31 maio 2012

FAMÍLIA VIRTUAL



Hoje é tudo banal, é sem cor, é sem sal:
As pessoas são vãs, não se importam com nada,
Até mesmo se o Cão se traveste de “Prada”,
Se o Cordeiro é ateu, se o pensar é mortal.

Hoje tudo é tão vil, é sem dó, sem limite:
As pessoas são vis, individualistas,
Até mesmo se são mal taxadas de autistas
Não se importam: - Só vale é ficar nas elites.

Hoje tudo é brutal, é dinheiro, é novela:
As pessoas são “Bis”, sempre iguais, são bovinas,
Até mesmo por que: são modelos, são belas.

Hoje gente é boçal, é notícia, é balela:
As pessoas são sós, cheiram mais cocaína,
Até mesmo no espelho há... heróis só na tela.

30 maio 2012

29 maio 2012

TEJO



                                                        (Para a Minguante, publicação lisboeta voltada à micronarrativa, este 'deca', fora copidescado ?)


Tejo

Podia nadar, fazer regata. Hoje posso não jogar lixo nene...

Por Marco A. de Araújo Bueno

{O microconto original tinha, como título "Tietê" e terminava com a palavra "nele". Como o mote desta edição era "Fado" achei simpático substituí-lo pelo tão pessoano nome do rio Tejo, "que não passa pela minha aldeia".Mas o que não passou pelo revisor foi "nene"...Também não publicaram na falecida sessão "MICROTEORIAS", congelada há muito, o fragmento teórico da minha tese de doutorado ("Brevidade e Epifania na Micronarrativa Contemporânea") enviado já para edição anterior, e não publicado. Esse lugar de produção teórica da internacional e única revista de micronarrativas, tão prolífico que o desejamos -será que não apostavam mais "nene"? Todavia, confira-se o Fado (sem lapsus aqui; aqui não!) no :www.minguante.com

27 maio 2012

VÍCIO


Vício




Fumava com prazer e culpa. Baforava contra a vidraça da janela para ver e não se esquecer da beleza disforme da fumaça do cigarro. "Mea bela culpa".
Que meu pai me perdoe pelo desgosto do filho fumante e fedido. O prazer do cigarro ainda me preenche vazios e ilumina as noites escuras e silentes. Sinto que será assim por um bom tempo, quem sabe por todo o tempo em que eu ainda estiver por aqui vegetando da forma como escolhi, cercado por vidraças sujas de poluição e portas trancadas, longe do mundo lá fora, cárcere voluntário interrompido raramente e somente por visitas sexuais.
Abano o ar com a mão após apagar a bituca. Me remete a adolescência rebelde de fumante oculto. Mais um vício além do fumo, intimamente ligado a ele. Sou um homem de vícios.
Meu cabelo cheira fumo, assim como minhas roupas, meu hálito, meus pelos. A maioria das mulheres não gosta. Reclama na hora do sexo, me fazem tomar banho e escovar os dentes antes de cravar o pênis em seus orifícios melados. Eles fedem tanto quanto eu e isso, somado ao tempo perdido no chuveiro e na pia fazem meu pau cair. 
Agradeço sempre que posso a proteção que me é oferecida pelo odor do fumo nos lençóis, toalhas e cortinas, que encurta o tempo das visitas íntimas. Mulher depois que goza é um saco, despenca a falar da vida como se a gente quisesse mesmo saber da merda do cotidiano fútil delas, como se isso fosse provocar uma maior aproximação e intimidade e quem sabe, reservar um próximo encontro.
Contra isso, nada melhor e mais providencial que uma bela baforada de cigarro, companheiro este que substitui rapidamente e com extrema elegância a lastimável presença feminina após o sexo.
Desta forma permito-me novamente afundar o corpo entre meus lençóis nicotinados, sempre com os olhos voltados para a vidraça da janela fechada que contra a luz natural do amanhecer transforma minhas baforadas em poesia.

25 maio 2012

24 maio 2012

AU CLAIR DE LUNE


Au clair de lune



À luz da Lua, peço que Pierrot me empreste sua caneta para que eu possa escrever uma palavra, só que não posso escrevê-la, porque não sei traduzi-la ao certo. Pierrot, generoso, empresta-me caneta e palavra. Agradeço, pois, Merci Pierrot! Não satisfeita, aflita por não saber me ler, peço ainda que Pierrot, au clair de lune, apprends-moi!

A luz da Lua deve mesmo ser muito perspicaz, afinal, ensinar como escrever nas entranhas do afetar e ser afetado não é uma tarefa fácil. Uma lágrima escorre no rosto daquele que empresta a caneta, saberá, ele, traduzir? O que se traduz na tradução? A palavra, a escrita, o escritor?

Na verdade, não é a tradução propriamente dita, enquanto procedimento linguageiro que atrai, tal processo é capaz de trair aquilo que o texto guarda consigo. Mas qual é a fidelidade buscada? Ela se remete à palavra, à escrita, ao escritor?

Que Pierrot me desculpe imensamente, não preciso de suas palavras emprestadas, devolver-te-ei todas. Para que realmente consiga me ler e escrever de forma apaixonada, eu, Colombina, preciso do Arlequim.

23 maio 2012

INVENTÁRIO: A SOMBRA DA ESCRITA

Por Cecília Prada

Estou sentada aqui, na margem deste caderno – não está me vendo? Essa senhora estafada, língua de fora, veio correndo, coitada, pelos prados (e desfiladeiros) literários. Ela se deixa cair à margem da estrada.

Desacorçoada (que é palavra antiga, de avó, com gosto de cará, caroço e batata-doce.)

A mão em pala no sobrolho, procuro divisar o que vim reunindo nestas páginas, entre suspiros, miçangas, grades, arrebóis e sonhos – bem vividos ou desfeitos. O material que escolhi dentre as pilhas de pastas, cadernos, arquivos de computador – de mim, minhas histórias, pedaços.

O que tenho nas gavetas da escrivaninha da memória e do Ser, mais de mil páginas assombradas que farão dentro de alguns anos o desespero das arrumadeiras. Ou o júbilo de algum possível descendente interessado em fósseis literários, avós que gastavam o tempo em escoimar lembranças e fazer rabiscos.

- Deixa eu ter perguntar: de-sa-cor-ço-a-da (risos) por quê?

- Ham. Quanto mais se escreve, mais se pode ver o que não se escreveu. A sombra da escrita, os fantasmas que se esgueiram pelos vãos da escada, desvãos, dejetos, resíduos que depois...

- Direto aos fatos. Não se embrome em palavras.

- A intensidade. Não os fatos. Não se trata de relatar mais fatos. Mas sim de empapá-los com seu verdadeiro molho. Digo, por exemplo, quero dizer: da condição da mulher da minha geração extrair um detalhe que me faz pensar – a absoluta falta de exemplos de mulheres profissionais bem sucedidas, na minha infância.

Visito, na penumbra da memória, cenas da infância, lugares públicos, eventos – detecto neles, com a mesma estranheza de outros tempos, que eram cenas de convívio entre homens, só. Visitem-se as fotos que todas as famílias guardam, em álbuns poeirentos...minha cidade, São Paulo, que já era “o maior centro industrial da América do Sul” naqueles anos 1940, como se assemelhava então a esses ambientes urbanos de países ainda bem atrasados, muçulmanos, onde a ausência da mulher está ostensivamente exposta – ainda.

Lá, eles ainda decapitam, apedrejam, enforcam mulheres, enquanto, entornando canecões de cerveja, governantes de outros países sacodem os ombros dizendo “não temos nada que ver com isso, cada povo tem seus costumes, é uma questão de soberania nacional”...

22 maio 2012

AMBIGUIDADE - 2 fragmentos de uma Ode descontínua


A TEOFANIA
parte 4

a - [fragmento inicial, 1a e ss.]

Ai,
se um anjo, um passarinho
qualquer, 
Substantivo Abstrato,
pudesse bordar no chão
de penas
pra você pisar!
......................
...

acima, o tapete de penas


b - [fragmento final, 264h e ss.]

.................
.........
Vou chutar
sua boca
vou chutar 
vou chutar 
o tampo do bandolim,
Substantivo Hiper-Real,
pra você 
gostar de mim.



21 maio 2012

LIXO ORGÂNICO

Por Guilherme Salla







Uma caixa cheia
de panos sujos
na churrasqueira.

Cheia de sacos
de lixo cheios.

Os panos
que os cães
roeram eram
um lençol.




.

20 maio 2012

Gabriela

GABRIELA

 Por Carmô Senna

egon schiele

Era o peão ou os reis no jogo? Não sei! Sentia-me muitas vezes os diversos prismas, o peão, os reis e a mão que movia as peças. O jogo sempre começa com um oponente a altura, alguém que mexa cada um dos ícones como regendo uma sinfonia. Destoante musicalidade de escolhas. SER E NÃO QUERER SER, não é uma questão shakespeariana; é minha questão de movimento. Meu oponente sou eu. Uma das minhas múltiplas faces me enfrenta neste momento de jogo. Sutil, mas um jogo inteligente e extremamente perigoso. É bom dissecar o outro, mas não gosto de dissecar a mim.

O quarto é extremamente pequeno e vou desenrolando o novelo vermelho e ligando os pontos num emaranhando de aforismos. Minha teia de aranha de nevoa vermelha, meu rastro de lã contra minotauros, minha dramática morte profetizada. Tudo não passa de matemática, cada lance que avanço e recuo são calculados como o simples “2+2”. Mas, odeio contas precisas, a perfeita mágica numérica onde provamos que zero significa zero. Odeio a exatidão das escolhas, odeio olhar para uma equação complicada e achar uma resposta simplificada, mesmo contendo um infinito de possibilidades nesse zero absoluto. Eu quero o não absoluto, o inexplicável, o degenerado modo de minha mente produzir o mapa das esquizofrenias nossas.

Não compreendo o que me coloca distante e contempla sem uma adoração, sem um fetiche que me drague. Olho o outro com atenção científica, mas não sei discernir o que move essa permanecia muda. Sou sempre tão movida a querer um detalhe; mãos, olhos, vozes, pedaços do corpo que ao encaixe violento com o meu fragilizado provoquem orgasmos. O que seria então o orgasmo do vento? Essa duplicidade de paz sem violência, mas violento embate dos meus? É tão extremamente herege esse tipo de sensação, correr para o não palpável, para o cerebral modo de encantamento do século XVII, a sutileza cortês de cortejar o romance com romance, um modo delicado de levar prazer ao outro. Como se do ato de suspirar, respirar e tocar fosse uma extensão de atos não consumados que são imaginados pela parte doente do canto oposto da mesa.

Aos meus pés o cão faminto leva embora o sono, mastigando a curiosidade que de mim advém como qualquer fogo mal extinto. Olho! Espreito o abismo, que meu corpo nu é e a lua desvela, revelando as pressas uma vontade de viver o minuto passado ao redor de flores raras.

Que lua esta perdeste anã sobre o encanto da bruma? Cor, que guia minha dor de dias, onde a guerra fria deflagra sobre a minha cama, grande inquietude. Cada livro-bomba recai na cabeça monástica como um asteroide vindo de parte alguma. Se eu morresse essa noite pós esse jogo uno, cada pedaço meu estaria espalhado em estrelas-papeis. Expondo as partes mutiladas que outrora se faziam inteiras no quarto d’outros. O meu passado é uma Alexandria em chamas no fundo do oceano. E eu um aquário de  fumaça. Carregando com isso meu coração plutônico à inanidade da falta de fome, tornando cada dia o pretérito imperfeito na lembrança. Um estado consciente de vontade de encaixe e preenchimento impreciso e fragmentário. Acho que em mim, foi, e de ti sobram castelos assombrados, ei de contentar-me a assistir teus impérios longe dos meus, por tempo infindo até que a consciência sobreponha o antigo e lave o sol com minhas lágrimas áridas. Ei de arriscar o jogo, ei de arriscar na nevoa. 


19 maio 2012

Nau Frágil

Conjuga o verbo amar, depois me julga. 
Joga areia no olhar e marefica. 
Tira onda do andar que eu não nado. 
Navegar é vida, a morte é âncora.


Por: Paola Benevides

17 maio 2012

CAVALO CAUSA CALO



(Intertextualizando com o amigo de versos Alvaro Posselt)
Mote




Não suba no meu cavalo
Que vai dar tamanha asneira,
Se não for no seu embalo
No chão vai comer poeira.

Glosa
No chão vai comer poeira
No cavalo quem subir,
Tendo ou não boas maneiras
Bem melhor não insistir.

Se não for no seu embalo
Logo asneira sem tamanho
Haverá entre outros calos
Muito mais perda que ganho

Que vai dar tamanha asneira.
Não se embale se não for,
Nem se embale na besteira
De subir e causar dor.

Não suba no meu cavalo
Pois poeira sai do chão
Ouça bem o que lhe falo
Não insista, insista não.




16 maio 2012

TROVA


Desenho por Felipe Stefani


TROVA

Por Alvaro Posselt


Não suba no meu cavalo
Que vai dar tamanha asneira
Se não for no seu embalo
No chão vai comer poeira

15 maio 2012

DECA EM DUAS PARTES - DESERTOR NO DESERTO



                                                     Desenho por Felipe Stefani

 Desertor no Deserto*

Por Marco A. de Araújo Bueno


PARTE I


Doze anos, palestino fronteiriço, dois de treino. Paramentou-se: explosivos, celular...


“Desertor no Deserto” – PARTE II

Ao toque, sacou dispositivo junto. Sucumbiu; deserto. Tel-Aviv/paraíso - Doze km!

*Título: "Desertor no Deserto" (inspirado no filme "Paradise Now", de Any Abu-Assad-2005")
Autor: Marco Antônio de Araújo Bueno

[Comentários de Marco Antônio de Araújo Bueno:

Para a minha Coluna - BREVIDADES - - Microconto de dez palavras dividido em duas partes. Cabe ao leitor, diante das circunstâncias históricas recentes, planejar seu próprio modo de recepção da peça. Para tal, deve programar o distanciamento ideal entre as leituras das respectivas partes (I e II) do microconto e não se deixar iludir, seja pela extensão, seja pelo teor da matéria narrada. Conjecturas avizinhadas são oportunas. ]

13 maio 2012

SORVETE DE CREME

Sorvete de creme

Bacharelado em Direito: cinco anos. Exame fudido da OAB para exercer a função de advogada. Quatro anos de experiência na advocacia para provar habilitação. Concurso Público pra Magistratura Estadual. Experiência mínima de três anos no exercício da advocacia.

Após aprovação em Concurso Público para o cargo de Juiz Substituto, um período na escola de magistratura para aperfeiçoamento. Substituiu o juiz titular da Comarca ou Vara federal onde havia muita demanda judicial. Assumiu a titularidade da Comarca, conforme sua habilitação criminal.

Meritíssima. Classe. Poder. Status. Respeito.

Para exercer sua função no fórum, passava por três andares. Não cumprimentava ninguém que encontrasse pelo caminho que não tivesse o mínimo de classe, estudo e uma situação financeira razoável, mesmo assim o fazia com absoluta frieza e cordialidade.

Por baixo da toga preta algumas coisas que as pessoas não vêem e nem imaginam, mas existem. Sexta-feira era o dia da calcinha fio dental de oncinha que ostentava pequeno laço na bunda, combinando com o sutiã (nunca repetia as cores, sempre uma pra cada dia). Na coxa o fio dourado, para destoar da toga. Sempre de sapatos de salto fino fechados, pra esconder o vermelho do esmalte que provocavam em seus pés uma aparência semelhante a pequenos cachos de pimenta.

O louro do cabelo se destacava sobre a toga.

Respeito.

Ela julgava. Ela decidia.

Em casa um marido do casamento bem sucedido de 15 anos. Médico Ginecologista. Sua vagina estava sempre em ordem, ele prezava muito por ela, afinal era a vagina da sua mulher, tinha que ser limpinha. Comia de vez em nunca, mas prezava pela saúde da danada. Na verdade apreciava mais examiná-la que comê-la.

Respeito.

No fórum, ela preferia a pica rançosa e fedida daquele faxineiro que não tinha nenhuma noção de higiene. Ele já sabia... Sempre muito atento aos intervalos, logo que a via sair mexendo a bunda solta por baixo da toga, dava uma leve coçada no saco, ajeitava o pinto dentro da calça do uniforme e seguia para o banheiro masculino. Ela entrava depois, mandava ele para o reservado de deficientes e socava a língua na boca banguela dele. Era a primeira coisa que fazia. Passar a língua naquela gengiva desdentada a melava no mesmo instante. Ajoelhava no chão mijado e enfiava o cacete rançoso na boca até a garganta. Chupava com gosto, estalando os beiços, como se aquele pau sebento fosse um sorvete de creme. Chupava até vê-lo brilhante, vermelho e bem duro, só então levantava, empinava a bunda e oferecia a buceta saudável pra pica podre. Valorizava a profissão do marido. Ambos sorriam. Ela com dentes, ele sem. Ela fechava os olhos e abria a bunda, ele abria os olhos, afastava o fio da calcinha e enfiava de uma vez só, sem dó e socava com força. Ficava olhando o pau entrar e sair enfeitado pelo lacinho de cetim da calcinha. Aquilo dava um tesão fudido nele. Aquela vadia estudada e arreganhada mandando ele gozar logo para voltar ao trabalho... Puta. Gozava em três jatos e respingava três pingos sobre a bunda.

Ritual.

Respeito.

Ela julgava. Ela decidia.

Ele a fodia do jeito que queria.

Ela não julgava, nem decidia.

O ginecologista era limpinho e cheiroso...

Ela julgava e decidia.

Respeito.... À profissão do marido...

Os três pingos de porra secavam no decorrer do julgamento e faziam a toga grudar na bunda sentada.

Após bater o martelo saía rebolando o rabo, agora colado na toga. Ele fazia de propósito, ela sabia e gostava.

Ela não decidia, nem julgava.

Respeito.... Ao instinto.

11 maio 2012

A O OA


A o Oa


A espera
As horas

O infinito
O caos

Ser
Essência

O encontro
O toque

As almas
A unicidade

Segura!

09 maio 2012

UMA PERSONAGEM CHAMADA PALAVRA


UMA PERSONAGEM CHAMADA PALAVRA



Linguagem, é consciência das coisas.
Estranhamento do mundo, rabisco fino de esferográfica
pinçando a bruma da realidade.
Extraindo a alma da palavra – o espelho do discurso.

É caderno aberto em cima da mesa, permanente
                              – na madrugada.
É poder de penetração.
É desejo de ver o fundo.

Agreste, no descampado, a palavra.
Dissimulada atrás das cortinas do Tempo.
     Sobrepesante no que se exige, em demasia.
     A palavra: é a liberação.

     Palavra: esta é a minha personagem.

     É a única personagem que importa.
     Deve ser levada, destravada, dentro do escritor,
                             - pronta para o disparo,
     mais pronta ainda para a pescagem
     - é arpão, é persistente, insidioso instrumento de
                                             pesca ou caça.  

     As pessoas que não sabem, dizem:escreva, escreva sempre.     
     Não dizem o essencial: pense, sempre.
     É o pensamento que arma a palavra.

     Eu preciso de silêncio.
     É no silêncio que as palavras acontecem.
     Desovam, céleres, animadas. 
                              



08 maio 2012

TERÇA RIMA



A TEOFANIA
parte 3




Balidos, a estrela da manhã 
um vento bravo, as máquinas do êrmo.
Seu sogro, sacerdote em Madiã

nos vestígios duma trilha gemia, enfêrmo,
outeiros e penhascos. Ardia agudo
o espinheiro, enquanto, noutro têrmo,

doutros sóis, mil entranhas de lanudos
carneiros, apascentando Moisés
o rebanho de Jetro, viu em tudo

do Egito o espelho invertido, viu os pés
de Faraó nas pontas da omoplata
e debaixo da língua de Manassés. 







06 maio 2012

DiaDORim

brassaï

Era a múltipla face de monólitos esquecidos na caverna de ossos, que se mexia vibrante entre as veredas. Transbordava um vazio negro, tão profundamente indivisível, como se qualquer um que ali navegasse e encontrasse na madrugada sem luar, a junção do céu e do mar. Porque o mar às vezes é negro quando calmo, não sabia disso? É como estar navegando no espaço sem estrelas.

O sorriso que comportava essa explicação ocultava a dor da ausência de ser inteiro fazia-se vagar entre o chá servido, naquele pequeno espaço oriental, onde a dança lenta das xícaras e olhares fugidios temperavam o ar com perfumes, simplesmente para saber o que vai dar. Mas não era impregnado pelas cores vibrantes necessárias em diversos corpos feitos de tinta, No entanto não são apenas os caracteres frios de uma folha branca e a ponta de uma bic, acredita-se que era nesse meio que os corpos suspensos queriam estar.

Afastava meu pensamento do que desenrolava ali, naquele colchão, via de longe a mecânica se canibalizar pela vontade de preenchimento, mas ambos sabiam que seus vazios abissais o afastavam e os comprometiam a uma amizade, e não a uma possível paixão. Ele começara a querer o corpo dela, ela não queria corpos, ela queria não contemplar os abismos dela, estando com ele dentro, mas ele estava tão envolto em suas feridas maciças que ela contemplava seu negro escorrer assim como escorria seu gozo nas pernas abertas. Assim como chegava ao orgasmo, porque queria chegar ao orgasmo, mas sem amar o outro que ali dividia aquele momento. Não conseguira amar, não conseguiria mais. Pela primeira vez em anos, ela abria as pernas sem o peso das sentimentalidades, mesmo querendo abrir as pernas para um preenchimento sem amor, ela queria não observar as feridas, e não sair de lá mais puta que entrou, não transformando aquele outro em mais uma galáxia que era engolira.

Era inevitável, ela era a puta que foi ali gratuitamente abrir as pernas, ele era uma galáxia cheia de cor a ser dragada. Ela dragou, e caiu no seu abismo.


Mas todo o momento da queda, ela procurava brumas, o nevoeiro gelado que invadia as rachaduras, deixando seus espaços esquartejados preenchido de nuvens plúmbeas. No caminhar seguia-se o peso do retumbar das palavras de outros tantos corpos tatuados invisivelmente em sua pele, que cheirava a sexo, pele que não era a dela essencial, pele fragmentada e friccionada em amores expressos. Só, sua fuga era concreta, era inteira em seus pedaços e buscava mostrar-se assim, partidos para alguém que não tivesse o medo de olhar para o vazio. Ela foi, foi vazia de encontro às nuvens que permeiam desfiladeiros, ela caia e caia dentro de si, sabendo que o vento passava por entre as veredas, causando a sensação de enchente.

05 maio 2012

CHEIA

                                                                          Por: Paola Benevides


Ó, Lua! Pesa sobre mim tua redondeza como se eu fosse rua.
Deixa eu ser teu asfalto de mar iluminado por teu farol imenso.
Quero o ar suspenso, mitigar o fôlego num beijo entre-nuvem.
Seremos cúmplices do que for eclipsado.

Ó, Lua! Faz de meu espírito o teu sol de reflexos multicolores.
Prisma de maré a alternar mulher em seus ciclos com lobisomem.
Somem contigo aqueles pássaros que carregam meu peito no bico.
Dá tua cor a meu leite pasárgado.

Ó, Lua! Saia para jantar com a noite à luz de estrelas, velas de barco.
Navegue pelo vinho da saudade e me saúde com alguns versos.
Submersos no equilíbrio, tu e eu tão próximos, satélites aos saltos.
Serei tua Krakatoa nesse perigeu lunático!


03 maio 2012

NO VENTRE DA TERRA






Por Marcelo Finholdt  

Sempre imagens vão... quando a vista cerra,
Sempre foram, sempre assim, sempre, sempre.
Sentimentos: nascem, morrem no ventre...
Sentimentos vão... pois a Terra enterra.

Sempre enterra a Terra... com ou sem sol,
Sempre assim, sempre sem mácula alguma.
Sentimentos: correm, voam são plumas... 
Sentimentos são... o sol no arrebol. 

Sempre o fim gera à Terra outro ser adubado,
Sentimentos não são transportados no vento,
Sempre assim vejo mesmo o final deste lado. 

Sentimentos são bons, mas são só de um momento,
Sempre assim... mas se vão a outro canto estrelado 
Sentimentos se vão, mas aqui sim: cinzento...

02 maio 2012

01 maio 2012

BUTÃO E LULLISMO




Butão e lullismo


                                                           Em atenção à auspiciosa entrevista recente do ministro Singer.


                                            DESENHO POR - Felipe Stefani



Pensava no Butão, no Reino do Butão a sete mil metros de altitude, lá nos Himalaias do oriente, entre a China e a Índia, sem mar algum. Você pensou num montão de homofonias, é razoável. Inda mais assim, aproximado de um “ismo” tão recorrente presidindo correntes de idéias, associações de pensamentos e atitudes, essas coisas todas. Mas o “butão” aqui não é de se apertar como num controle remoto e implodir o eixo da Economia, tal como se imaginava com a “bomba”, nos tempos da guerra fria.
Mas vamos indo com calma, uma calma quase tibetana para lembrar que houve um mestre de capela, um compositor, nos tempos de Luis XIV e sua corte e as danças instrumentais de então, até porque, em nossa macroeconomia, não se dançou conforme a música, tenha sido qual for no tempo recente. O nome dele – Lully –, seus seguidores – “lullistas”. Eis o que torna razoável alguma confusão, esta que já vai parando por aqui. Mesmo tendo em conta que as danças que Lully “inventou” para a abertura de suas óperas, aí sim, eram tão populares como as cantigas de rua do século dezoito.
E daí? Daí que, durante toda a Idade Média e até mais adiante, já no período renascentista, as danças eram a única forma de música instrumental e os instrumentistas que acompanhavam os dançarinos eram “classificados” como músicos do povo, meio “desincluídos” da categoria de “grandes” músicos. Então, se era em inclusão que pensava (e, convenhamos, só pode haver inclusão se houver inclusão na Economia, com toda essa conversinha de “respeito às diferenças, etc.), então voltamos ao Butão e pronto.
No Reino do Dragão, como é chamado, instituiu-se, a exemplo do “IDH” (Índice de Desenvolvimento Humano) enquanto baliza da saúde econômica de um povo, pois lá se inventou o “Índice de Felicidade”. E nem por isso deixaram de incorporar a ele o carcomido “PIB” e outros indicadores econômicos. Soa como música, pois não?
Agora veja você, aliás, esqueça o “veja” – ouça você no que deu toda a movimentação fervorosa dos alunos e seguidores de Lully: deu nesse gênero a que se chama “suíte para orquestra”, o mais livre e mais aberto da música barroca; coisa sofisticada, difundida pelos franceses em toda a Europa até chegar à matemática musical de um J.S.Bach! À harmoniosa depuração da alegria dos sentidos e não há neurocientista honesto que o possa refutar.
Claro que as pessoas do século dezoito não dançavam ao som das suítes instrumentais, mas o gênero suíte para orquestra conservou a medieval função recreativa da música de dança e, curioso: de tão utilizada como música de fundo em suntuosos banquetes, passa a se chamar, na Alemanha, Tafelmusik que quer dizer, saberia você? Quer dizer exatamente “música de mesa”.
Mais do que há dez ou quinze anos atrás, se nos impõe agora uma pergunta; mais que isso, - um questionamento - aquele que se tornou, a nós, bem pertinente, e justo pela via musical: - “Você tem fome de que?”.
A propósito, a ceia no seio da sua família...Que ceia?
E isso de “inclusão”...Que seio?
E “que família?”, perguntaria. Não.
Não perguntaria
Que algo de Butão “seja aqui”, antes que aquele deserto enorme alcance a China. Se é que você acompanhou o raciocínio sobre o “lullismo” e não andou comendo algum “L” por distração...Ou pelo hábito, anti-lullista, de “ligar o botão do f...-se” para tudo que não lhe invada a soleira da porta ou lhe ameace de morrer de sede.

Related Posts with Thumbnails