentam a bile
e agarramos o bote
antes de zarpar o inexorável navio inexistente

o que amamos
somos
vemos
a implacável procura

Entre estilhaços e espaços
areia e tempo nos perdemos
etereos e separados
expiramos

09 julho 2011

VESTÍGIOS SOZINHOS DE UMA SEXTA

Tumblr_lndl7wzded1qbyciro1_500_large
Crônica de Paola Benevides

Atrasei-me para a sessão das cinco no cinema. O trânsito me forçou a espera pela próxima exibição, não por acaso. Até que o filme começasse, pude assistir ao ocaso da calçada, ver gente abstrata entre os carros passando, movimentos fora da tela, em 2D a olhos desnudos. Não resisti à solidão por tanto tempo e quis compartilhar esse momento com um amigo. Peguei o telefone, conversa ligeira, percebendo que deveria ficar mesmo a sós comigo, deixando encontros para outra ocasião. Tinha toda a sexta-feira para mim, afinal! Para refazer-me como há muito não fazia...

Meu ser começou a estabelecer contato mais profundo através de um sonho, no qual minha mãe desencarnava e eu vislumbrava a silhueta alaranjada de um Buda sentado em posição de lótus envolta numa bola de luz branca, elevando-se até não poder mais alcançá-la com a vista. Ficou só a sensação no peito. Despertei chorosa, meio angustiada. Havia me permitido dormir até mais tarde, após uma semana repleta de trabalhos. Além de um painel com colagens e pinturas em uma parede inteira de biblioteca daqui. Ninguém em casa, preparei meu almoço instantâneo, enquanto baixava mais um episódio da série The Big C, que tenho acompanhado com bastante inspiração. Trata-se de uma tragicomédia envolvendo uma mulher diagnosticada com melanoma, fato que a força viver sua vida adulta da forma mais intensa possível, entretanto, deixa de revelar seu estado terminal à família.

Assim, passei minha tarde esfuziante, correndo para um ônibus que demorou mais que devia. Tanto, que resolvi me recostar numa grade da parada, recém-pintada de branco, e sujei minha bolsa de branco. Fui assim mesmo, desafrescurada. Nessa de me encostar, sem querer telefonei outra vez para aquele amigo citado no início. O teclado não estava travado e com meu peso, acionou a tecla de discagem rápida. Ele me retornou dizendo que eu era freak mesmo, por ter ficado calada do outro lado. Pensou que eu tivesse posto o som de uma serra elétrica para ele ouvir. Era a avenida, em obras. 

Enfim, ao chegar, comprei meu ingresso para as sete da noite e fui errar pelo Centro Cultural. Por lá, as mesas vermelhas de um bar me convidaram a um chope solitário. Como complemento, pedi uma porção de bolinhas de camarão e me pus a registrar parte desses pensamentos em guardanapos bem finos, a tinda azul da caneta transparecendo no verso. Libertadora a brisa vinda do mar de Iracema bem no meu rosto, balouçando as coloridas bandeirinhas de festa junina ainda a enfeitar os caminhos daquele lugar. No chão, uma gata preta me observava enquanto tomava banho na minha frente. Resolvi esticar as pernas sobre uma cadeira, adotando um quê daquele ar felino desprendido de tudo. Vejo um homem de chapéu coco e bengala ao longe, sentado no banco da praça próxima, a maquiar-se de Carlitos meio gordo, ar cansado. Ao meu lado, passa outro palhaço cantando alto, figura bem menos melancólica, para meu desagrado, e que me irritaria profundamente caso me abordasse para de tecer alguma piada com sua voz tiriricada. Alívio. Eu parecia invisível ante quem eu rezava para não encontrar. Mas bastou isso, para que uma moça passasse com seu zoadento grupo de amigos turistas a falar a mesma palavra que eu grafava naquela hora: rezava-rezava. Surreal! Contudo, meu sossego se desfazia com o transcorrer das horas, o movimento dos que iriam curtir o fim de semana só aumentava, já a paciência minava.

Soou o alarme interno para eu partir ao cinema, paguei a conta e adentrei o hall da sala. Cavuquei alguns jornais lá dispostos e, como o tempo era curto para ler o caderno de artes, meu favorito, surrupiei uma página sutilmente, enfiando na bolsa. Era algo sobre ser escritor, coluna de João Ubaldo Ribeiro. Blá-blá-blás. Gente tirando foto com flash antes de rodarem a película. Pronto. Luzes apagadas, ufa! Assisti Meia-noite em Paris com toda a graça do mundo, viajando na pele do Gil, protagonista, quando este se encontrava com o Hemingway, os Fitzgerald, o Cole Porter, o Dalí... Quanto ao resto, não atacarei mais de Spoiler até aqui, deixando a todos minha recomendação apaixonada por este maravilhoso feito de Woody Allen. Voltei para casa sob uma chuva danada, viva viva e morrendo de felicidade. Agora é hora de dormir, dar um rolé pela França enfronhada e ver o que me aguarda, ao acordar.


06 julho 2011

O MUNDO VISTO ATRAVÉS DO PRISMA DE UM LUSTRE

O MUNDO VISTO ATRAVÉS DO PRISMA DE UM LUSTRE

Por Cecília Prada

Hoje preciso escrever sobre minha padroeira, Cecília Meireles, para lembrar que neste ano ela faria 110 anos (1901-1964). Que bela mulher, que bela escritora - que belo espírito. Consagrada dos dois lados do Atlântico desde os anos 1930 - no Brasil e em Portugal, reconhecida como "um dos maiores expoentes da poesia lírica em língua portuguesa".

No trabalho profissional como no círculo íntimo dos amigos e da família, foi uma pessoa querida, serena. Mas não que a vida lhe tivesse sido fácil. Pelo contrário, foi marcada sempre pela tragédia - ela não conheceu o pai, morto aos 26 anos, três meses antes do seu nascimento. Aos três anos perdeu também a mãe. Foi acolhida e criada pela única parenta que tinha, a avó materna Jacinta Garcia Benevides, senhora culta, de origem açoriana, que lhe "cantava rimances e ensinava parlendas"- assim embalada na tradição galáico-portuguesa desde o berço, fundamentava-se no seu espírito a música essencial da poesia lírica que seria seu principal instrumento.

Na idade adulta, sofreu duas perdas terríveis - a dessa avó, e a do seu primeiro marido, o artista plástico português Fernando Correia Dias, que se suicidou , devido a uma profunda depressão, em 1935 - deixando Cecília com três filhas pequenas. Reconheceria a poeta que a intimidade precoce com a morte lhe permitira "aprender docemente essas relações entre o Eterrno e o Efêmero que, para outros, constituem aprendizagem dolorosa e, por vezes, cheia de violência". O tema da fugacidade da vida, o barroco ubi sunt de conteúdo melancólico, quevedesco, é dominante em sua obra, fazendo-a ver o mundo, a princípio, como "...vaga e inábil aparência,/ que se perde nas lápides escritas, / sem qualquer consistência ou consequência".

Guardava, porém, no seu íntimo, como tesouro, lembranças multicoloridas de uma infância que apesar de tudo lhe parecera "mágica", e da qual diria, em uma entrevista a Manchete :“Tudo quanto naquele tempo vi, ouvi, toquei, senti, perdura em mim com uma intensidade poética inextinguível....céus estrelados, tempestades, chuva nas flores, frutas maduras, casas fechadas, estátuas, negros, aleijados, bichos, suínos, realejos, cores de tapete, bacia de anil, nervuras de tábuas, vidros de remédio, o limo dos tanques, a noite em cima das árvores, o mundo visto através de um prisma de lustre....”

E com esse tesouro soube plasmar em tarefa constante, permanente, seu mundo encantado da poesia - no qual era possível transcender o sofrimento, as circunstâncias penosas, por meio de uma expressão personalizada, uma filosofia própria feita de grande espiritualidade, embora sem ligação religiosa, na busca pelo eterno do ser e da arte. Contando seu esforço em Tempo Viajado: "Dos meus retratos rasgados/ me levanto./ E acho-me toda em pedaços/ e assim mesmo vou cantando", ou "Quando o tempo em seu abraço / quebra meu corpo e tem pena,/ quanto mais me despedaço/ mais fico inteira e serena". Até chegar a se definir plenamente: "Eu canto porque o instante existe / e a minha vida está completa./ Não sou nem alegre nem triste: /sou poeta."

Seu poder introspectivo não a levava, porém, ao fechamento para a realidade social do país, e do mundo. Pelo contrário, seu trabalho como educadora , como jornalista, levou-a a viagens não somente a países da América e da Europa, mas a lugares distantes - Índia, Goa , Israel - em um amplo esforço de difusão cultural e intercâmbio literário, que lhe valeu até ser honrada com títulos de universidades estrangeiras. Tanto ela como o marido estabeleceram também uma ponte entre o mundo literário português e o brasileiro e desempenharam um importante papel na acolhida em solo pátrio a intelectuais perseguidos pela ditadura salazarista. Depois da morte de Fernando, e tendo cinco anos depois reconstituído sua família casando-se com um professor universitário, Heitor Grillo, Cecília foi ao mesmo tempo responsável pela difusão em Portugal dos escritores modernistas brasileiros e por fazer conhecer no Brasil os expoentes literários portugueses - a começar por Fernando Pessoa. Sua antologia Poetas novos de Portugal , publicada no Rio de Janeiro em 1944, foi obra capital, nesse sentido.

O Romanceiro da Inconfidência, de 1953 - uma de suas últimas obras - é a apoteose da poesia social , de origem histórica. No dizer de outro poeta, Murilo Mendes, "um livro que tem cabeça, tronco e pés, e que, posto a andar, sustenta sua rigorosa unidade", uma "obra de alta importância para as letras brasileiras" .

Cecília Meireles, nascida no dia 7 de novembro de 1901 na cidade do Rio de Janeiro, ali também faleceu, no dia 9 de novembro de 1964, rodeada do carinho dos seus. E nos deixou uma grande lição de vida, de talento bem aproveitado, cumprindo o que se propunha como missão, “acordar a criatura humana dessa espécie de sonambulismo, e mostrar-lhe a vida em profundidade”. Ela queria que, nos seus livros todos vissem “que não são mais do que o desenrolar natural de uma vida encantada com todas as coisas, e mergulhada em solidão e silêncio, tanto quanto possível”.


05 julho 2011

TREVISITANDO UM CONTO SCI-FI [CONJURANDO FANTASIAS]

“Nonsensal”


Tudo muito ligeiro, da emboscada ardilosa, fisgada por uma premonição, ao momento de perceber o quanto estava desorientado. Indisposto, sobretudo; não apenas fisicamente, mas pela horripilante constatação do grau de indisponibilidade... a si próprio. Mais ainda – pela sua indiferença baça àquela condição limite. A forma como se dirigiam a ele trazia embutida nos gestos estereotipados uma espécie de repulsa polida, de gentileza protocolar que não escondia o clima de apreensão. Era grave, disso sabiam. Alardeava-se essa gravidade na razão inversa do silêncio em torno. Estava só.
O celular que, implantado faz tempo no dente vinte e sete, fora desabilitado - não emitia sinais auditivos. O campo colocado entre o queixo e o tronco não lhe permitia qualquer inferência sobre a natureza da intervenção que seu corpo sofria, sofrera ou estava em vias de receber. Aparelhagem que o cercava, revestida pelas prudências de uma presumível assepsia, não lhe dizia nada. Nada lhe dizia nada. Não estava sedado, no entanto, nem mergulhado em estado crepuscular de consciência – ele saberia – mas reduzido, inexoravelmente, à indisponibilidade àquilo que o significasse.
Muito rápida e impessoal minha primeira interação verbal com alguém (que aparecera na mesma premonição), de gênero indefinido, semblante inacessível pelo rigor com que se paramentava para colher meu histórico, nada mais vago...
“-Bem-vindo ao Casulo, Senhor...?
“-Senhor... Bom começo! Senhor quem e em que circunstâncias, pode me dizer?
“-O quadro parece evoluir para Dissociação Episódica Inespecífica. Até breve!”
Perplexo, só lhe ocorria que a tampa de seu crânio fora serrada e o cérebro, exposto, prestava-se à monitoração da reatividade de algumas estruturas. Mas, com que propósito, experimental (de quê?) ou terapêutico (para quê?)... Vacuidade; um tanto faz.
Encarava as coisas do cérebro, no entanto, sem perplexidades. A dor (que eu não sentia, pois, no cérebro não há dor, nem luz), o sentido do tempo (este que se mantinha preservado, até por saber que, o que quer que estivesse acontecendo consigo, a premonição já lhe narrara...) eram parte de um festival particular de discretos aminoácidos, de cujas peripécias era um mero coadjuvante, nada iluminista. Torpor, nenhum, exceto o nome do artista de quem recordo alguns cartuns de humor e a fala de um personagem: “Que direito tem meu cérebro de se chamar de eu?”, perdida no tempo.
Então lhe apresentaram num plasma que se descortinou, do nada, diante de meus olhos, um retângulo, no interior do qual, uma frase e um diagrama, também retangular, com um signo dentro, pareciam dispostos a mensurar ou aferir algo de si: “CONFESSA QUE PRETENDE”, lia, e olhava o signo sem nenhum sentido ao lado. E, fosse lá o que fosse, trazia alguma atração nova àquele festival neuroquímico, com suas substâncias bailando a deriva, à revelia de qualquer evento externo que lhes exigissem algum alvará e se assenhoreasse do meu tempo narrativo, até então, todinho de seu cérebro-música só.
“-Alô! Quanto tempo passou desde que estive fora daqui até agora e este teste?”
“-Exijo meus direitos de paciente desta porra! Ou os direitos dele, de cobaia, é!”
“-Meu tarefário está em dia, impostos idem! Cárcere privado? Ditadura cyber!
Por mais que eu berrasse não lhe retiravam o bizarro teste do plasma nem o próprio plasma de seu campo visual. “Premonitar está proibido pelas neurociências?”, brincou, tentando divertir-se com aquela bizarrice toda, para além do risco de, sei lá...
Se ainda tinha o tempo subjetivo como soberano daquela narrativa pueril, este começava a lhe doer no estômago; sentia o nervo vago. O paciente-cobaia precisava agir e gritei-“Não tenho pretensão de ser confessional!” Até porque cerceada a tensão: Ser-se!


02 julho 2011

X-MEN: ORIGEM - SOBRE DEUSES, MESSIAS E SANTOS

 
Humanos são programados a acreditar em mitologias compostas de diversas figuras, signos, a atenderem suas necessidades psicológicas. Alguns amam Jesus, outros Maomé, outros Luke Skywalker, outros Ronald McDonalds, ou quem sabe uma figura do governo, como o Lula, ou o Obama. Temos os heróis, os vilões, as mocinhas, os escapes cômicos, e tudo é absorvido confortavelmente por nossas psiques devido o processo de evolução de nossos cérebros mamíferos. E todas essas mitologias foram confeccionadas intencionalmente para suprir essas necessidades e nos entregar a uma visão virtual do mundo, seja por romanos, ou comerciantes árabes, ou George Lucas com a ajuda de Joseph Campbell, ou cozinheiros da California, ou banqueiros. Eu, por minha vez, amo a Vampira dos X-Men, quero dar medo como o Wolverine, ter a facilidade e espírito livre do Noturno, e a inteligência do Fera. X-Men é a minha mitologia. E assistindo X-Men Origem (X-Men First Class), tenho a mesma experiência que outros indivíduos teriam com A Paixão de Cristo, ou Thor.

O filme certamente é o melhor da franquia até agora, realmente passa a existência de um mundo com mutantes, como nem o primeiro ou o segundo conseguiram (o terceiro considero apócrifo). A relação entre o Professor Xavier e o Magneto realmente nos leva a indagar qual o melhor caminho, se seguir com a humanidade, ou se estabelecer fora dela, de sua decadência vergonhosa. Temos também nesse filme a primeira mulher bem escrita na série, a Mística. Em oposição a Rainha Branca, tão mal escrita quanto a Jean, a Tempestade e a própria Mística foram nos outros filmes, sem sal, sem personalidade, sem motivo de existir. O vilão também se destaca, com Kevin Bacon numa ótima performance. Só sofrendo como nos outros filmes de nanismo em sua organização, com personagens mudos, e sem a capacidade de contratar capangas. Sério, se não querem ler as histórias de origem, vão ver Batman, os vilão tem capangas, eles não precisam fazer tudo, de tentar dominar o mundo, a servir drinks e pilotar barcos. No lado dos X-Men, todos os personagens são bem apresentados, com suas personalidades e poderes. Claro que ainda temos o estranho caso, que parece extremamente intencional em alguns filme hollywoodianos como em Last Airbinder, de termos o único negro do grupo morrer, e a única hispânica se tornar uma vilã. É assim evidente. O fim também aparenta ter sido extremamente apressado, ainda mais considerando que toda uma nova trilogia foi planejada. Quebrando a união entre os protagonistas por demais cedo. Porém, nada disso tira o mérito da experiência do filme e do desenvolvimento da história. Mesmo não tendo ainda os santos que sigo. E falando sobre isso, o que eles fizeram com o Noturno no segundo filme? Uma pessoa escreveu ele como um católico fervoroso nos quadrinhos, uma pessoa e só, todo o resto sempre o retratou como o mulherengo alegre, que tinha casos até com mulheres de outras dimensões, e é essa primeira que eles escolhem para o filme.

01 julho 2011

FORMIGAMENTOS

FORMIGAMENTOS

Por Felipe Modenese

Narcisista em idéias. Imunodeficiente em angústias. Uma lagarta de sebos e bibliotecas. Ensaia a dominação da natureza enquanto bombas no seu peito vêem-se ritmadas pelo descompasso do espírito invadido.

Tal qual uma aldeia doutrinada por sacerdotes seculares, confiante na tradição de tantas gerações, enraizada na história, no arsenal de ideologias, Lurdes é aterrorizada. Qualquer sopro rasga um desequilíbrio em seu corpo suspenso sobre o fio da navalha.

A mesma navalha que demarca o ser do alheio e que raspa a animalidade da face dos hominídeos com polegares opositores.

Mastiga sonetos com seu aparelho bucal triturador. Sorve extratos azedos da civilização urbana e cospe na multidão sem nome do seu bairro. Confiante em seus conhecimentos de porcelana, segue.

Enquanto mergulha o dedo indicador na cuia de urucum e grava as rochas de suas impressões do mundo, Lurdes é açoitada pelos bafos da sua finitude.

Constrói. Manipula. Dedilha. Impulsionada pelo pulsante vazio do peito. Cozinha. Corta legumes. Salga a carne. Frita. Molda o barro sua imagem complementar - sendo, inclusive, o tudo, o complemento do nada. Costura. Pinta. Borda na malha a insígnia de sua paixão. Cestos e balaios de capim ouro. Prole. Gesta no bambu uma escultura de carne e (f)osso:

É parido do quarto colmo do bambu mais viçoso, na lua cheia do mês mais cruel. Chora sua placenta lenhosa, salta, pula e toca.

Qualquer sombra de angustia amaldiçoa a mão negra de Pixinguinha ao bolso vertical no peito. Mete o punho na caixa e rumina com dedos o batimento descompassado. Espreme o músculo cardíaco enquanto escorre a seiva da cultura pela barriga e chão.

Pixinga. Pixinguinha.

Idéias e angústias imersas no formigamento do espaço-tempo.

Choro.


Related Posts with Thumbnails