10 junho 2012

ANTONIO


guignard

Antonio


Era a vontade pungente de amor que movia os corpos nas ruas do Centro. Desiludidos, machucados e feridos, eles se inteiravam da dor do outro, da falta de completude, da vontade de completar-se de passado. O olhar seguia a silhueta que ele fazia. Alta esguia e triste, do seu peito deflagravam cores, fortes que a arrebentavam. Tiros de cor: vermelhos, verdes, lilases, mas sempre com uma força bruta de uma besta faminta.
A cabeça sempre explode a essa primeira lembrança, pois flanando silenciosos entre as ruas de pedras portuguesas, suas ausências gritavam mais alto que o zumbido dos passantes. Só que gritavam pra ela, apenas pra ela. Pois nele ela não entrava, não era, ele, invadido.O silencio que permeava as passadas só acentuava a vontade dela de fugir. Mas o silencio dele sufocava, pois pintava. Estava virando tinta aos olhos inquiridores de sua observadora. No olhar que ele desviava sempre e na timidez que ambos nutriam. Lá estava ela, mais uma vez vivendo um momento ESTOCOLMO.
Como será que ele chora? – essa era a pergunta latente nela.
Será que se as gotas ao caírem em uma folha branca viram lindos quadros? Será que seu rosto fica multicolorido? Sua roupa salpicada, por sua dor,é feita de cor?
Isso aflige, pois pra ela salvá-lo da dor em seu mundo mudo e preto e branco, é sua forma de ser menos Isolda e mais Tristão. As cores formam furacões num paradoxal movimento de apreender em translucida forma tais tintas, SER vibrante como ele É, e não mais percebe.
- PERCEBA – ela sussurra em súplica.
E a fuzilaria acontece, de dentro pra fora de fora pra dentro, e o labirinto de pinceladas, colagens, imagens e montagens. Enquanto, liberta o grilo falante, que medrosamente não sabe o que faz e como fará para equilibrar tantas intensões em palavras. Não é necessária muita cor, preferindo sempre o branco e o preto, o papel e a caneta o espaço entre eles que guardam universos, isso basta em alegrias e tristezas. Acredito, eu, que se ela passar a língua em seu corpo vai misturar mais as cores e sua saliva ficará doce. E sim, seria um banho de gato só para vê-lo sorrir. Afogar-se em uma piscina de cor, quem não quer? Quem não desejaria? Todos... É cor, que queremos sempre, numa busca constante, pois o horizonte é uma linha que se delimita abstratamente na mente. Mas, transpor horizontes é salpicar-se de cor, ele é feito de horizontes.
Cada corpo possui sua intensidade, cada corpo é um oceano. O dele, pela forma como se compõe, é o Atlântico, quente e inexplorado para aqueles que não sabem navegar. Ele sabe que precisará atravessar, precisará crescer... Dentro e fora, cair e levantar recomeçar, infinitamente como sua pele tatuada um oroboro temporal.
Sempre observando o viés, o modo felino que ele anda, e o menino nos olhos atrás dos aros grossos dos óculos, que a faz olhá-lo bem.
Em dado momento, vê-lo de cabeça erguida, menos machucado, mais confiante é sua potencia duplicada no corpo dela pelo corpo dele.
É a minha impotência literária evidenciada, pois me faz pensar: Como fazer para isso ocorrer, para eles? Personagens reais das minhas lembranças não consumadas, pessoas que são ecos da minha memória futura... Como fazer? – me questiono contorcendo-me na cama vermelha preenchida por cafés. E sonolenta olho meu mural, há nele duas miniaturas de Modigliani me fazendo lembrar eles, me fazendo reverberar eles. Que a cor dele é mais, a vontade dele é mais e ela é espectadora da cor transbordante nele.
Isso faz refletir,ao imaginá-los, que só um pensamento havia; quando ela se aproximou e até hoje tenta conhecê-lo:  compartilhar! Mesmo estando branca para autopsia sem anestesia, do distinto cirurgião que a observava de tempos idos, através dos olhos que não foram pintados. Amadeu permeava suas dores diferentes e xipófogas.
As perguntas brotam, pois ativam a criança interna questionadora, sedenta por respostas simples e irrespondíveis; como: por que o céu é azul? Por que existe brisa e vento? Por que as cerejeiras nascem rosa e ficam brancas? Por que existem bonsais? Por que o amor machuca? Por que continuamos buscando o amar? Por que existe arte?  Por que... Por quê? E nada é resposta! Nada é todo o silencio desse que não sabe nominar, nesse que pretensiosamente ela quer salvar.  Que no fim indicam minha salvação,  por fim ele me salva...

Um comentário:

Theone disse...

Antônio é um pouco como o Unheimiliche, de Freud, um estranhamento familiar. Um fato cotidiano potencialmente inóspito.
Seu texto é um pouco assim, soa familiaridade mas transmuta-se geograficamente e se torna inédito, um camaleão.

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