24 junho 2013

POETA DO PC

                                             POETA DO PC


                                          Caricarura por - Francisco de Assis Ribeiro


Por Marco A. de Araújo Bueno

     Era menos sossegado nos tempos do Diz-que-diz, boteco mezo família, mezo boca-de-porco. Sentava (“O que importa é saber sentar!”, dizia o Tuca, compulsivo e exímio espiador de calcinhas), fazia meu pedido (às musas também, confesso) e sacava uma folha A4 que, dobrada em ¾, facilitava escrever meus versos desassossegados, sem ser patrulhado p’los olhares profundos. Falo de versos, que são linhas descontínuas e salteadas, que da pra ver de longe que você está escrevendo poesia; coisa metida à besta, ou bem arrogante ou meio suspeita, como dizia o teco, que também usava as mesinhas externas do bar pra compor os punk-rock dele.
     Só que grafar “Quebra tudo na porrada/ Bota pra foder/ A negada só precisa/ De porrada pra gemer!” é diferente de grafar, por exemplo, - “Era uma saudade líquida/ que escoava...” e tal. E aqui entrava a folha A4 – origami e blindagem – que me permitia escoar meu eu - lírico profundo esconditantemente, se é que me entendem, p’las dobraduras que obliteravam o olhar profundo alheio (o alheio vive dardejando olhares que eu chamo ‘deep-look’) quando a substância escrita não seja um cheque ou um cupom de supermercado. Pois bem, porém, comprei uma tranqueirinha dum PC portátil – um note (!) de segunda mão e, dia desses, escorreguei-me pro Diz-que com ele.
     Acharam que era muito PC prum único cidadão que, já tendo inclinações políticas bem à esquerda (daí o primeiro apelido de ‘Partido Comunista’), também se chamava Paulo Cezar - o segundo, e, se escoava saudade, era pela Paula Cláudia, assim chamada por ser gêmea de outra, uma delas, a Paula etc. Ele bem sabia a diferença entre as univitelinas, diferença sensível, - uns peitinhos que teimaram em desabrochar cedo demais, por volta dos doze, e que ela, na vã tentativa de escondê-los, vivia corrigindo postura, o que dava muito mais tesão ainda na clientela do Diz-que. Certa vez, não se agüentou: ‘Temos um probleminha em comum, eu com meu novo PC que expõe demais meus versos; você... com os cotovelos’. Cotovelos? ‘É, passa o tempo apoiando-os na mesa e os retraindo, retráteis; para não revelar sutilezas e pistas duma estética que berra’
     O ‘berro’ encostado na cabeça, a cabeça voltada pra Cláudia (um PM teimava em segurá-la pressionando justo os peitos dela”!) ele vociferava não ter sido o autor do hino d’Os Secundaristas Olhistas” à patrulha ostensiva naquela sexta à tarde. Mas levaram o PC dele e, neste, tava lá todo o gramicciano Paulo Cezar, vinte e três anos e ainda do ensino fundamental... (a Claudinha tinha quatorze!), quanta desproporção, quanta revelação! E o hino era dedicado assim: “Para PC, com furor!”... Eu não era eu neste momento, nem era o Paulo nem porra nenhuma, era o que teria incitado com versos reveladores toda uma galera a depredar o pavilhão da escola, estilhaçar vidraças e quebrar carteiras. Tudo pela inexistência de professores de Sociologia e História, diga-se, a propósito. Eu estava muito é puto com tamanha exposição, pois, no PC havia versos pequenoburqueses, como aquele da saudade etc. Não gosto de literatura panfletária e ponto final. Afinal, há os cotovelos retráteis da musa cujos peitinhos imberbes (ele já há muito não era imberbe...) que, a cada apoiada nas mesas do Diz-que desvelava um mundo para além da ideologia e para aquém do ato, de qualquer ato. O porquê? Ambos tímidos, viviam despistando seus rastros no mundo visível em nome de um pudor poético; político também, deveras...O fato é que, pois bem, - o pau quebrou, gente miúda se fodeu e um traíra apareceu, revelado. Um certo Antônio, trincado de tesão pela moça. Na hora em que me foi revelado isto, pensei: pesavam acusações recentes sobre o pensador italiano de esquerda, sobre cuja idéia de ‘intelectual orgânico’ tanto havia se debruçado. O cara seria chegado numas ninfetazinhas e tal. Lembrou-se das debruçadas da Claudinha sobre a mesa, para ler versos no PC dele e endurecer o pau dele, isso sim! Que fosse, as patrulhas todas endureceram duma só vez sobre ao torso retrátil do Paulo Cezar e seu consubstancial eu - lírico. É, e o caralho A4, Tuca e Teco concordavam.
   


3 comentários:

Anônimo disse...

Gostei, Marco Antônio Araújo Bueno, sempre irônico...
Élide Singorelli

Marco Antônio de Araújo Bueno disse...

Essa (con)fusão entre as primeiras e terceiras pessoas, comum em teus contos sci-fi, aqui ganhou potência!

Anônimo disse...

Acabei de ler, na Chaleira, o seu conto” PC”.

Por mais vagal que eu seja e sou, não poderia me silenciar. ADOREI!!!!!

As últimas coisas que eu tinha lido de sua autoria, há alguns séculos atrás, eram micro-contos. Se você continua a produzi-los, pare! O macro-conto é muito melhor.
Roberto Moretti

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