07 setembro 2013

EUNÍRICO

                                                                  Por: Paola Benevides
 
Eu sou o assombro às avessas, o escombro sem pedras, o murmúrio do rio que corre por debaixo das minhas descobertas. Eu sou o lírio manchado de branco, o acalanto funkeado das três horas da manhã com os bêbados em seus carros, acidentalmente mórbidos. Eu sou a semente do limão presa aos dentes do macaco, não tenho asco do medo, não tenho azedo nos espasmos. Sou livre de toda raça, de toda falta de cor. Sou a piração de Nero, a pilha alcalina dos crânios que não cessam à noite. Eu sou o dia na praia enfeitado por cocos abandonados em casca. Verde e dura. Esmeralda. Não tenho pudor das minhas vestes, mas estou nua nesta dança do ventre com um pênis amarrado à minha testa. Vou assobiar um cio, bicar um grito, cochilar um ronco na chuva. Vou caminhar sobre nuvens feito o piolho nas barbas de deus. Eu sou Jesus Cristo Conegundes Vieira. Analfabeto de pai e mãe. Eu sou artista de rua mal-amado no Brasil, bem acolhido em Londres. Eu sou de Flandres. Comi aroeira e arrotei juá. Não sei fazenda nada. Sob o luar, corrijo correntezas, acorrentando mares. Eu sou baluarte popular, solto pipa do telhado quando me dá na telha. Quebro ouvidos com passos, por cima, vejo estrelas. Encabulo cometas quando sei trovejar. Minha boca é um trompete, os olhos tímidos, os cílios cínicos a escovar ventania. Vou te falar. Eu estava comendo pipoca quando um dia me veio um estalo. Pensei. Por que não pular? Então, saltei de salto quinze da beira da panela e caí no gogó do sapo. Virei ebó de príncipe. Mastiguei, mastiguei e nada de casamento. Fiquei para titia. Agora, eu me pergunto: que diabos vim fazer aqui na fila de grávidos? Engordei com a cinta até a papada. Contratei cirurgiões cubanos, amiguei com um e tive três tiçõezinhos. Tinham dentes mais alvos que os de alho, a morder o mamilo de um só peito. O outro entupiu sem leite. Queriam morder o assoalho feito cães. Anos depois, eu me vi latindo, mais afável que os humanos. Havia transcendido às priscas eras do paleolítico. Rangava salada de plâncton. Virei vegetariano, mudei de sexo pela segunda vez, implantei microasas de colibris e me libertei do convívio com demaseados. Estou na medida. Ultrapassei os mil metros na maratona dos suplícios. Meu vício hoje é fumar maços cheios de ectoplasma. O fenômeno das mesas girantes acrescentei às atrações do trem fantasma. Fumacê de gelo seco. Eu sou um circo. Eu sou forragem, pasto e milho. Eu sou a ferrugem no trilho do trem. Eu sou um trailer antes habitado por Alex Supertramp. Mesmo fiasco, eu não me desisto. Back on the chain gang.

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