27 novembro 2012

AO 'TODOS OS PORTAIS...' N'A FILA'

 "Todos os Portais - Experiência Expandida". Nelson de Oliveira,organizador, e Bráulio
   Tavares, palestrante, em pé à direita, atrás de Mustafá A. Kanso (PR)
                                          Foto por - Ju Ramasini

A Fila

Por Marco Antônio de Araújo Bueno

Não lhe causou estranhamento algum quando, já na entrada daquele pátio, topou de cara com a tabuleta bem postada, solene, onde se lia: “A FILA”. Em caixa alta, sem serifas, preto sobre o branco e bem à altura da vista. A lucidez com que se impunha excluía e conclamava a presença de uma crase, isso sim, seria de se estranhar? Ao contrário, era quase uma condição, uma essência mesmo da placa, essa simultaneidade. A caminho, no entanto, lembrou-se ter lido “FUNERÁRIA” onde seria mais crível que, pelo recorte urbano do local, pela vizinhança típica, lá estivesse escrito “FUNILARIA”. Mas este petisco caprichoso, já o reservara ao analista, até por uma questão de comodidade, ou de resistência. Não era o caso desta placa. O máximo que ela permitia era conjecturar se teria faltado um ponto de exclamação ou, algo mais sutil – se, por decoro de se evitar um imperativo grosseiro, autoritário, suprimiram elegantemente um “RESPEITE A FILA!”. E era essa condição que impunha respeito.

Tudo isso lhe infundia uma espécie de esperança vaga, de crença em valores substantivos, de confiança pela confiança; acelerou a marcha e perfilou-se aos demais. Não eram muitos, os demais. Silhuetas discretas, deslocamento proporcional aos espaços sucessivamente desocupados pelo atendimento. Pessoas, como ele, ali, na fila. Dispunha de um dispositivo contra o enfado, conversa mole, mas, sobretudo, contra a timidez incorrigível. Era um livrinho em formato seis por cinco que cabia em qualquer canto de bolso, paginação confortável e à prova de olhares bisbilhoteiros. “Padre Antônio Vieira”, uma antologia...viria a calhar; apalpou e, pela espessura percebeu o engano; era um Hamlet cuja impressão, de tão nítida, dava para ler até nos vagões do metrô e, até por isso, ele o reservara para o crepúsculo.

Decepcionado, enfiou as mãos pelo bolso e resignou-se a sua corporeidade perfilada aos demais. Foi então que se instalou um certo caos no recato daquela espera ordenada. Um homem deixou a fila e, ajeitando pasta e capacete pelos braços aproximou-se, agachou-se e ergueu do chão um retângulo de plástico cinza.- “Esta senha é sua, não?” Sim, era dele, escapou do bolso onde guardava o William Shakespeare das horas crepusculares. – “Melhor ficar esperto pra quando a fila bifurcar”, asseverou, num tom de voz sinistro, em baixo profundo e olhando furtivamente para os lados e para cima, em direção ao começo da fila. – “Obrigado, mas que bifurcação é essa?” Olhou para o edifício à frente, era térreo, não havia razão para olhar para cima.

O caos instalou-se por uma razão singela e contra cuja obviedade, a menor inobservância parecia implicar em afronta grave. Tinha alguma relação com as senhas e aceitar que a cor da senha determinasse a bifurcação parecia tão consensual aos demais, que apenas uma leve indagação sobre sua razão de ser, soava como um libelo. E tornava o perfilado um contraventor.

- “A minha, senhor, eu sei que é branca. Quando bifurcar lá na frente eu sei pra onde devo me dirigir. E a sua que eu vi que é cinza vai tomar outro destino. Fica mais atento que ninguém aqui é ingênuo nem palhaço!”.

- “Bom, já que” branco “não é cor, deve ter senha preta também...”.

- “Tem sim senhor, mas ninguém viu cair de bolso nenhum!”.

- “Deve ser porque não tem destino nenhum!”

{in Portal Neuromancer, 2008; LGE Editora-esgotado}

15 comentários:

Anônimo disse...

Curiosa a forma acanhada como autores de FC encaram a celebração de três anos de ficção - não fosse o registro fotográfico de Ju Ramasini,tudo passaria em branco. Depois reclamam quando ouvem que os sci-fis enclausuram-se em gueto...

Marco Antônio de Araújo Bueno disse...

Do Carlos Emílio C. Lima, um dos 21 autores selecionados: "Caso esta antologia tivesse saído há pouco nos EUA , ou mesmo na antiga União Soviética,nós, seus autores, já estaríamos sendo procurados pelos editores das principais revistas do gênero para constar de suas páginas periódicas. Grandes diretores de cinema já estariam nos assediando para comprar os direitos para filmagem de nossas obras. Editoras importantes de todo o país, especializadas ou não em fantástico e fc, já estariam nos assediando com contratos de publicação exclusivos." Eu tenho o roteiro de um curta - O Preto -, baseado em conto homônimo meu publicado ao longo do Projeto Portal. Encalhou nos trâmites de $ do polo de Paulínia. Póloamordezeus!

Anônimo disse...

George escreveu: "Doutor Marco Antônio Araújo Bueno, estava eu a procurar seu livro no google e qual nao foi meu prazer, encontrei este video postado no YouTube em 2009. Scientific Fiction eh mais antiga do que a propria Biblia, diz ai! Grande abraco."

Anônimo disse...

Katia Lydia Bruno Motta: Parabéns Marco Antônio Araújo Bueno, sucesso!
[Via Facebook]. Grato, Kátia!

Anônimo disse...

.Parabéns!!!....
....isto muito me orgulha!!!....
.....é a justa paga pelo teu enorme talento....
....e pioneirismo....
.....quero inda mais alto vê-lo....

Wagner de Souza

Anônimo disse...

O nome do livro de ISBN 978-85-62370-57-1 é Todos os Portais: REALIDADES (não 'experiências') Espandidas. Certo? Está assim no site da Livraria Cultura. Um lapsus linguae, doc.Bueno?

Marco Antônio de Araújo Bueno disse...

Há mais notícias sobre a trajetória do Segmento Dezenove (in Todos os Portais: Realidades Expandidas -Ed.Terracota, 24/nov/12)em minha Pàgina no Fbook, link : http://lnkd.in/dWuJmn CURTAM, que o tempo não contempla!

Anônimo disse...

Que história é essa de Poesia sci-fi?Está em tua página no Facebook algo sobre desafio de poesia pós humanística

Anônimo disse...

É uma antologia de poesias pós humanísticas que contemplem a interação das novíssimas tecnologias (cel.tronco, próteses, interface máquina-corpo etc.). Foi ideia do Luiz Bras (Nelson de Oliveira) e não se sabe se deveria vir a público já. De qualquer forma, já tá feito, Sr. Marcos!

Anônimo disse...

Bom Dia Marco! Na tua camisa (foto) brilha um 9 que traduz calma e sabedoria.Parece que cheguei aqui com o número 98 que soma 17 brilho, esperança, confiança e que é o dobro de 49 ano que nasci e que somado dá um 13. Treze é renovação! Coisas da Numerologia! Parabéns e tudo de bom pra você!

Anônimo disse...

Estamos estudando o formato de um debate seguido de sessão de autógrafos aqui na Livraria da Vila_ Galleria Shopping para Maio.
Manu

Marco Antônio de Araújo Bueno disse...

Fui ver o excepcional Jorge Coli (Unicamp)falar do mito da Modernidade no auditório da Livraria da Vila. Foi num sábado, pela manhã, ainda. Experiência intimista das melhore me faz pensar deste local , a cada passo, mais de jeito para o relançamento do livro, quiça, com a presença do próprio Luiz Bras; o gajo é doido de pedra. Tomara!

Anônimo disse...

Lilly Falcão '
Ai, mas eu soube agora e quero um auto(bio)grafado em menos de um piscar de olhos! Plim! Cadê, cadê... Que alegria, Caco!!! Evoé ao Mestre dos Decas!!!:D
há 8 minutos ·

Marco Antônio de Araújo Bueno disse...

Há uma antologia - Hiperconexãoes, org. do Luiz Bras cujo teor - poesia pós humanística - levou a um efeito curioso de se maturar em fogo brando seu próprio corpus, ainda incerto. Meu poema, porém, - absolutamente inserto

Anônimo disse...

Nessa mesma linha do Pós Humano, aguardamos a antologia Hiperconexões para este 2013 aina!

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