31 outubro 2010

ABANDONO

ABANDONO

Por Cássia Janeiro


Elas esbarram em nós
Com seus chocolates, balas, truques
E limpam nossos pára-brisas nos faróis.
Sua infância escorre como aquela
Água suja que vejo no vidro.
Uma moeda qualquer
É a medida do seu valor.
São crianças sem dúvidas poéticas
Ou filosóficas.
Não há Hamlets entre elas.
Não estão entre o ser e o não ser.
Não são.

30 outubro 2010

ACLIMATAÇÃO



Vou rosnar para aquele furo alto e aceso lá no pretume do céu, espumando neves de rubor. Quem sabe ele não rasga a noite mais cedo e então eu possa me queimar só com o vento. Uivo de abrir cortinas, de arrepiar os que dormem, com as pontas dos medos. Todos duros. A rigidez é cadavérica para quem vive sem perigos nesse mundo. Escalarei paredes pondo os pés sobre as estrelas de vidro. Qualquer tropeço, cacos em lágrima. Rasgo o equilíbrio entre pentagramas verdes. Escorrego na chuva quando precipito. Meu precipício é a curva, não a retidão do salto. Solo arenoso para este corpo movediço. Escapo para o mais cavernoso templo, sem prece nem pressa, senão caio feito anjo à presa do inimigo. Não há vela. Portanto, sem sombras acesas nas paredes. Enxergo pelos ouvidos que irá demorar o amanhecer. Acordo mais ainda. Faço acordo com uma vontade infinda de alcançar o que se afasta de mim. Passo a nadar no impulso, já que os pulsos me cerraram às correntes. Ferrugem e tétano. Tento ter pernas ainda, mas para quê as quero? Desejo o logo, sem a lógica da espera mil horas. Carrego os ponteiros no calcanhar, poeira na sola, ampulheta solar. Escoa o tempo junto ao orvalho, baixam-se as nuvens reveladoras de horizonte. Eis que um mar escuro se afasta, as ondas abrem caminho sem correnteza, com a certeza volúvel da água. Agora meus olhos estão cheios dela. Vou parir. Vou parar de ir sem volta. A menina vai ao chão no nascer, desce das costelas da mãe até a última sorte, quando de novo cai: enfim, para outra morte eternecida. Ela então se chamaria Aurora.

28 outubro 2010

VÓRTICE DO DESEJO


Por Marcelo Finholdt


Mote

Entre os vértices eu vejo
O horizonte em sua face;
Dentre o vórtice vivace
A abarcar até o desejo.


Glosa

Em meus olhos benfazejos,
Periféricas alturas...
Vem seu rosto na candura,
Entre os vértices eu vejo.

Elegância, brilho e classe,
Num semblante leonino,
Faz-me ver o que é divino:
O horizonte em sua face.

Seus cabelos um impasse,
Meu impasse... sem cabelos,
Deste vórtice os anelos,
Dentre o vórtice vivace.

Entre o giro deste arpejo,
Ventania, comunhão,
Sentimento, furacão,
A abarcar até o desejo.

27 outubro 2010

BILHETE

BILHETE

Por Cecilia Prada

Acho que desta vez me perdi de vez - mesmo. Ainda estou caminhando mas está ficando escuro e frio – os que têm notícias de mim me avisem por favor, se me virem passar. Se souberem por onde fui. Os que possuem algo de mim – corpo carnal que dei aos filhos, espírito que dei aos meus escritos, pedaços de mim que se esgarçaram e perderam, voaram, tênuemente desfeitos nos por-aí, me digam, por favor, aonde, catem fios dispersos, lantejoulas, sofrimentos – e minhas risadas, sim, por que não?
E me tragam, seus pedaços,para que eu possa, precariamente, me recompor. Talvez. Meu vestido de pintinhas azuis, estão lembrados? - deve haver alguém, solitário e final, dele lembrado. Minha saia vermelha que eu brincava de saia cigana, me rodopiava nela, e a blusa de organza branca, de babadinhos, e o primeiro caderno de capa xadrezinha que eu amei mais que a todos meus namorados – psiu, não digam a ninguém, não digam. Me tragam, se virem fragmentos deles no pisar dos anos muitos, esfrangalhados – quem, os namorados? os versos que lancei ao vento, as contas de um colar verde arrebentado ?
E se alguém tem a certeza , mas eu digo certeza mesmo, da razão de nosso viver -ah, que me diga logo, loguinho, por favor. Que não tenho mais tempo de ficar esperando começar o baile que não houve.
“Esperei toda a vida que me abrissem a porta/ ao pé de um muro que não tinha porta” – disse Fernando Pessoa.
(Os poetas mortos sempre nos ouvem. E como respondem).





26 outubro 2010

PASPATU


ILUSTRAÇÃO: Por Alan Carline



PASPATU

Por Marco A. de Araújo Bueno

Para R. Magritte






E era uma festa linda, e bonitos
Seres se riam sem gargalhar;
Enterneciam-se de palavras ouvidas
Sem que ruidosas melancolices
Amaldiçoassem, na ira, o lugar.


E nunca olvidando do feltro
Prediluviano no olhar, filtravam
Entre frutas vermelhas,
Absintos mineralizados, cristais
De tâmaras e aves suaves demais,
A vermelhidão, assustada, de estar
Entre tantos demais convivas,
Sem se estilhaçarem, animais.


Animados de alma, não mais
Além de seus contornos-umbrais.



24 outubro 2010

LITERATURA E LOUCURA: "UM PEREGRINO EM PERIGO" -[FINAL]

LITERATURA E LOUCURA: “UM PEREGRINO EM PERIGO – II”

Por Cecília Prada


Livro de uma sinceridade espantosa, O Nariz do Morto – de Antonio Carlos Villaça- parece verter sangue de suas páginas. O escritor desnuda sua fé religiosa, sua “fome de absoluto”, sua teimosa insistência em inserir-se em várias ordens religiosas. Diz: “A fé religiosa como que me assaltou.” Foi noviço entre os beneditinos e os dominicanos, cortejou jesuítas e franciscanos, mas não se adaptou nunca à servidão do pensamento livre ao dogma. Inutilmente tentou ser também sacerdote secular – repugnou-lhe a mediocridade, a rotina, a superficialidade cultural daqueles seres que estudavam teologia e falavam latim, mas que de outras matérias, como biologia e literatura, “só tinham noções,em ritmo de compêndio vulgar”.
Sua profunda desilusão com a vida monástica nos fornece uma galeria de frades e padres de todos os feitios e naipes excêntricos, desvairados, obsessivos, ou envoltos em espessa rotina e mediocridade. Mas, como homem imensamente culto que foi, um “literato” à antiga, seus livros constituem documentação ímpar, uma análise em profundidade do pensamento católico de sua época, em âmbito mundial – os derradeiros tempos de uma Igreja rígida, autoritária, templo de uma “aristocracia do pensamento” que logo mais, com o Concílio Vaticano II seria abalada e contestada pelos ventos da “Teologia da Libertação”.
Egresso do seminário, desabilitado para o exercício regular de qualquer outra profissão, Villaça foi jogado aos trambolhões no mundo e teve de desdobrar-se em pequenas tarefas intelectuais – a paixão literária contrabalançava um desespero existencial que o ia levando ao limiar da loucura. Cria dois heterônimos em O nariz do morto, para contar sua trajetória: Lelento, que dá conta de suas peripécias monásticas e de suas aventuras literárias, transforma-se em Sigismundo nas trinta últimas páginas, para descrever seu período de internação no Instituto Pinel, do Rio. Pobre ser jogado aos extremos da precariedade humana, mas sem perder totalmente a consciência, ele se enreda em pesadelos insidiosos e dominados por persecutórias figuras de cardeais, pelo cerebralismo desvairado de intelectual cristão...até que a inteligência domina e encoraja a sua fuga – chega à portaria do hospício, ninguém lhe impede a passagem, nem o importuna, o retém. Diz o escritor: “Sigismundo saiu. A rua estava embaixo, à sua espera, a rua da infância, a rua antiga, a rua banal”.
Mas a solidão, aceita, será sua companheira inexorável até o fim da existência, obrigando-o a dirigir apóstrofes a si próprio: “Ó caminhante sombrio e só! Sempre sentiste o efêmero de tudo. Nunca pousaste, nem repousaste em nada. Nunca tiveste sossego.Foste sempre um peregrino em perigo.” Reconhecia como desejável, apetecível, a vida comum, “uma casa,com mulher e meninos”, mas era obrigado a aceitar a marginalização: “... Não conhecerás nunca a meiga tranqüilidade dos serões sem agitação: viverás como um condenado, sem casa, entregue à nostalgia do paraíso absurdo, sem chave, sem nada. Caminharás sem fim. Nunca chegarás.”
Nos últimos anos de vida foi um verdadeiro pária. Teve de valer-se da generosidade dos amigos, alojado primeiro em um quarto que ficava na sede do PEN Club do Brasil e depois em um abrigo para idosos. Estranho destino para um homem que pela avó paterna contava com linhagem nobre, pois era bisneto do Barão de Vasconcelos e trineto do Barão de Engenho Novo.
Poucos dias antes de morrer conseguiu assinar um contrato com a Editora Civilização Brasileira para a reedição de seu grande livro, O nariz do morto (2006). Sabe-se porém, pelo último livro publicado em vida, Diário de Faxinal do Céu (1998), que à profunda amargura de toda a existência sucedera no seu espírito privilegiado uma sábia aceitação da vida, da morte, do tempo, da “longa jornada nossa rumo à noite, que será luminosa como o dia”. Porque, diz, “..daqui a pouco farei setenta anos, A velhice me acolhe....Não é um desafio? Amar a vida numerosa, que sempre se renova e nos renova, com suas surpresas, apelos, brincadeiras, advertências, sustos, alegrias”.
____________

23 outubro 2010

TROPA DE ELITE II

Raramente no cinema brasileiro contemporâneo se encontram críticas verdadeiras à situação do país. Enquanto que em países como os EUA é praxe a produção de críticas ácidas contra os abusos e crimes do governo, no Brasil, um país ainda controlado pela censura, tanto criativa, quanto financeira, tal excursão se faz uma grande exceção. O filme Tropa de Elite de José Padilha estava longe de ser qualquer crítica, só era um filme realista sobre a violência no Rio entre o tráfico e a polícia. Um filme no limiar de qualquer apontamento de culpados pelo que retratava. Acusado em muito de fascista por sua alienação nesse aspecto. Quatro anos depois, o mesmo José Padilha, vem com Tropa de Elite 2, se redimindo de qualquer alienação do primeiro. Como diz o subtítulo: O Inimigo Agora é Outro. Agora o inimigo é o real, agora se apontam dedos aos verdadeiros culpados da situação do Rio e em todo o país, eles estão na Alerj, no gabinete do governador, no congresso em Brasília. De um mero filme de ação, passamos a ter um filme sério, que faz se emocionar e rir em certos momentos por constatar o que todos já sabem: o Brasil é o filho da corrupção. O final do filme, sem dar muitos spoilers, é digno de ser comparado ao final ilusório do Bastardos Ingloriosos do Tarantino, com Hitler queimando num cinema em Paris.

20 outubro 2010

LITERATURA E LOUCURA: "UM PEREGRINO EM PERIGO"- I

LITERATURA E LOUCURA: “UM PEREGRINO EM PERIGO - I”

Por Cecília Prada


Há uma questão intrigante em literatura: até que ponto a atividade criativa tangencia os estados ditos “excepcionais” da mente? Pode um indivíduo classificado como “alienado” produzir obra literária válida? Ou ela deve ser vista somente como potencialidade catártica para conteúdos psíquicos doentios?
Durante uma vida dedicada à literatura, tive a oportunidade de encontrar algumas dessas pessoas, e de me debruçar, embora não sistematicamente, sobre sua obra. Hoje, relembro um personagem excêntrico mas tão humano que conheci, comovente, de grande talento mas obrigado a trilhar caminho espinhoso: o escritor carioca Antonio Carlos Villaça (1928-2005).

Nos vinte anos em que residi no Rio de Janeiro mantive relações de amizade com Antonio Carlos Villaça. Uma cena em particular está associada à sua lembrança: em 1972 freqüentamos, ele e eu, um dos primeiros “laboratórios de criação” criados no Brasil: uma tríplice iniciativa dos professores e escritores Affonso Romano de Sant´Anna, Gilberto Mendonça Telles e Silviano Santiago, na PUC-Rio. Cada um de nós, um grupo de parcos alunos e três professores, falava, em noites sucessivas, do seu trabalho literário. A vez de Villaça foi marcada por uma dramaticidade especial: a luz do prédio extinguiu-se de repente. Mas ele não se incomodou – era uma noite de lua cheia, e a luz fria filtrada pelas vidraças passou a envolver o nosso grupo. Nesse ambiente meio fantasmagórico continuamos a ouvir a voz do escritor, em um testemunho que nunca esqueceríamos:
- O que tem sido a literatura para mim? Sem a literatura eu teria me suicidado.
Villaça era uma “figura” – imensamente gordo, alto, apertado sempre, naquele calor do Rio, em um terno preto de tropical lustroso, camisa social e gravata. Seus pés, rigorosamente contidos em sapatos fechados, de amarrar, pareciam sustentar a custo o peso enorme. Um meninão ingênuo, de olhar míope e bondoso. Provavelmente homossexual, mas de uma discrição absoluta, um “enrustido”certamente,encerrado no mistério de sua descompensação hormonal. Sofria imensamente com seu físico, com sua pobreza, com a solidão quase absoluta – filho único, com a morte dos pais ficara absolutamente desprovido de vínculos familiares. Lembro como nos contava uma noite, em casa de Marcílio Marques Moreira, os pormenores da “tragédia de um gordo” que não podia sequer tomar um ônibus porque não passava na catraca, e nem mesmo servir-se da abundante frota de fuscas da época. Só um táxi amplo, de quatro portas, conseguia acomodá-lo. E também, queixava-se, tinha de gastar tanto pano para mandar fazer um terno, coisa cara...gordo tinha de ser rico...e ele tentava sobreviver somente com o que escrevia.
Mas estava em todos os lugares onde literatos se reuniam, adorava fazer discursos e prestar homenagens, comparecia com zelo inabalável a todas as posses da Academia, a todos os funerais de intelectuais notórios, discursando aqui e ali sempre que podia. Cultivava admirações pueris por medalhões que não valiam a sua sombra, registrava todo o miúdo anedotário da vida intelectual do país, sonhava sempre com a imortalidade acadêmica – que nunca lhe foi concedida. Obteve, porém, da ilustre casa seu maior galardão, o Prêmio Machado de Assis, em 2003, pelo conjunto de sua obra.
O primeiro e mais importante livro de Villaça, o autobiográfico O nariz do morto,continuado mais tarde em O anel e em Monsenhor, foi saudado pelos críticos da época (1970) como verdadeira obra-prima,ponto alto de nossa memorialística, colocado acima de Joaquim Nabuco, de Gilberto Amado e até mesmo de Pedro Nava. Diz Carlos Heitor Cony, dele: “Poucos escreveram tão bem, tão limpamente e tão profundamente”.

19 outubro 2010

IMAGINAÇÃO DEPOIS DE UM BREVE ENCONTRO

Renata morde um pão de queijo e um pingado na padaria apreensiva pelo horário, não percebe que sua rotina seria impossível sem esses recorrentes atrasos.

Repara nos comentários enfadonhos de alguns clientes , deixa o pão de queijo de lado, pede um suco de laranja sem açúcar e com gelo. Quando é surpreendida por alguém que lhe sorri e pela intimidade demonstrada, se espanta:

-Sim, claro Léo!

-Renatinha!

Por um momento, ela se sente paralisada. Ele demonstra como sempre alguma coisa bastante profunda no olhar, segredos.

Sentar e conversar seriam coisas normais para dois velhos amigos, mas não para Renata e Léo. Afinal isso seria a declaração leviana de um amor inconfesso.

O encontro dura menos de um minuto, em que ambos não se permitem a troca de olhares, mas Léo arranca da bolsa um livro.

-É meu! Leia e me telefone dizendo o que achou.

Ela recebe o presente, admirada, pois para Renata isso sempre foi uma hipótese remota.

A conversa quase monossilábica termina assim. E cada um percorre seu caminho, mas isso não é tudo.


18 outubro 2010

17 outubro 2010

EU TE AMO

Por Cássia Janeiro

Eu te amo como a violência das manhãs chuvosas
E a calma de um sábado.
Eu te amo como a madrugada desvirgina a noite
E como o céu guarda a lua.
Eu te amo sem razão e sem objetivo,
Sem começo nem meio.

Meu poema é uma oração que procura sua boca,
Que vasculha seu corpo.

Meu amor é simples e louco,
A pincelada amarela de Van Gogh,
A nota perdida de um tango de Piazzolla,
A palavra caída de Vinícius.

Eu te amo como o mortal
Que guarda a infinitude da solidão.
E te amo tão total e loucamente
Que você não nota,
Não sente.

Ah, se você pudesse sentir esse amor
E me mergulhar a cada instante,
Saberia, enfim,
Que se morre de amor
Para ter vivido.

Eu te amo como a violência das manhãs chuvosas
E a calma de um sábado.
Eu te amo como a madrugada desvirgina a noite
E como o céu guarda a lua.
Eu te amo sem razão e sem objetivo,
Sem começo nem meio.

Meu poema é uma oração que procura sua boca,
Que vasculha seu corpo.

Meu amor é simples e louco,
A pincelada amarela de Van Gogh,
A nota perdida de um tango de Piazzolla,
A palavra caída de Vinícius.

Eu te amo como o mortal
Que guarda a infinitude da solidão.
E te amo tão total e loucamente
Que você não nota,
Não sente.

Ah, se você pudesse sentir esse amor
E me mergulhar a cada instante,
Saberia, enfim,
Que se morre de amor
Para ter vivido.

16 outubro 2010

Essenciais Reminiscências

Por: Paola Benevides
Tenho uma vaga lembrança das vagas que perdi. Nos ônibus, à procura de vendedoras japonesas e suas cestas com flores de lótus, além dos rapazes e moças sentadas com seus livros ao colo. Tenho mania de saber o que estão lendo quando pego a condução. Distraio-me com capas, capítulos tremendo nas mãos pela velocidade refreada. Sinto vergonha quando me apercebem vendo. Tento enxergar dentro da miopia de óculos escuros quais linhas me conduzirão ao acaso ainda. (...)

Continua aqui.

13 outubro 2010

PROFISSIONAIS DA SOLIDÃO [ANIVERSÁRIO DE NOVE MESES DO 'DE CHALEIRA]

PROFISSIONAIS DA SOLIDÃO

“Cada um está só no coração da terra,/ Transpassado por um raio de sol/ E de repente é noite.”- Salvatore Quasímodo

Por Cecília Prada (*)

Há na Inglaterra, em algum lugar, um Monumento ao Escritor : uma gigantesca cadeira vazia que se alça para os céus. Por entre suas pernas passa o mundo.
É a cadeira da Solidão, ousada, desafiante, bela – mas terrível. Pois nenhum outro artista tem seu ofício tão ligado a ela, quanto o escritor. Nenhuma obra artística requer tanto esforço concentrado, tanta necessidade de isolamento, tanto esforço de introspecção como o que tem sido empenhado através dos tempos na elaboração do grande patrimônio literário de que hoje dispõe a humanidade.
É possível que os freqüentadores de feiras de livros, bienais, viradas culturais – esse tipo de coisas – estranhem estas palavras se delas por acaso se inteirarem entre bocados de pizza e churrasquinhos, nos entre-goles de refrigerantes diets e de uma visita à jaula dos macacos. Para esses, “escritor” será certamente apenas sinônimo de aureolado, adulado, endinheirado: os “vitoriosos”. As imensamente invejáveis celebridades do momento, fabricadas e maquiadas ao gosto das circunstâncias pela mídia e pelo marketing, no mundo todo.
Das quais este livro não se ocupa. Ele pretende apenas, em pinceladas um tanto rápidas e contidas na precariedade do exercício do jornalismo literário de meus últimos quinze anos, extrair da biografia de alguns escritores brasileiros elementos que nos permitam desvendar os mistérios da criação artística que eles conseguiram levar adiante em meio a circunstâncias muitas vezes difíceis – impossíveis, quase. Quer as produzidas pelas determinantes da própria sociedade e do tempo em que viveram – preconceitos, incompreensão, pobreza, injustiça social – quer as mais profundas, derivadas de suas próprias limitações genéticas e temperamentais. Seres humanos que conseguiram, porém, superando escolhos e se infiltrando entre espinheiros bravos, executar aquele tipo de programação que um grande e solitário escritor, Guimarães Rosa , estabelecia: “A vida como gráfico, como o histórico de cada um de nós, como gradual solução de um problema muito sério, que cada um nasceu com ele, próprio e seu, e tem de ir, tateando e roendo, a trabalhá-lo, como um bichinho de goiaba, até conseguir-se fora da fruta.”
É dos hoje chamados “escritores literários” que nos ocuparemos aqui – de Mário de Andrade, Clarice Lispector, Cecília Meireles, a Euclides da Cunha, Lima Barreto, Caio Fernando Abreu, Hilda Hilst e Antonio Carlos Villaça, entre outros. Daqueles seres cujo extermínio progressivo já denunciava, aos 81 anos, J.J.Veiga, em 1995, em palestra pronunciada na Biblioteca Mário de Andrade: “Olhem bem para mim, prestem bem atenção em minha fisionomia, em meu tom de voz: eu sou uma espécie em extinção - um escritor”. Do atordoado ser que, se ainda não extinto hoje, estertora em meio à enxurrada editorial quantitativa que é despejada cotidianamente por todos os meios tradicionais ou up-to-date midiáticos, sobre a sua cabeça – enquanto tenta, qual Camões, salvar-se do naufrágio mantendo intacto o manuscrito dos Lusíadas fora das águas.
Daquele ser que parece estar mergulhado, sempre, na compulsão de uma criação cujo mistério chega a desafiar até mesmo um dos maiores escritores da atualidade, Gabriel Garcia Marques, que pergunta: “Que tipo de mistério é esse, que faz com que o simples desejo de contar histórias se transforme numa paixão, e que um ser humano seja capaz de morrer por essa paixão, morrer de fome, de frio ou do que for, desde que seja capaz de fazer uma coisa que não pode ser vista nem tocada, e que afinal, pensando bem, não serve para nada?”



(*) Este texto é a apresentação de meu livro de artigos sobre literatura brasileira, “Profissionais da Solidão”, que deverá ser lançado ainda neste ano pela editora Ourivesaria da Palavra, de São Paulo.

12 outubro 2010

TIVE UM SONHO ESTRANHO - FINAL [BRAVIDEIAS II]




TIVE UM SONHO ESTRANHO - PARTE III
Por Marco A. de Araújo Bueno

(...)
Ocorre que, ao adormecermos, desligamos, por assim dizer, a porção nobre do
cérebro (no Sistema Nervoso Central) responsável pela racionalidade dos nossos atos, pela vontade (volição), pela consciência e pela tomada de decisões, entre outras atribuições. Por outro lado, como numa troca de grandes usinas de força, ativamos o Sistema Nervoso Periférico que manterá em funcionamento os batimentos cardíacos, por exemplo, e toda a musculatura lisa do corpo. Entramos então em sono profundo e, na seqüência, no sono do sonho – o Sono ‘Rem’ (rapid eyes moviments).
É neste que, do ponto de vista psicodinâmico “repassamos” acontecimentos, sensações e percepções vivenciados no período de vigília, sucedendo que, entre estas imperceptíveis ocorrências, as que lançaram alguma questão psicologicamente significativa ao nosso registro inconsciente, receberão um tratamento semelhante a uma narrativa ficcional calcada numa figurabilidade especial. Costumo usar em consultório uma observação citada também por Borges (1976) e atribuída a Joseph Addison (num ensaio de 1712) segundo a qual “... a alma humana quando sonha, desligada do corpo é, há um tempo, o teatro, os atores e a platéia”. Borges acrescenta que é “... também a autora da fábula que está vendo...” Sobre a referida figurabilidade é necessário esclarecer que o tratamento dado ao material psicologicamente significativo já aludido (para que continue “latente” e censurado pelo consciente) constitui-se de algumas operações de natureza lingüística (metáforas, ou, analogias condensadas, e metonímias, tais como tomar“ a parte pelo todo”,“o objeto pela pessoa que o usa”, o “continente pelo conteúdo e outras) e, por vezes, imagéticas.
Para ilustrar esse mecanismo, menciono um desenho a mim oferecido pelo meu
filho em que, a cabeça de um presumido homem asiático, aparece transpassada pela figura de uma aeronave civil, de ponta a ponta, seguida no plano seguinte por uma alusão estilizada às torres gêmeas recém (2001) atingidas em Manhattan. No balãozinho, a inscrição: “Saiu da cabeça dele!”. Neste caso, uma metáfora inscrita num grafismo,..”como se” o avião a que alude o desenho ter-se-ia materializado e condensado na abstração de uma idéia... a de arremessá-lo!
Se estiver claro que, para defender-se de uma emoção negativa ou ameaçadora de medo ou aflição, o nosso inconsciente transforma, edita ou deforma o material latente até que ele possa ser resgatado pela memória consciente e
experenciado pelo sonhante (pra diferir de “sonhador”) como algo estranho. Então podemos afirmar que através de um bem sucedido trabalho de distorção e disfarce, o sonhante não teve seu sono interrompido e a narrativa do sonho deu certo; funcionou. Quando, aliás, não funciona, temos os aterrorizantes pesadelos - os sonhos mal elaborados, os que nos fazem despertar subitamente numa angústia horrível (proveniente de nossos censurados afetos e suas representações.
Pensando assim, tecnicamente, pesadelos são sonhos que não deram certo. Mas... se nos embrenharmos distraidamente, e mais uma vez, nas reflexões de Borges (1976):- “(...) e se os pesadelos forem estritamente sobrenaturais? Digamos que fossem fendas do inferno. Dentro dos pesadelos, não estaríamos literalmente no coração do inferno? Por que não?



REFERÊNCIAS

BORGES, Jorge Luís. Libro del sueños. Buenos Aires: Torres Agüero, 1976.
FREUD, Sigmund. Obras Completas. Trad. Luis Lopez Ballesteros de Torres. Madrid:
Editorial Biblioteca Nueva, 1972. (Titulo original: Die Traumdeutung)


11 outubro 2010

Apresentação do Tanca

Segue abaixo uma apresentação que fiz para meu blog Hai Kais sobre a história do tanca, um estilo de poesia oriental BEM anterior ao haicai.

Espero que gostem ;-)


Esta não é uma pesquisa finalizada: aceito sugestões, críticas e outras referências para tornar este material ainda mais completo.


Você pode fazer o download da apresentação clicando aqui.

10 outubro 2010

TIVE UM SONHO ESTRANHO - PARTE 2

[CRÉDITOS PARA ILUSTRAÇÂO NA PARTE 3, DIA 12]



TIVE UM SONHO ESTRANHO -continuação

Por Marco A. de Araújo Bueno




Quando nos deparamos com a afirmação de que o sonho cumpre uma funçãopsíquica, via de regra, nos surpreendemos. Afinal, para que serviria sonhar com, digamos, um homem com cabeça de borracha; ou com uma cobra, além de aproveitar para fazer uma fezinha no bicho? Pois bem, Freud (1972) afirma ser o sonho “... a via régia para o inconsciente...”. Nós, psicanalistas, gostamos de contar com isso. De fato, contamos; e isso movimenta o pêndulo do afloramento das significações no contexto da relação com nossos pacientes. E fora deste contexto mais específico, para que serviria esse monstro horrendo que invadiu com sua horripilante e grotesca figura o mais íntimo do meu recolhimento – o meu sono
Bem, para início de conversa, ele não invadiu, foi, pelo contrário, convidado a, se instalar e cumprir toda uma alegórica tarefa. Ele aí estaria para representar algo que me aflige, sem que o perceba com nitidez, mesmo em vigília. Não se trata de uma equivalência de símbolos, mas de uma complexa linguagem cifrada dentro da qual, no exemplo da cobra, acima mencionado, eu poderia estar aflito com alguém ou alguma situação que me “cobra” isso ou aquilo. Também não se trata de alguma alucinada sopa de letrinhas; ainda que analistas ditos “lacanianos” sublinhemos que o inconsciente se estruture como (ao modo de) uma linguagem.
Para não adicionarmos alguns complicadores de natureza teórica, recorro ao
discernimento poético de Borges (1976) o genial escritor argentino, quando comenta [Coleridge2:] “... as imagens da vigília inspiram sentimentos, ao passo que no sonho os sentimentos inspiram as imagens (...). Se um tigre entrasse neste quarto, sentiríamos medo; se sentimos medo no sonho, engendramos um tigre.” Ou seja, para entender ou digerir uma aflição ou um medo que, evocado por uma determinada experiência de vigília (“resto diurno” como a definiria Freud) sobrevenha em pleno sono, para continuarmos descansando pelo sono “... podemos projetar o horror sobre uma figura qualquer, que durante a vigília não é necessariamente horrorosa.” Eis aí a forma que encontrei para convencer pacientes a superar o embaraço inicial do “estranhamento” causado pelos sonhos e passar a anotá-los.
Alucinatórios que sejam sempre trarão à consciência a preciosa dinâmica inconsciente subsumida pelos nossos mecanismos psicológicos de defesa. Se não os anotamos, o Inconsciente os “apaga”. Supondo agora que se desmistificadas algumas idéias errôneas a respeito do assunto, reste esclarecer aqui o próprio estranhamento experimentado ao acordarmos após um sonho dito...’estranho’.

09 outubro 2010

ALGUM LUGAR NA ETERNIDADE DOS MOMENTOS VAZIOS

Somewhere, algum lugar, algum momento, algum espaço, algum vazio. Somewhere é o mais novo filme de Sofia Coppola, acompanhando alguns dias na vida de um ator de sucesso, no intervalo entre produções, com a visita de sua filha. Nada acontece, só a vida. As horas passam e os personagens fluem pelos pequenos entretenimentos que conseguem encontrar para atravessar o tempo. Sim, a vida é feita de eventos particulares. Mas uma vida não pode ser saturada de eventos, isto levaria seus passageiros a loucura. A vida é em sua grande maioria composta dos espaços, dos longos espaços entre os eventos que a compõe. E esses espaços podem ser vazios, podem ser cheios de questões não respondidas: como a dificuldade de se conectar com as pessoas ao redor; como a dificuldade, de mesmo com todo o poder em suas mãos, determinar seu próprio caminho – não deixar sua filha se sentir abandonada; com a dificuldade de se determinar o que é a felicidade. Nada acontece, pois tudo acontece. Tomam banho de sol na beira de uma piscina.

07 outubro 2010

ARQUIVOS INCRÍVEIS DE JOÃO ANTÔNIO - NOTA



NOTA PESSOAL - ENGAJAMENTO D'OS ARQUIVOS"

Por João Antônio Bührer de Almeida


Esta é a única vez que coloco minhas posições políticas aqui nestes arquivos, peço-lhes desculpas por ter que vir aqui coloca-las. Tem um momento na vida que um homem deve assumir e dizer de que lado está. Não tenho a intenção de politizar os arquivos e muito menos cooptá-los. Mas diante do que vem acontecendo não tenho como não me manifestar. Não tenho um jornal nas mãos, nem um blog, nem um site , apenas minha intervenção pessoal. Em minha casa há um adesivo informando a toda a vizinhança que sou DILMA. Nas minhas relações pessoais eu deixo claro. E aqui não seria diferente. Penso que os amigos virtuais que recebem meus arquivos podem estar interessados em saber de que lado estou. ou então apenas para me conhecer melhor. Simplifico tudo dizendo o seguinte:VOTO NA DILMA E DISTO TENHA ABSOLUTA CERTEZA!.

06 outubro 2010

TIVE UM SONHO ESTRANHO - PARTE 1


ILUSTRAÇÃO: Por Alan Carline


TIVE UM SONHO ESTRANHO – I

Por Marco A. de Araújo Bueno

Área temática: Estudos Piagetianos & Psicologia Genética e Educacional © ETD. Educação Temática Digital, Campinas, v.7, n.1, p.107-111, dez. 2005 – ISSN: 1676-2592. UNICAMP/2006


É curioso como esta expressão precede quase sempre a narrativa de um sonho! Mesmo com pacientes acostumados a sessões de análise onde se procura, depois de minuciosas explicações introdutórias, “desconstruir” essas engenhosas e intrigantes formações da alma.

Não é por falta de espírito científico também, que emprego aqui esta palavra; ela foi eleita pelo Dr. S. Freud para designar o teatro das operações dos fenômenos psíquicos.

Não esperem cientificidade destes meus comentários. É que proponho apenas, enveredarmos juntos pelos fascinantes meandros da cotidiana função de... sonhar.

Não queira, leitor pragmático, convencer-se de que não sonha; nem, leitor romântico, confunda o sonhar com almejar ou idealizar. Como já estabeleci antes, trata-se apenas de uma função psíquica, imprescindível à saúde da alma, tal como o dormir o é para a saúde do corpo!

Retomando o emprego da palavra alma, originalmente proposta pelo pai da Psicanálise, é interessante constatar que, foi por ocasião da enlouquecida investida nazista, quando não só os judeus e homossexuais foram perseguidos, mas, também as idéias “exóticas” e a obra de Freud, que estas, entrincheirando-se na Inglaterra e fugindo da fogueira foram revestidas por um criterioso e “mentalista” manto de cientificidade, dando origem às difundidas palavras anglo-latinas “ego”, ”id” e “superego” em lugar de “eu”,
”isso” e “supereu”.

É, portanto, da sua e da minha alma cotidiana que nos ocupamos em desvendar. Menos , em tratar aqui com um prudente afastamento do divã. A propósito, quando o Dr. Freud percebeu que, a julgar pela indiferença e desprezo da comunidade científica da época por seus achados teóricos, estaria pregando no deserto ou falando às paredes que deslocou o eixo de sua escritura, voltando-a humildemente em direção ao grande público ávido, desde sempre, por conhecimentos dessa natureza. Fracasso de crítica (pelo menos, da academia médica) estouro de vendas, o seu “Die Traumdeutung” dobrou o novo século festivamente acolhido pelo leitor leigo, tal como aconteceria com um outro texto fundamental para a Psicanálise. Citei o nome do primeiro em alemão em vista da duplicidade e abrangência de sentidos: "A interpretação dos Sonhos” sugere tanto que os mesmos sejam passíveis de interpretação quanto que funcionem como chaves de interpretação da própria vida anímica, ou seja, da alma literalmente – “seelen" (alma) e “lebens" (vida, existência).

Era esta a idéia: os sonhos podiam interpretar ou lançar luzes sobre os subterrâneos da motivação humana. Esta obra é amplamente apontada como sendo a certidão de nascimento de uma nova teoria e prática clínica que atravessou todo o século XX, ora mais encastela da nas ortodoxias excludentes das Sociedades Psicanalíticas, ora banalizada nos manuais da cultura de massa ou até despersonalizada pela Psicologia do Ego norte–americana. Entretanto, foi assim que a genialidade da obra sobreviveu ao impiedoso vaticínio, segundo o qual, a teoria de Freud continha elementos relevantes e originais; porém o que tinha de original não era relevante e o que era relevante não tinha originalidade.

05 outubro 2010

SAPATOS VERMELHOS

SAPATOS VERMELHOS

Por Bia Pupin


Vestiu os sapatos vermelhos, esperando que no caminho encontrasse algo de especial. Preocupou-se demasiado consigo mesma, já que crescia em segredo, um temor que a distendia, quebrava e deformada. Não da morte, e nem de sofrimentos tinha medo, mas sim, daquilo que não conhecia.
Talvez quisesse chegar a algum lugar, mas sem perceber ficou por ali, e sem entender como chegou.


PS.: Renata anda meio perdida, mas nosso blog está no caminho certo....Por isso, contamos com o apoio dos nossos leitores:

Amanhã acaba o 1º turno do prêmio TopBlog 2010, e o blog De Chaleira está concorrendo. Por isso, pedimos os votos de vocês para que, não só o blog, mas esta forma coletiva de se produzir arte, ganhe visibilidade na blogosfera.

Para votar, é muito rápido. Basta clicar no link abaixo, depois no botão "Votar". Você, então, digita seu nome e o seu email, para que eles enviem uma confirmação. Cheque sua caixa de entrada (ou de spams) e confirme seu voto através do email que o pessoal do Top Blog enviará.


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Os colunistas, gratos, não tem palavras...

04 outubro 2010

LOCATÁRIO



Moro em um lugar
que tomei do mato,
mas o mato
tomou todo o lugar.

Fui embora!
Embora, ficar...
Por que ficar?

Sair do lugar
ou talvez
alugar.

.

03 outubro 2010

FLOR DO CAMINHO

FLOR DE CAMINHO

Por Cássia Janeiro


Há de nascer uma flor de lótus
No meio
Do caminho.



Há de nascer uma flor de lótus
Permanente
Para que a gente suporte,
Para que a gente se importe
Com o que está à nossa frente.

Há de nascer uma flor de lótus
Permanente
Para que a gente suporte,
Para que a gente se importe
Com o que está escondido,
Longe do nosso umbigo,
No mesmo cordão umbilical.


Há de nascer uma flor de lótus
Permanente
Para que a gente suporte,
Para que a gente se importe
E não ache mais normal
Ver criança no sinal,
Sinalizando a lembrança do que
Não teve,
De quem não chegou a ser.

Há de nascer uma flor de lótus
Permanente
Para que a gente suporte,
Para que a gente se importe e
Lembre:



O caminho do meio
Não é
O meio do caminho

02 outubro 2010

Fria

Pedrada de gelo levou quando recém-nascida. Muito sem fala para pronunciar-se pagã, acabou com a testa imersa em tigélida de batismo pela mão onanista do padre. Não reza a lenda, não leva a fada, só se sabe poeta de um absurdo sem fim. Do mundo, começou amando quem a desamava, mas acabou mais odiando. Do ódio passou a ter dessentimento; sem ti, vento, nem água. Estalactite na alma: ponteaguda e cortante a quem considera seu tudo ser um nada. Agora ela vira a cara. Sem ter duas.


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