10 novembro 2010

NÓS NA CAMA : SONHO LITERAL - I

FOTO - Por Celso Menezes [Literatura e Sonho]



NÓS NA CAMA - SONHO LITERAL

Por Marco A. de Araújo Bueno

'Dormir, talvez sonhar, então - escrever...'

F. Ficomeno A'Gollen


In O Bardo sem Arça; RU -Writers Ed./10




Por Marco A. de Araújo Bueno



Se me acompanhou até aqui, caro leitor, a culpa pela cumplicidade é do pronome pessoal - Nós-, que é também um substantivo. Nada pessoal, coisas da linguagem e mais alguma sacanagem (ou... ”lacanagem”, se Lacan lhe for algo familiar...) de cunho experimental, científico até, já que estou testando mais uma hipótese, com meu espírito de pesquisador lá no alto; coisa elevada mesmo, mesmo se tratada com humor. Freud, a propósito, é a minha referência predileta quando o assunto é o chiste, o trocadilho, a piada. Ele desmontou deliciosamente a mecânica inconsciente dos “ditos espirituosos” e demonstrou todo o engenho e arte demandados para liberar o riso. Isso, enquanto ia tirando os nós da cabeça de seus pacientes, os conflitos que, via de regra, apontavam para um lugar comum- a cama, este móvel no quarto onde nos deitamos e ficamos imóveis, e sonhamos ou fazemos outras coisas e mais outras, quando a nossa privacidade encolhe, ou a nossa “criatividade” torna-se, assim... prescindível.
A hipótese em questão é sobre o sono, a relação que tem com a idéia de morte, etc., e, aqui, todo o interesse que o título despertou é que corre o risco de encolher. Ou não, já que o sono nos mergulha numa obscura zona de prazeres, ainda que decorram da necessidade óbvia de se permanecer dormindo, sonhando. Aliás, dizia o próprio Freud- “O sonho é o guardião do sono”, e, até para as mais “neuras” das neurociências fica meio artificial derrubar esta premissa freudiana, tão original e tão avessa às técnicas de tomografia por pósitrons e outras aferições cientificamente... confiáveis.
E este é o lado bom da questão. O sono também dá nós, como bem o sabe até o bocejante leitor que, a esta altura da crônica, quer mais é mandar dormir o próprio autor e que leve o Freud dele pra cabeceira. Então, para não saturar o nosso já estressado cotidiano, deixemos de lado a morte e outras coisas que a gente não pode comprar e não porque estejam elas “pela hora da morte”. Esta benevolência carinhosa, no entanto, não abre espaço para teorias mais leves e atrativas, essas que embalam o nosso aparelho psíquico em celofane com lacinhos cor-de-rosa para emplacá-lo nos “Top-10” de revistas semanais. Isso sim seria a morte; do desejo, da inteligência (seguida ou não de adjetivos)... morte da própria morte enquanto tema da filosofia.
Também não quero, até por não querer que meu leitor o queira, uma crônica - bula das patologias do sono. Sei da importância clínica da insônia, do ronco, da apnéia do sono que, por interrompê-lo tantas vezes numa noite, escangalha o dia e pode evoluir para problemas cardíacos e a morte... Mas me permito um certo “cochilo” a respeito. Até porque existe um lado solar da noite. Lembram-se de como Fleming descobriu a Penicilina? Pois foi sonhando com os fungos de seu dia de trabalho. Eu queria é trazer à tona aqueles “fungos” cotidianos que reverberam e luzem em figurações alucinadas nos sonhos. Antibióticos, a gente compra e o Câncer, “a gente raspa”, como dizia o antropólogo Darcy Ribeiro. A morte, a gente vive. Todo dia.

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