19 fevereiro 2012

O ANÚNCIO



Por Paula Miasato

Ele a deixou. Melhor dizendo, a mandou embora. Há dias passava as madrugadas fora de casa, surgindo apenas no início da manhã. Hálito cheirando a álcool, roupa a perfume barato. Os lóbulos das orelhas mordidos delatavam a presença de outra mulher. O resto do corpo não dava pra ver. Há tempos não o possuía, não por falta de apetite, mas porque ele recusava a entrega. Havia sido expulsa. Da casa que a ele pertencia e o mais dolorido, da vida dele, que mais do que a casa, somente e tão somente a ele pertencia.

Sentada na guia da calçada com uma mochila engraçada dependurada nas costas estampava uma grande interrogação no meio da testa enquanto observava o fio de água que corria em direção ao esgoto. Papel de bala, bituca de cigarro (acendeu um), insetos semi mortos. A vida do esgoto, a sua vida sendo convidada a ser engolida pela boca imunda do bueiro. Cheiro de merda.

Um cartão branco umedecido e borrado. Pegou. Nesse instante, um inseto quase afogado grudou na sua mão. O cartão. Dava pra ler: recruta-se moças, ensino médio completo, não é necessário boa comunicação, mas exige-se boa aparência. A empresa oferece alimentação e moradia. No cartão o anuncio da sua ressurreição e a do inseto que grudou na sua mão. O inseto, depois de secas as asas, voou. Ela, usou sua última moeda e caminhou em direção ao telefone público.

Havia graça no andar desgraçado dela.

Um comentário:

Marco Antônio de Araújo Bueno disse...

Três blocos e uma linha de pura epifania.Eustáquio Gomes, mestre na escrita em blocagem (à machadiana)saldá-la-ia com o faço agora,Paula - Portas abertas, mesa posta (e uma área vip para fumantes, como o Prof. Salla, p.ex.)

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