28 fevereiro 2010

FRAGMENTÁLIA IV - DROPS TEÓRICOS + Mcs+ILUSTRAÇÂO

FRAGMENTO TEÓRICO III
Por Marco A. de Araújo Bueno

"...Microcontos, minicontos, paira sobre a extensão/nomenclatura de narrativas do gênero (e a própria questão de afirmar que se trata de um gênero será, aqui, pouco importante, em que pese o fato de Graça Paulino, em livro didático de 2001, abrir um capítulo para o “miniconto” enquanto gênero) alguma dispersão teórica, seria o emblemático conto monterrosiano, de fato e de direito, o mais curto? Há que se considerar, a propósito, a pouca literatura teórica a respeito, rarefação que torna fundamental, neste ponto, o livro “Microrrelato”, de 2003, em que David Lagmanovich enfatiza, optando por “microrrelato” (não o seria para nós, brasileiros, para cuja palavra reservamos entendimento algo científico, de “relatório”, p.ex.) ou “microconto” (tal como denomino minhas “tessituras” e considero as que virei a citar nesse contexto), a importância da propriedade que uma narrativa deveria ter, que, segundo ele, a tornaria legível, plena e satisfatoriamente, em si mesma, diferentemente do fragmento, da máxima, da anedota ou alusão. Importa que seja curta e que haja narratividade nela, tal como a esclarecerei cotejando estudos pioneiros no Brasil, como a dissertação de mestrado de Marcelo Spalding na UFRGS, neste ano de 2008. Formas breves aparentadas de efusão lírica, de capturas contemplativas da natureza observável (no caso dos haicais), deduções sob forma de sentenças (tais como surgem no romantismo alemão do final do século XIX, com os filosofemas de Schlegel [“Toda prosa é poética”] e Novalis [“Tudo deve ser poético”]), aforísticas, etc., posto não passarem pelo crivo da narratividade, por razões que porei em relevo, não serão contempladas enquanto Microcontos, minicontos etc., etc.

***

NOTA IMPORTANTE SOBRE MICROCONTOS – Mcs :

El microcuento poseería características estructurales propias, según el ensayo de David Lagmanovich “Hacia una teoría del microrrelato hispanoamericano”:

“El microrrelato no puede entenderse sino dentro de un proceso de evolución del género 'cuento' que, como ya dije, para nuestra literatura comienza en el Modernismo. Esto no quiere decir que cuentos y microcuentos sean la misma cosa. Surgen como parte del impulso creador de nuestros escritores; pero, mientras que el cuento es ya una forma establecida desde el siglo XIX y tiene, como diría Horacio Quiroga, su propia retórica, el microrrelato va encontrando la suya a medida que sus autores prueban diversas vías de enfoque. Las minificciones son parte del continuo narrativo, que contiene también ciclos novelísticos, novelas individuales, nouvelles y cuentos: pero —repito— no son la misma cosa cuentos y microcuentos, de la misma manera que la novela y la nouvelle (como lo advirtió Goethe en sus conversaciones con Eckermann) tampoco son la misma cosa.” (Lagmanovich.1996:23).

***

“Patrulhas & Matilhas”
Por Marco A. de Araújo Bueno

Novalis apareceu-me em sonho-"'Crime e Castigo'- vociferava, extemporâneo - voa!"

[Mc monofrásico de dez palavras que fecha o recorte dos trinta com que ilustro o condensado teórico, cujos fragmentos tenho publicado nesta coluna. A referência é absolutamente intratextual em relação à tese de doutorado 'Brevidade e Epifania na Micronarrativa Contemporânea';Unicamp-2008. Vide considerações estéticas sobre Novalis na coluna do Luciano Garçez desta sexta última, dia 26]

***
Por Rafael Noris




O cheiro de sopa no velho caído: ninguém sentiu.


***

A Parte II da BIBLIOTECA DE BREVIDADES ficará para a FRAGMENTÁLIA V; até o próximo domingo!

27 fevereiro 2010

BRAVURA INDÔMITA

...da série "Gênero por Ofício"

Muitos não vêem a semelhança, mas qualquer ambiente comercial que assim se preze tem ares de faroeste. Seja uma pessoa parada num recanto qualquer olhando por sobre a sobrancelha com ares de argumentação, prevendo um crime a mais, uma mosca que zumbi contra o vento, poses de figurantes que adentram turrões o estabelecimento como quem procura briga. Talvez seja a necessidade ressentida e bem escondida de viver um bang-bang. Ou se a descrição lhe remeteu mais a uma cena atual da crise econômica, o faroeste nunca esteve tão pulsante.
Sob essa mise-en-scène padece o atendente, que tem por função aguardar o acerto de contas da vida como o balconista que, lustrando a prata e conferindo o troco, escondia as peças valiosas de uma iminente luta. Nesse corpo-a-corpo com o destino, nem se sabe direito se é melhor ficar largado às moscas ou se se espera do próximo intruso qualquer bravura pro estopim da discussão, animando assim o ambiente.
Na falta do musicista ao cravo, dedilhando um tema e as moças de fartos decotes ensaiando rubras um can can fora de moda, ficamos na espera, olhando ao longe, o horizonte cheio de possibilidades cinematográficas e o forasteiro que, na falta de melhor coisa, brada logo:
- Chegou alguma coisa nova, hein?
Prostrado rente e justo ao que se chama assim, quase sem notar, parede de lançamentos, o consumidor ávido por novidade – assim como nosso amigo balconista – procura o contentamento efêmero de sua ausência de sentido pra rotina, nas entrelinhas de um filme acéfalo. Um, o visitante, espera ali encontrar razão na sua falta de; o dois, o sisudo por detrás do balcão almeja uma guerra para encerrar de vez com seu tédio latente. Ambos, cada um à sua singela maneira, querem, por sobra ou falta ou nada, briga.
São nas palavras tensas e a presença da sobrancelha arqueada que se deduz o embate.
- Você já viu esse? – Já. – E esse? – Já. – E esse aqui? – Já, também. – E esse? – Ahan.
- Porra! Mas você já viu tudo? (pensa mudo e resignado, o mero indicador).
No calor da luta, o atendente duro na queda permanece na insistência dos títulos até encontrar o pior, aquele que ninguém assistiu (muito menos ele) – Esse é ótimo. A luta cessa caso, por ventura, o limbo dos filmes desprezíveis permitir, a não ser que, pego do salto, o desprezível for seu rival que até aquela película mal formulada já passeou no seu player.
No final das contas, no momento que a porta bate e a respiração volta ao normal, nenhum dos dois foi agraciado com os louros de vencedor. O embate agrada a ambos, um ficou mais teimoso, o outro mais burro. Quanto a isso, não se pode fazer nada. É a moral, pelo bem ou pelo mal, de qualquer faroeste.

24 fevereiro 2010

MAIS DE 1400 VISITAS!

Olhem a cara de feliz do Marco ao saber deste montão de visitas.


Ah, neste último mês: 1400 visitas de 500 visitantes. Quem poderia imaginar? Eu não.

{{((Sem sorteios, heim?!}}))

Eles vieram de vários lugares do Brasil.

Salve, salve especial para: Campinas, São Paulo, Rio de Janeiro, Hortolândia, Fortaleza e Ribeirão Preto, nossos convidados mais constantes, degustadores especiais de nosso “chá com porradas”, como bem o disse Salla.

De Bage (RS) a Belém (PA), tivemos também visitas internacionais de algum perdido em Avignon, França, e de outro perdido em Porto, Portugal. Breves visitas, erraram por aqui ou vieram para ler nossos microcontos da Fragmentália, vai saber.

Esperamos que o blog continue ganhando novas projeções e matando a sede dos leitores, pelo que merecem cada caractere, pixel ou bits que dispomos aqui.

Um grande abraço a todos que nos tem apoiado!


“Aproveito pra parabenizar todo o coletivo pelos potentes psicoestimulantes que estão oferecendo aos leitores. Alcalóides de primeira categoria, sem dúvida.”
Nelson de Oliveira

"Um coletivo não se constrói, se configura todos os dias. É assim que ele existe, é deste modo que De Chaleira se mistura em nossas vidas."
Carlos Abreu

***

Homenagem a nós, feita pela Xuxa:

Sou uma chaleira bem fofinha
Tenho um braço, tenho uma boquinha
Quando a água ferve, eu dou um grito
Incline assim, está servido.

ESCREVER

ESCREVER
Por Eustáquio Gomes


Há vinte anos li que Marguerite Duras, então com setenta e quatro, ainda era capaz de “provocar paixões e desejos eróticos incontroláveis”. A própria autora de O Amante relata, numa entrevista, que durante uma festa na Maison de l’Amérique Latine, em Paris, um jovem sentou-se a seu lado e encostou-se nela. “Tentei sair, mas ele era muito pesado, era como se tivesse desmaiado. Logo compreendi o que estava fazendo. Não me mexi mais, deixei que o fizesse. Ele tinha esse direito, por que não?”.

Duras morreu em 1996 e desde então a lenda em torno de seu nome não pára de crescer. Fez muitos filmes, mas sobretudo escreveu muitos livros. São livros curtos, por vezes estranhos, nem sempre agradáveis, por isso mesmo instigantes. Minha curiosidade nunca arrefeceu a seu respeito. Imagino uma entrevista com ela.

— O que é ser escritor?

— É se achar num buraco, no fundo de um buraco, numa solidão quase total, e descobrir que só a escrita pode nos salvar. Escrever, essa foi a única coisa que habitou minha vida e a encantou. A escrita não me abandonou nunca.

— Às vezes seus livros parecem arbitrários, não planejados.

— Nunca fiz um livro que não fosse minha razão de ser na hora em que estava sendo escrito, e isso vale para qualquer livro. E em toda parte. E em todas as estações do ano. Aquilo que Lacan disse a meu respeito: “Ela não deve saber que escreve, nem aquilo que escreve, porque ela se perderia; e isso seria uma catástrofe”. Esta frase tornou-se para mim uma espécie de identidade de princípio, um “direito de dizer” totalmente ignorado pelas mulheres.

— Quando escrever é inevitável?

— A partir do momento em que se está perdido e que não se tem mais o que escrever, mais o que perder, aí é que se escreve. O livro está ali, grita, exige ser terminado, exige que se escreva. A pessoa se vê obrigada a se colocar a seu serviço. É impossível escapar de um livro, e sempre se sabe quando não é um livro.

— Como assim? Pode não ser um livro o que se escreve?

— Não sei o que é um livro. Ninguém sabe. Mas dá para saber quando aparece um livro. E quando não há nada, dá para saber, do mesmo modo que se sabe que estamos vivos, que ainda não morremos.

— Por livros “não livros”, a senhora se refere a que espécie de livros?

— O que condeno nos livros, em geral, é o fato de não serem livres. Vê-se isto através da escrita: eles são fabricados, organizados, regulamentados, convenientes, poderíamos dizer. Uma função de revisão que o escritor, muitas vezes, exerce em relação a si mesmo. O escritor, assim, se converte em policial de si mesmo. Entendo desta maneira a busca da boa forma, ou seja, a forma mais corrente, a mais clara e a mais inofensiva. Há ainda gerações de mortos que fazem livros envergonhados. Mesmo os jovens: livros charmosos, sem o menor prolongamento, sem noite. Sem silêncio. Em outras palavras: sem autor verdadeiro.

— A que horas escreve?

— Antigamente eu escrevia pela manhã. Mas sem horário certo. Nunca. Exceto quanto à cozinha. Sabia quando precisava vir porque a panela estava fervendo ou para que a comida não queimasse. Quanto aos livros, também era assim. Juro. Nunca menti em um livro. Nem na vida. Exceto para os homens.

— A senhora levou uma vida fascinante. Nasceu no Vietnã, venceu em Paris, é reconhecida em toda parte. Em 1984, um de seus romances tornou-se best-seller mundial. Conte um momento que, em definitivo, teve importância vital para a senhora.

— Está bem. Foi um dia, faz vinte anos, a casa estava inteiramente silenciosa e de repente vi e ouvi, rente à parede, bem perto de mim, os últimos minutos da vida de uma mosca. Estava sozinha com ela na casa inteira. Nunca tinha pensado nas moscas até então, exceto para rogar pragas contra elas. Fui educada no horror dessa calamidade para o mundo inteiro, que transmite a peste e o cólera. Cheguei perto para vê-la morrer. Ela queria escapar à parede, onde corria o risco de se tornar prisioneira da areia e do cimento que se depositaram sobre a parede, com a umidade do parque. Olhei como uma mosca dessas morria. Foi demorado. Ela se debatia contra a morte. Durou talvez algo entre dez e quinze minutos e depois cessou. A vida precisava cessar. Essa exatidão da hora da morte faria com que a mosca tivesse funerais secretos. Vinte anos depois de sua morte, a prova está aqui mesmo, ainda falamos dela.

*

Das dezenas de livros que Duras escreveu, um em particular me agrada
muito. É um livro delgado, brevíssimo, intitulado Écrire (Escrever, Rocco,
1994). É desse livro que extraio essa entrevista imaginária.

23 fevereiro 2010

PROCESSADOR CENTRAL


“Processador Central”

Fui chamada às pressas ao pequeno apartamento de Liza. Era madrugada alta, tempo chuvoso. Mas, faminta apenas, ocupava-me em juntar condimentos leves à mistura das refeições do dia e escutava Ginastera, a “Variação canônica para oboé e fagote”; relíquia recuperada pelo meu ócio resignado desses últimos anos. Os 2:31 minutos que levava à repetição ad nauseum, repetição em volume reduzido nem tanto - enlevando-me e velando o misterioso sono de minha vizinhança zumbi. Quando em vez, fumava pelas frestas de um basculante; a fumaça conspiratória denunciada pela lúgubre luminância da rua fantasma. Pois bem, Liza, tivera um daqueles pesadelos reais.

Registrou o sonho, Liza? Não. Mas contou-me o suficiente às minhas anotações e, tendo antes ligado para mãe e, esta, insistido na idéia de recorrer a mim para acompanhar Liza ao centro, parecia mais determinada a agir que propriamente angustiada.

Interrompi o processamento dos meus resíduos culinários, insisti para que ela recolhesse do ralo do esquecimento, do aquém-linguagem, os resíduos de seu pesadelo e, com uma gravidade emputecida na voz, tentei dissuadi-la a se embrenhar pelo centro, como zumbi, na ilusão de mitigar suas intimidades angustiadas naquela maquinaria suspeita do “CPP” – nome obscuro para uma autarquia que se pretendia como um organismo público de processamento de pesadelos. Um contra senso instituído, em face da alta incidência de distúrbios do sono – pesadelos, aferida pelo Ministério do Trabalho e Lazer, desde o início de 2036.

Liza, sejamos razoáveis, passar por sessões relâmpago de dramatização do óbvio – que são ou teus fantasmas mesmo, ora! Filas, senhas e mais filas de pessoas apavoradas que não trocam palavra com medo de perder a vaga, depois... a Máquina!- Mas mamãe conhece o sobrinho do homem da estatal que sabe de um psiquiatra gnomotivista-experimental (...)-, choramingava. No cinzento daquela manhã, incapaz ou sem alma suficiente para dissuadir Liza de farfalhar sua singularidade pelos receptores daquela incubadora caleidoscópica. de espargir seus fragmentos oníricos pelos corredores de uma repartição pública cartorial, setorizada...kafkiana, minha recusa foi lapidar. - Preciso passar pela “Retro-sensibilização”- retorquiu minha amiga, convicta de que já estivera impregnada por pesadelos classe “D” por mais de duas vezes naquele quadrimestre; risco de demissão na certa! Classe “D”, ruminei? É! “D”, de derrelição?! Ela recordou-se deste livro de Hilda Hilst, que de nada adiantou. Ela, minha amiga Liza, pairava sob síndrome de abstinência de substância específica: sentido.

Entrei pela manhã relendo fragmentos de alguns clássicos. Entre eles – Gilles Deleuze, sobre coisas como a “máquina desejante”. Nas ruas, Liza, atarantada, na pressa... agonizava. Atropelada! Seu fantasma, para redimir minha recusa lapidar, lembrou-me um verso de “Iracema”, um clássico também, de Adoniran Barbosa: (...) ‘atravessou contramão’. E eu, ‘eu sempre dizia’, deveras. Era a minha questão central. Paga ainda “meus alfinetes”, meu não-consultório, extemporâneo, inda hoje.

21 fevereiro 2010

FRAGMETÁLIA III - BIBLIOTECA+HAIBUN+MICROCONTOS

1) Expresso 600 - vários autores - Editora Andross.
2) Curta-metragem - Edson Rossatto - idem.
3) Folhas ao Vento - vários autores - idem.
4) Entre Duas Mortes - Instantâneos Literários - vários autores. Livro organizado por Frederico Alberti.
5) Os opostos de distraem - Rogério Ivano.
6) Pagando Micros - Trio Los Tres. Organizado por Cairo Trindade.
7) Tentando entender Monterroso - Luiz Cláudio Arraes.
8) Anotações para um livro de baixo-ajuda – Idem.
9) O Remetente (contos e minicontos) – Idem.
10) Lugar comum - Idem.
11) OS CEM MENORES CONTOS BRASILEIROS DO SÉCULO - Organização Marcelino Freire, 2004, 2ª edição, Ateliê Editorial, Cotia, SP.
12) CONTOS DE BOLSO - Organização Laís Chaffe. 2005, Editora Casa Verde, Porto Alegre, RS.
13) CONTOS DE BOLSA – idem.
14) CONTOS DE ALGIBEIRA - (antologia que reúne 107 autores - brasileiros e portugueses) - idem.
15) CONTOS DO GIN-TONIC - Mário-Henrique Leiria.
16) NOVOS CONTOS DO GIN - idem.
17) A Terra Sem Males – José Eduardo Degrazia.
18) O Atleta Recordista - idem (Editora Movimento).
19) A Orelha do Bugre - idem, ibidem.
20) Os Leões Selvagens da Tanganica - idem, ibidem.
21) Ah, é? – Dalton Trevisan
22) 111 AIS - idem
23) Pico na veia – idem
24) 234 – idem
25) Arara Bêbada – idem.
26) Um beijo é só um beijo – João Batista de Brito.
27) Gaspard de la Nuit - Aloysius Bertrand.
28) O Caçador - Rinaldo de Fernandes.
29) Brevíssimos - antologia orgonizada por Charles Kiefer.
30) Pescoço de Girafa na Poeira (contos e minicontos) - Nilto Maciel.
31) Passaporte - Fernando Bonassi.
32) Sexo, drogas e tralálá - Thiago Picchi, Fábio Frabício F. e Ana Paula Maia.
33) Histórias de 1 minuto - István Örkény.
34) Mil e uma pequenas histórias - Luis Ene.
35) Antologia de páginas íntimas - Franz Kafka.
36) Estórias domésticas - Henrique Manuel Bento Fialho (Aqui uma versão parcial, em pdf .)
37) A MILÉSINA SEGUNDA NOITE - Fausto Wolff .

{ BIBLIOTECA DE BREVIDADES E MICRONARRATIVAS-PARTE I, ATÉ O DIA 37 DO BLOGUE DE CHALEIRA – Por Wilson Gorj,convidado}


*****


HAIBUN

Por Rafael Noris

Esta tarde peguei minha câmera. Estava na chácara de minha tia, todo mundo comendo e eu ali, procurando bichos. Queria insetos, formigas, abelhas, borboletas, mas minha nossa, não paravam quieto nem um minuto. Sentei na grama, olhei para o céu, para o lado, para minha câmera com poucas fotos, nenhuma boa. Fiquei frustrado, mas logo percebi que não valia a pena, me esforcei mais um pouco e encontrei outras belezas, mais fotogênicas.

***

o céu da tarde
parece um reflexo -
flor de quaresmeira.

***

tão perto
e ainda hesito:
galho ou bicho-pau?


********

MICROCONTOS MONOFRÁSICO (Dez palavras – vide Definição Operacional de Mc)
Por Marco A. de Araújo Bueno

“Expedientes Maternos I”

Temendo muito que os filhos caíssem, acolchoava seus porta retratos.

***

“Tempoespaço”

-“Por quê não vai pra p.q.p.?”
- “Demora mó longe, mano!”

***

*A Definição operacional exploratória que ofereço para Microcontos estará no FRAGMENTO TEÓRICO III, que ficará para a próxima FRAGMENTÁLIA.

20 fevereiro 2010

rés_SEIO




Por Paola Benevides (ilustração e texto)

Chega cedo ao alvo fácil em forma de ruído
Aos ouvidos criativos de enredo se grasna
O mais ledo engano atravessa travestido
Tal pato-pênis de borracha na banheira

Antes fosse imagem o mais surreal dos sentidos
Não faria diferença por também ser mensagem

Sinestesia anestésica
Não excita pelo excesso
Exceto o medo...

Quanto maior, mais tênue a curvatura para dentro
O si se contrai no espelho
Aborta o feto de tanto espremer o vermelho
Espermasturba prematura mãe

No seio pára...
Do mamilo sai a náusea: para o mundo.

18 fevereiro 2010

SONETO XVI


Por Marcelo Finholdt

“Sabe então o que houve e se o mesmo ainda existe...”
Dedicado a jovens “insetos”.


Joaninha saudosa esqueceu a razão...
O bom tempo passado, onde a dor ancorou,
Viu os fundos de mato onde o grilo chorou,
Esquecido, tristonho, ah que dor coração...

Na verdade tal grilo, a Joaninha esnobou,
Sem saber que o pequeno era grande e chorão,
Insensível Joaninha a viver sempre em vão,
Nunca neste planeta outro grilo encontrou.

Sob o sol das manhãs Joaninha o procura,
E ao cair da tardinha a menina desiste.
Todo o dia outro sol que parece pintura

Olha pelo horizonte a ver se ela ainda insiste.
Só quem sabe onde está o tal grilo sem cura,
Sabe então o que houve e se o mesmo ainda existe...

17 fevereiro 2010

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PEQUENAS DOSES

Ilustração: Alan Carline

PEQUENAS DOSES
por Rafael Noris


tão cansado
tão farto
tão disforme

verdades
num gole
engulo-as

todas de um trago
como se trouxessem
algo mais

a gula por respostas
e então: - krsh!
(engasgo)

no copo vazio
regurgito umas
ou duas dúvidas

três quatro
e não para
esta porra!

o copo transborda
gordas revoltas
e poucas linhas tortas

deu errado
o alívio se foi
- foda-se

quando acaba
desfaleço
e esqueço

ando zonzo
como onda
sonsa

a cabeça empapada
de suor e vômito
então, parto.

(a vida precisa continuar)

15 fevereiro 2010

NICHO

Por C. Guilherme A. Salla
.

Não há



Lugar nenhum



Que me contenha



Em si



Em um sim.



No não,



Um lugar



Vão,



Acabe enfim



O fim que me cabe.


.

DOMINGUEIRA - SEGUNDA; SEJAMOS BREVES: TEORIA + Mc + HAIBUN

FRAGMENTO TEÓRICO II
Por Marco A. de Araújo Bueno

Ao propor a possibilidade de um arranjo sintagmático de tal brevidade e concisão que descompense, no leitor, certa propensão à preguiça, estou me referindo à relação entre Nietzsche e Schopenhauer, seu educador, e educador do homem moderno, predito por Zaratrusta. Estamos ainda examinando a questão do efeito para, dela, passarmos à escansão dos ingredientes do arranjo micronarrativo.Logo na abertura de sua Terceira Consideração Intempestiva (1888) Nietzsche conta que perguntaram a um homem que percorrera vários continentes, que qualidade houvera encontrado em toda parte no homem (“que sabe muito bem que só vai viver uma vez, que não é um caso único”) e que o viajante respondeu: “certa propensão à preguiça”. Ao desenvolver seu raciocínio, o filósofo pretendia mostrar que apenas os “artistas” ousavam apontar para a rigorosa lógica da unicidade de cada homem como é e só como ele é. Eis aqui, entre outras virtualidades, a resposta da psicanálise à lógica da hipermodernidade – a singularidade do homem que, ao passo que se torna autônomo, inventa-se e faz passar esta inventividade ao olhar do “Outro (A)”, na acepção lacaniana do termo, ou seja, à (já aqui) referida ordem simbólica coextensiva à linguagem. Tentarei refletir sobre outras modalidades de resposta, como a da sociologia de Giddens com seu conceito de reflexividade e das “oportunidades sistêmicas” na monitoração da ação humana, expediente que relativisaria o que venha, em termos de efeito de singularização, a partir de um divã, de uma capa de revista; da leitura de uma peça literária de qualquer natureza ou, (com Giddens) até de um livro de auto-ajuda. E o farei, a serviço de alguma economia teórica aqui também, quando considerar os modos de recepção desse efeito, no bojo das considerações do também sociólogo, contemporâneo de Giddens - Harvey -, sobre cuja teorização do fenômeno da compressão do tempo-espaço buscarei assentar as categorias que modulam a relação interna do binômio micronarratividade/epifania. Por ora sustento que a primeira responderia àquela propensão à preguiça diagnosticada por Nietzsche e o faço em detrimento da própria obviedade da extensão brevíssima com que acena para o leitor. É que se trata de demonstrar aqui, o processo pelo qual, uma vez fisgado por um microconto, o leitor, deste, transforma-se em co-autor. Se tal proposta não traz novidade alguma, posto que já escancarava virtualidades a partir do livro “Obra Aberta” de Umberto Eco, tais como as noções de intertextualidade, da pluralidade de diálogos subsumidos na urdidura de um texto, etc., convém lembrar a convicção de Calvino sobre sua própria predileção pela brevidade, quando o que tomava por breve ainda não era a radicalidade mesma dessa brevidade. Basta notar que, de Baudelaire dos Pequenos poemas em prosa (narrativas curtas, postumamente recolhidas em 1869, mas escritas a partir de 1855!), passando por Cortazar d’O Conto breve e seus arredores no Valise de Cronópio até o “Nada” de Carrero e “O Dinossauro” de Monterroso, muitas “arestas” foram aparadas e a redução formal é vertiginosa. Mas a preguiça a qual me referia aqui não é aquela que acometeria o leitor diante de um romance volumoso como o Em busca do tempo perdido de Proust. É uma preguiça diante da própria co-autoria a que é convocado o leitor de um microconto, imerso no deliberado ocultamento, no que já se denominou gramática do silêncio (vide o que escreve Piglia). Esse movimento inevitável de voltar-se ao que foi lido parece guardar uma semelhança pulsional com o voltar-se para a própria singularidade ocultada na presença “ausente” (um suposto saber) e silente do psicanalista, em todo caso. Se esta premissa reitera a idéia cortazariana de esfericidade, não terá sido um esforço isolado toda aquela obsessão prescritiva de Poe. E reiterando a matriz notadamente nietzschiana que a demarca, voltemos ao “educador” com quem dialoga o filósofo, muito especialmente, no que tange a brevidade, a denotar que concisão não é, por si própria, uma invenção tão recente: “(...) deve-se evitar toda a prolixidade e todo entrelaçamento de observações que não valem o esforço da leitura. É preciso ser econômico com o tempo, a dedicação e a paciência do leitor”, escrevera Schopenhauer, longe do computador pessoal, em meados do século XIX...


{Referêcia teórica para o "DROPS" de 07/02/2010: Lagmanovich, D. 'Microrrelato'}

[MICROCONTO de Rafael Noris]

Eu percebi então: ela não me amava, mas sim outra.

***
[HAIBUN* de Daniel Serrano]

todos em silêncio
ao lado do tênis, morta
uma mariposa


Começo de noite. Com alguns amigos, me divirto tomando cervejas. No chão, ao pé da mesa, os tênis e as meias da corrida matinal. De repente, cessa o burburinho. Uma mariposa aparece morta perto dos tênis. Suas asas marrons estão abertas e levemente cortadas. Por um momento, deixo de sorrir; e penso num haikai.

*Haibun é um haikai acompanhado de breve prosa testemunhal.

13 fevereiro 2010

BERLINDA BERLINALE


Sinto-me, por hora, em Berlim, inaugurando assim um festival todo condecorado às graças da sétima arte. Que honra poder chegar neste momento correlato a um dos eventos mais importantes do cinema mundial. Sabe quantos países são necessários para se fazer um filme? Depende do ângulo: sua produção depende de uns três, não espere que seu país por mais regulamentado que seja tenha edital tamanho para cobrir os gastos excessivos de um filme minimamente agradável. Da exibição? Todos os países do mundo, caso caiba. Do ponto dos festivais, atualmente, todos também! E o pior: países que possuem mais de um festival! No corre-corre de um sonho (assim pensa os que ainda não trabalham com o que gosta). No panorama atual? Seu filme tem produção de Paulínia (?), abre o festival de Omaha (??) e, talvez, seja exibido no Topázio (...!).

Minha elucubração cine-narrativa, vem assim, perdida, pois o que é um festival de cinema, senão um exercício coletivo como o nosso? “- Olha! Meu filme, que bem produzido! Abriu Cannes! Acredita?”, pensa uma das peças da sub-coleção de diretores famosos. No balaio, queridos cineastas subversivos anexados à parte a super-produção do esquadrão norte-americano. Listam-se: iranianos, franceses, italianos, alemães, belgas, suecos e etc. Indianos? Não. Já me basta o cão de favela milionário. Índia que é Índia me ganha nos musicais. Bollywood é o espírito, não um neo-noir financiado pela Inglaterra. Viu, como tudo se encaixa? Digo, todos os países se reverenciam na hora de filmar?

Parece uma crítica – talvez. Filmes com raízes originais são poucos. Mas cabe aqui, pelo lado bom da coisa, uma analogia. Somos (neste recôncavo virtual, que ainda ensaia uma mídia) cada um a seu cada qual, um país. Temos por convicção vícios que muitas vezes advém dos nossos produtores (encaixe aqui as figuras que te marcaram a educação). Não somos e nem seremos sós. Precisamos dos países demais para fixar uma iniciativa, uma idéia, uma região, para pôr em prática a distribuição de nosso “filmo-pensar”.

Aqui nos confluímos, nos discordamos – sem acento, o Word que me perdoe – nos reagrupamos, nos redescobrimos.

Quantos ‘países’ são necessários para começar um blogue (com e no final, modo tucanês)? Faz as contas, vá...

(“mas você não ia falar de filme? – Deixa eu escolher meu país de origem primeiro...”)

12 fevereiro 2010

FAKE


Por Paola Benevides (ilustração e texto)

Bora brincar na grama. Bora. Lamber o céu na poça de relva. Tal uma moça de solto cabelo, ainda queimo a língua no paraíso da selva. Tudo culpa verde daquele passarinho malditoso, um que me derrama boas viagens emplumadas de nada com nada para testemunhar em versos estas coisas-nenhuma. É que a gente precisa maturar a vista de dentro, caçar formigas na hora da dormência. É que a mente necessita lampejar sem nebulosidade alguma. Assim não calejo a alma, pelo menos, assim não pelejo pele de menos, tudo porque a pele é necessária nos tempos de hoje, no meio dos templos de concreto onde as pessoas rezam sem prezar umas às outras. Caçam-se até os ratos com frio. Concreto armado, tudo armação mesmo. Ninguém se encosta mais, todos tem encosto para a coluna do espírito não se manter ereta. Ninguém se beija mais, quanto mais é meia-aproximação dondoca, de rosto no vácuo. Falsa, a tua faceta cansa. Vá fazer um filme de amor Norueguês na Finlândia! Aqui no meu peito jaz um descongelador automático. Sou moderna, nem uso aliança. Aceito cunilíngua no meu cheiro de sabonete de óleo de fígado de bacalhau fabricado na França. O bacanal fica por conta das elevadas crianças. Pais escandalizados. País escranarvalizado. E eu sou só uma moeda. Sou só um cara em busca de uma coroa bem sincera. Vê minha cara de poker no blefe, na infame lama? Detenho o poder da petulância. E ainda ouço a Lady Gaga. Mundo gagá este...


11 fevereiro 2010

"CHÁ LETAL"

Por Marcelo Finholdt


Mote


Pensou tanto sobre a vida
Que acordou perante a morte.
Logo a foice deu partida;
Foi-se assim, pensou sem sorte...



Glosa


Pensou tanto sobre a vida:
Não agiu, buliu, tentou...
Comodismo da guarida
Logo a mente acomodou.

Insistiu em vil apelo,
Que acordou perante a morte...
Demasiado desmazelo
Nas fraquezas era forte.

Não sentia então saída
De seu belo e então castelo
Logo a foice deu partida:
Transformando-a em cogumelo.

Vil nobreza, fútil ida
Sob a terra, nova corte
Cogumelo? Decaída:
Foi-se assim, pensou sem sorte...

10 fevereiro 2010

"EU ?"

Eu?Por Marco Antônio de Araújo Bueno


Me? Se me virem fazendo barulho é que deu briga. Tenho pouco tempo pra estar nas coisas que não prezo muito. Só queria meu lápis vermelho, por fora, que por dentro tem meu traço da infância. Pencil, pensei – o veneno dele vinha do grafite e eu deixei perder tudo numa aulinha, num lanchinho do curso de inglês. Vim buscar o meu costume de sempre, só. E topo com esse turbilhão na idéia. Não entendo a filosofia dessas pessoas, querendo sempre o mesmo feijão, de tempero igual. O jeito de fazer o tempero muda sempre, mas não comem o jeito, mandam o mesmo requentado goela adentro para ficarem parecidos com eles mesmos. Quase derrapo nesse erro. O lápis trazia meu traço de infância. Procurei até ficar nervoso e vir aqui, e, aqui, entendo que outro lápis pode dar em outro jeito de infância, que esta não muda nunca. Um distanciamento, uma maturidade sobre as mesmas paisagens; fiz meu trabalho, ficou bom sim, mas quero meu vermelhinho, meu talismã. Estou desprendido dele agora e ele ficará à vista, num pote grande, de grandes pincéis inúteis. E como a infância não desgruda de mim, essa barulheira toda é para marcar uma mudança de tela, para jogar umas cores nessas caras de azulejo.Precisava mesmo metralhar pigmentos, questions-tags se quiserem, contra essa idéia de comer requentado, de temer temperos desconfortáveis, têmperas de um deslizar incômodo. Por exemplo, essas ilustrações que eu compro nas apostilas e que ficam agredindo meu senso de alguma coisa verdadeira, de cara limpa... Pois chega dessa merda, eu não aprendo com essa merda e a cara de vocês me causa pena de mim mesmo. Se respeito quando ficam ridículos atrás de um chupa-cabras, de um blutufe encharcado de material que nem é seu, ilustrado por um idiota de avental, então por que dar risada de quem procura seu lápis sossegado? Filhos da puta, robozinhos de merda, don’t you? Quero a porra do meu vermelhinho porque inventava coisas com ele, ora. E os caras me zombando: - “Is the pencil red? Are you shure?” – o caralho é red, o lápis é cinza 0,7, ignorantes. E vai voar apostila e notebook nessa espelunca se meu lápis não aparecer!

Se quero um copo d’água? Quero sim, mas pra jogar na tua cara e ver borrar esse olho de peixe-tietê, tia. Tia... ridículo eu aqui, cumprindo as vontades de uma menina bobona, eu repetente; sempre. Repeti o terceiro ano três vezes, três vezes três, nove e noves fora, zero. Zero de recurso, zero de Geografia, zero na carteira pra conta da luz. Já estudou matemática com vela? Dependendo da posição dela, dependendo do vento, uma equação vira um animalzinho esperto, os olhinhos vivos, procurando umas figuras, mais amiguinhos. Eu só ficava aceso assim, imaginando, temperando minha tristeza de ser deslocado, com as figuras que já estavam inventadas, mas uma luminária vermelha como a do Robson não mostrava. “Vira ela assim, torce pra lá, olha agora... Deu pra ver?”. Não, não estava vendo nada e a mãe dele achando que aquela luz era sacanagem sexual, idéia minha – só podia dar nisso, estudar com moleque mais velho, dispersivo: -“Repete de ano e fica bulindo com meu filho, retardado!”. Hoje penso no tanto de sombra naquela cabeça de mãe novinha, que parava em casa e trazia lanchinho, os peitinhos loiros aparecendo na camiseta moderna.

Essa espelunca tem cheiro de lanchinho, de achocolatado. Se a Geografia ficou me atrasando a vida, as equações viraram personagens, lagartos com língua bifurcada, dinossauros. E o Inglês da tia não é pra mim, é pra cumprir minha palavra na editora. Acho que a “tia” se enjoou desse cheiro e fica no passo do que ela adivinha por baixo desta bermuda estampada, um caralho bem red, gostoso como a rebolada pra escrever morango em inglês, de pé, na lousa. Quer que desenhe, tia? E todo mundo rindo com ela vermelha, raiva de mim, tesão de mim. Ora, tia, uma fruta tão simples, nunca viu madura assim? E se encostando levinho na perna dela, só pra sentir a macieza duma tela em branco, e ela, a dureza duma vida de verdade, com cheiro de Tietê, de Marginal atravessada a pé pela Ponte do Limão, pra chegar naquele prédio com símbolo verde com meu lápis vermelho só, e pureza de grafite por dentro. Cumpria passar vergonha de escrever “s/ número” no endereço e a palavra saía com duas línguas sibilando como lagarto. E “profissão” saía com cedilha, encolhida de constrangimento. Falta o Inglês... Será mesmo que falta? E se der um bico nesta porra e fizer barulho entre as pranchas, esparramando tecnologias pelas baias dos colegas: - “Eu faço isso aqui de olho fechado e faço melhor que todos vocês. Ok? Então não vai ter Inglês pra inglês ver, certo?”, e voltava aqui só pra comer a “tia” sibilosa... Desprendido do meu lapão vermelho-red, sujo de tanta imaginação, eu lá do outro lado da Marginal vendo a minha infância chorando de desamparo. Foda-se a infância, vou chorar alto; vou chamar pro pau! You liked these, don’t you, belo rabo?

09 fevereiro 2010

ODISSEU

Ilustração: Alan Carline

Odisseu
Por Marco Antônio de Araújo Bueno


Ele estava imbuído de um estilo Chacal.
(Confeitos de cânhamo embebidos em mate);
Vestiu rigoroso traje anti-suspeição e o retocou.

Ganhou a rua, solene, dobrou a echarpe; café!
Acenou ao táxi que não parou, seguiu a pé.
Economia de atos, beirava o trivial, rito e rigor.

Transeuntes pelo museu, ele em transe, trivial.
Pés e mãos gelados em pleno local calafetado.

O cânhamo dilatou a escultura do Canhão. Acenou:
"Leve a peça até a moto, lado a lado, comigo, espeto-lhe!"

Na saída, desarmado da caneta Picasso que nada espetou,
Só via o Canhão reposto ao pilar, soar de sirene e camburão.

Em cana, em fim, apenas uma beatitude e cabeça oca.
Suspeitou: há xixi no traje todo; irretocável. E sorriu.
Depois chorou, exausto. Pediu um mate, alguém gargalhou.

LEITE DE PEDRA

Por C. Guilherme A. Salla




Eu disse:


- Lindos, seus seios.


Ela disse:


-Eu sei…


E não disse


Obrigada.


Eu não disse


Mais nada.

.

07 fevereiro 2010

FRAGMENTÁLIA - A GENITÁLIA DA MICRONARRATIVA

NECESSIDADE
Por Luiz Contro

Ouvia tudo o que ele dizia e participava de suas inquietações mais secretas. Sentavam na mesma carteira da escola. Corriam juntos soltando pipa. Trocavam olhares e sorrisos matreiros quando entre adultos. Consolavam-se também. Determinados dias entristeciam pela separação:

─ Chico, hoje vou lavar teu ursinho.

***

-Sim! Sim! ela suspirava: sono pesado na cama vazia.


Por Rafael Noris

***

FRAGMENTO TEÓRICO I
Por Marco A. de Araújo Bueno

Prezados Senhores: Universidade Harvard, Camdridge, Mass, conferências Norton, ano letivo de 1985-1986, em meio às considerações sobre a rapidez, Ítalo Calvino refere-se a Borges e Bioy Casares, assim: - “(...) organizaram uma antologia de Histórias breves e extraordinárias. De minha parte, gostaria de organizar uma coleção de histórias de uma só frase, ou de uma linha apenas, se possível. Mas até agora não encontrei nenhuma que supere a do escritor guatemalteco Augusto Monterroso: Cuando despertó, el dinosaurio todavía estaba allí [Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá]”. Eram as “Seis propostas para o novo milênio”, das quais, a última, Calvino levou consigo; sua morte interrompera conjecturas preciosas sobre a narrativa. Um limite, limite que excitaria a imaginação de escritores e leitores, estes seres que protagonizam a angústia da escrita (face às escolhas a que os obriga) ou a ela submetem-se de alguma forma (face à interpelação suscitada) neste peculiar processo de abertura ao infinito das imaginações.Todo este processo, tributário das condições basilares da existência do animal da fala: sua finitude e sua inserção nos “bosques da ficção” no caso e no reino do simbólico, no geral. A propósito, com esta metáfora do bosque, Umberto Eco intitula suas seis conferências de Norton, ano letivo de 1994, recobrindo a “literatura-bosque”, a homenagem ao amigo falecido e a questão, aqui fundamental, da presença do leitor na história narrada. Trata-se, portanto, aqui, de um estudo que tematiza o efeito da escrita, muito especialmente, de uma modalidade de escrita – a interrompida, esta que é deliberadamente sustada para suscitar um efeito no leitor. Epifania - assim tratarei da idéia de efeito; narrativas monofrásicas tecidas com dez palavras - assim consignarei metodologicamente, a guisa de ilustração das possibilidades de tessitura de peças narrativas brevíssimas, o desejo expresso por Calvino, no bojo da hipermodernidade, tal como a descreve o filósofo francês Gilles Lipovetsky; em pleno novo milênio. Calvino dizia que sua obra “(...) se compõe em sua maior parte de short stories”; segundo ele, questão de “temperamento” pessoal. Há, quanto à extensão, evidências de que a prosa literária vem rendendo-se a um processo de redução formal ao longo do tempo. Neste início de milênio o termo usado por Calvino para definir sua predileção pela brevidade não se aplica ao seu próprio “As Cidades Invisíveis”, com a mesma concepção com que se aplica à idéia de conto. E ainda que brotado no século XIX, com certidão de nascimento estadunidense, traz consigo um entusiasta defensor, prescritivo, já em 1847(escrevendo sobre os contos de N. Hawtorne) de cânones que rejeitam o “juízo nefasto de que a simples extensão de uma obra deva pesar na estimação de seus méritos”. Seu nome – Edgar Allan Poe; Suas propostas ponderavam a ‘aparição’ das revistas, dos jornais, a dimensionarem a percepção literária face ao progresso dos novos tempos. O presente estudo o convoca, oportunamente.
Até o próximo domingo;

DROPS TEÓRICOS : "UNO DECÁLOGO"

Por ( pequeno suspense metodológico...)

En el “Decálogo del escritor” de Monterroso, incluido en su libro Lo demás es silencio (1978), se reconoce la referencia metatextual del Decálogo del perfecto cuentista de Horacio Quiroga (1925), y la referencia architextual de los doce mandamientos de la Ley de Dios. A toda esta fábrica de intertextualidades se suman “Los diez mandamientos del escritor”, microcuento del uruguayo Fernando Aínsa. {De livro e autor que oportunamente citerei; sintam um pouco da rarefação teórica sobre o gênero. Menos é mais, mais ralação!}


1.-Te amarás a ti mismo sobre todas las cosas.
(Amarás a si mesmo acima de todas as coisas.)

2.- No mencionarás el nombre de Borges en vano.
(Não mencionarás o nome de Borges em vão.)

3.- Seis días descansarás y uno escribirás.
(Seis dias descansarás e um escreverás.)

4.- Te inventarás tu propia filiación literaria.
(Inventarás sua própria filiação literária.)

5.- Si cometes parricidio generacional, será con pudor y disimulo.
(Se cometer parricídio generacional, será com pudor e disfarse.)

6.- No seducirás a la poetisa en busca de prólogo.
(Não seduzirás a poetisa em busca de prólogo.)

7.- No robarás las metáforas del poeta inédito.
(Não roubarás as metáforas do poeta inédito.)
8.- No llamarás palimpsesto intertextual a la simple copia banal.
(Não chamarás de palimpsesto intertextual a simples cópia banal.)

9.- No desearás el éxito de ventas del prójimo escritor.
(Não desejarás o sucesso de vendas de escritor algum.)

10.- No eliminarás las comillas de las citas ajenas.
(Não eliminarás as aspas das citações alheias.)

05 fevereiro 2010

TROVA

Por Marcelo Finholdt


Pensou tanto sobre a vida
Que acordou perante a morte.
Logo a foice deu partida;
Foi-se assim, pensou sem sorte...

.

04 fevereiro 2010

ASSAZ INATO


Por: Paola Benevides (ilustração e texto)

Estou com medo do carro, do espirro, de tudo que me é caro, do tiro e até da bala de chupar. Vão me fazer o quê? Um, barroar; o outro, má influenza em vírus; carteira cheia de indícios, revólver sem cabelo no pente e bombom envenenado. Quem me prova o pó do contra? Nem cheiro otimismo. Não saberei rezar na hora quando a Nossa Senhora brotar toda azul pura à incenso de mirra. Ora, de que adianta o anjo se a guarda anda por fora? Despoliciamento em tudo que me é de canto, isso coça. Mas a praia é mansa. A criança detesta usar filtro solar, só que a mamãe o lambuza bem e lhe diz com toda credibilidade:

- Contra os raios Uvêá e Agaivê!
Daí o miúdo ouve a proteção já rindo, inconscientemente, de todo o absurdo desse agora tão ausente. E como quem está pressentindo um futuro trágico, corre em direção horizontal ao infinito.
(...)
- Pensa em ter filhos?
(longa pausa para um muxôxo)
- Mulheres não deviam ser adeptas à lei do ventre...
- Deus que me livre!
- Então, nem é o seu caso.
- Sou separada, operada e abortiva.
- Por isso que ele te desprezava tanto.

A lágrima se alojava dentro dos óculos escuros da moça. Precisava de cigarros. Não quis pedir ao amigo por ter-se ofendido com ele naquele momento. Ela o amava. Ele a comia. Ela queria e não queria. E ele, então, parava. Até quando?
(...)
Os edifícios padrões novos só atravancam a passagem do ar. Barlaventos. Ficam feios por entre as casas, shoppings, favela, numa heterogeneidade de cidade moderna e pequena. Esses mormaços com cara de chuva... Das crateras deixadas pelo clima seco e úmido, um bom asfalto aqui faz falta. Opa, já vai ficar verde o sinal: esperança de que na volta do trabalho não haja outro engarrafamento. Queria o teletransporte imediato. Era só pôr os pés no escritório, as mãos no café preto e vam'embora! (pneu canta Música Urbana)
(...)
Gosto de abrir o livro assim pelo meio, nas altas horas da cama a me acalmar os tímpanos. Hum, o que temos aqui? (estante suja) Contos chineses! Vamos ver no que dá, passagem heróica, erótica ou suspense de oráculo, quero já cair de sono, sem Tao-matizar o meu domingo de um cinza tão plácido. Depois recomeça tudo: ...Mesmo sendo os meus vizinhos uma cambada de bárbaros e tu te encontrares a milhares de quilómetros distante de mim, reservo sempre duas taças de chá na minha mesa... .

03 fevereiro 2010

A FILA - CONTO LIDO POR F.All'Golen [grato] no GENGIBRE


Ilustração: Alan Carline

Ah, a prosódia! Como é mágica; o que pode um relevo fônico quando se trata de ficção. Este conto pode ser inserto num subgênero denominado 'estranho'. Houve quem dissesse que, lido assim, com os erres retroflexos do F.Ficomeno All'Golen (Literatura Comparada; Cambridge Universyti), o efeito 'ostraniênie" fica dilatado e a estranheza potencializada. O meu conto ganhou camadas de significação. All'Golen esteve na Flip que homenageou Nelson Rodrigues, brindou-me com a gentileza de sua pródiga leitura. Depois publicou um poema estranhíssimo e tornou-se estranhamente inachável. No departamento dele, no Reino Unido, alguém cochicha em off que teria pedido um semestre sabádico para reler os 'breves' do Kafka...


“A FILA”
Por Marco Antônio de Araújo Bueno


Não lhe causou estranhamento algum quando, já na entrada daquele pátio, topou de cara com a tabuleta bem postada, solene, onde se lia: “A FILA”. Em caixa alta, sem serifas, preto sobre o branco e bem à altura da vista. A lucidez com que se impunha excluía e conclamava a presença de uma crase, isso sim, seria de se estranhar? Ao contrário, era quase uma condição, uma essência mesmo da placa, essa simultaneidade. A caminho, no entanto, lembrou-se ter lido “FUNERÁRIA” onde seria mais crível que, pelo recorte urbano do local, pela vizinhança típica, lá estivesse escrito “FUNILARIA”. Mas este petisco caprichoso, já o reservara ao analista, até por uma questão de comodidade, ou de resistência. Não era o caso desta placa. O máximo que ela permitia era conjecturar se teria faltado um ponto de exclamação ou, algo mais sutil – se, por decoro de se evitar um imperativo grosseiro, autoritário, suprimiram elegantemente um “RESPEITE A FILA!”. E era essa condição que impunha respeito.

Tudo isso lhe infundia uma espécie de esperança vaga, de crença em valores substantivos, de confiança pela confiança; acelerou a marcha e perfilou-se aos demais. Não eram muitos, os demais. Silhuetas discretas, deslocamento proporcional aos espaços sucessivamente desocupados pelo atendimento. Pessoas, como ele, ali, na fila. Dispunha de um dispositivo contra o enfado, conversa mole, mas, sobretudo, contra a timidez incorrigível. Era um livrinho em formato seis por cinco que cabia em qualquer canto de bolso, paginação confortável e à prova de olhares bisbilhoteiros. “Padre Antônio Vieira”, uma antologia...viria a calhar; apalpou e, pela espessura percebeu o engano; era um Hamlet cuja impressão, de tão nítida, dava para ler até nos vagões do metrô e, até por isso, ele o reservara para o crepúsculo.

Decepcionado, enfiou as mãos pelo bolso e resignou-se a sua corporeidade perfilada aos demais. Foi então que se instalou um certo caos no recato daquela espera ordenada. Um homem deixou a fila e, ajeitando pasta e capacete pelos braços aproximou-se, agachou-se e ergueu do chão um retângulo de plástico cinza.- “Esta senha é sua, não?” Sim, era dele, escapou do bolso onde guardava o William Shakespeare das horas crepusculares. – “Melhor ficar esperto pra quando a fila bifurcar”, asseverou, num tom de voz sinistro, em baixo profundo e olhando furtivamente para os lados e para cima, em direção ao começo da fila. – “Obrigado, mas que bifurcação é essa?” Olhou para o edifício à frente, era térreo, não havia razão para olhar para cima.

O caos instalou-se por uma razão singela e contra cuja obviedade, a menor inobservância parecia implicar em afronta grave. Tinha alguma relação com as senhas e aceitar que a cor da senha determinasse a bifurcação parecia tão consensual aos demais, que apenas uma leve indagação sobre sua razão de ser, soava como um libelo. E tornava o perfilado um contraventor.

- “A minha, senhor, eu sei que é branca. Quando bifurcar lá na frente eu sei pra onde devo me dirigir. E a sua que eu vi que é cinza vai tomar outro destino. Fica mais atento que ninguém aqui é ingênuo nem palhaço!”.

- “Bom, já que” branco “não é cor, deve ter senha preta também...”.

- “Tem sim senhor, mas ninguém viu cair de bolso nenhum!”.

- “Deve ser porque não tem destino nenhum!”

{in Portal Neuromancer, 2008; LGE Editora-esgotado}

01 fevereiro 2010

AS TEIAS, AS VEIAS, OS FIOS




  Ilustração: Alan Carline


Feito cacho de aranhas pulsa o coração,
nem os morcegos cegos escapam-lhe da teia.
A agulha se afunda nos pelos, o sedativo
bambeia as patas e atrapalha a rota dos cães.

As mulheres chamam-gritam.
Diga a elas sobre o vento,
que se não fossem os pinheiros
nada disto estaria, hoje, aqui.

Mas, assim enredado de teias,
veias do poste encordoando
a caixa de força, relógio de luz,
perguntam: como se faz para ler
a luz? – Luz? Luz não se mede!




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