Crônica de Paola Benevides
Atrasei-me para a sessão das cinco no cinema. O trânsito me forçou a espera pela próxima exibição, não por acaso. Até que o filme começasse, pude assistir ao ocaso da calçada, ver gente abstrata entre os carros passando, movimentos fora da tela, em 2D a olhos desnudos. Não resisti à solidão por tanto tempo e quis compartilhar esse momento com um amigo. Peguei o telefone, conversa ligeira, percebendo que deveria ficar mesmo a sós comigo, deixando encontros para outra ocasião. Tinha toda a sexta-feira para mim, afinal! Para refazer-me como há muito não fazia...
Meu ser começou a estabelecer contato mais profundo através de um sonho, no qual minha mãe desencarnava e eu vislumbrava a silhueta alaranjada de um Buda sentado em posição de lótus envolta numa bola de luz branca, elevando-se até não poder mais alcançá-la com a vista. Ficou só a sensação no peito. Despertei chorosa, meio angustiada. Havia me permitido dormir até mais tarde, após uma semana repleta de trabalhos. Além de um painel com colagens e pinturas em uma parede inteira de biblioteca daqui. Ninguém em casa, preparei meu almoço instantâneo, enquanto baixava mais um episódio da série The Big C, que tenho acompanhado com bastante inspiração. Trata-se de uma tragicomédia envolvendo uma mulher diagnosticada com melanoma, fato que a força viver sua vida adulta da forma mais intensa possível, entretanto, deixa de revelar seu estado terminal à família.
Assim, passei minha tarde esfuziante, correndo para um ônibus que demorou mais que devia. Tanto, que resolvi me recostar numa grade da parada, recém-pintada de branco, e sujei minha bolsa de branco. Fui assim mesmo, desafrescurada. Nessa de me encostar, sem querer telefonei outra vez para aquele amigo citado no início. O teclado não estava travado e com meu peso, acionou a tecla de discagem rápida. Ele me retornou dizendo que eu era freak mesmo, por ter ficado calada do outro lado. Pensou que eu tivesse posto o som de uma serra elétrica para ele ouvir. Era a avenida, em obras.
Enfim, ao chegar, comprei meu ingresso para as sete da noite e fui errar pelo Centro Cultural. Por lá, as mesas vermelhas de um bar me convidaram a um chope solitário. Como complemento, pedi uma porção de bolinhas de camarão e me pus a registrar parte desses pensamentos em guardanapos bem finos, a tinda azul da caneta transparecendo no verso. Libertadora a brisa vinda do mar de Iracema bem no meu rosto, balouçando as coloridas bandeirinhas de festa junina ainda a enfeitar os caminhos daquele lugar. No chão, uma gata preta me observava enquanto tomava banho na minha frente. Resolvi esticar as pernas sobre uma cadeira, adotando um quê daquele ar felino desprendido de tudo. Vejo um homem de chapéu coco e bengala ao longe, sentado no banco da praça próxima, a maquiar-se de Carlitos meio gordo, ar cansado. Ao meu lado, passa outro palhaço cantando alto, figura bem menos melancólica, para meu desagrado, e que me irritaria profundamente caso me abordasse para de tecer alguma piada com sua voz tiriricada. Alívio. Eu parecia invisível ante quem eu rezava para não encontrar. Mas bastou isso, para que uma moça passasse com seu zoadento grupo de amigos turistas a falar a mesma palavra que eu grafava naquela hora: rezava-rezava. Surreal! Contudo, meu sossego se desfazia com o transcorrer das horas, o movimento dos que iriam curtir o fim de semana só aumentava, já a paciência minava.
Soou o alarme interno para eu partir ao cinema, paguei a conta e adentrei o hall da sala. Cavuquei alguns jornais lá dispostos e, como o tempo era curto para ler o caderno de artes, meu favorito, surrupiei uma página sutilmente, enfiando na bolsa. Era algo sobre ser escritor, coluna de João Ubaldo Ribeiro. Blá-blá-blás. Gente tirando foto com flash antes de rodarem a película. Pronto. Luzes apagadas, ufa! Assisti Meia-noite em Paris com toda a graça do mundo, viajando na pele do Gil, protagonista, quando este se encontrava com o Hemingway, os Fitzgerald, o Cole Porter, o Dalí... Quanto ao resto, não atacarei mais de Spoiler até aqui, deixando a todos minha recomendação apaixonada por este maravilhoso feito de Woody Allen. Voltei para casa sob uma chuva danada, viva viva e morrendo de felicidade. Agora é hora de dormir, dar um rolé pela França enfronhada e ver o que me aguarda, ao acordar.
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