23 junho 2010

NA TARDE PÁLIDA DE CHUVA



NA TARDE PÁLIDA DE CHUVA

Por Cecília Prada



Auspiciosa esta terça-feira de chuva, envolta em brumas literárias, para realizar coisa quase nunca por mim empreendida em carreira profissional que já vai sendo bem longa: escrever uma crônica. Se, aos trancos e barrancos e em intermitências cujas causas não me apetece aprofundar e expor neste momento, tenho sido ficcionista, contista principalmente, a crônica, a vontade de me entregar a esse gênero breve, conversa descompromissada ao pé do fogo tribal ou de lareira cúmplice... bem, essa ainda anda insatisfeita dentro de mim, agitando mil cabecinhas espevitadas – uma réstia de fervor juvenil no que deveria ser a grisonância uniforme dos dias acumulados?
A acolhida simpática, interessada, que tive neste blog por parte de Marco e de todos os que já me conhecem, teve sua expressão inexcedivelmente bela na crônica de Eustáquio, A cartilha da Cecilia – aquela que foi buscar na minha infância uma menina de laçarote de tafetá na cabeça, curiosa já (há tanto tempo e até hoje) do mistério das letras, da magia da criação literária, uma menina transposta há quatro anos de São Paulo para Campinas, para esta cidade em que ainda há tempo, sim, para a gentileza, a conversa saboreada, a crônica - enfim.
A ele, pois, a esse amigo Eustáquio – cronista maior, consagrado – agradeço o ter tocado em mim a corda essencial da emoção, elemento fundamental de toda literatura, e me dado coragem para lançar-me também pela sua trilha, recém-chegada e meio aturdida embora, equilibrando-me para dizer “aí, ô, você!” – e buscando assim a companhia, o ouvido atento, de algum leitor solitário.
A crônica, é o crochê literário que faço. O jogado, o mesclado, o quero-ver. O deixar-ser. Quando ficamos mais velhos, é só ligar a memória nas coisas e deixar que ela vá indo, mula velha em estrada conhecida, rumo de casa - a infância, a mocidade. Da bruma desta tarde, que já trouxe de longe uma menina de laço na cabeça e cartilha na mão, surge agora nova figura : a mocinha aluna da Cásper Líbero que começava a ver o mundo – e, como todos os adolescentes, a escrever furiosamente sobre ele no jornalzinho da faculdade. Em um coquetel – petulante criatura! – virou-se para o editor da Folha da Manhã, Edmar Morel, um dos grandes jornalistas deste país, e lançou: “Eu quero escrever crônicas!” (assim mesmo, com ponto de exclamação – ele nem ouviu).
Então, o desejo insatisfeito perdura, na carreira bem vivida – mas sem crônicas permitidas. Estarei madura, finalmente, agora compreendo, para escrever “o mais fácil”, para deixar-me ser (ver). A crônica, o suelto - o nome já diz - é gostosa e se derramando. É meio se permitindo. O cronista, é o cara que se permite. Sim. Não tem que denunciar coisas, consertá-las, elocubrar , despertar multidões. Crônica não é coisa de multidão. E muito menos de acadêmicos, ou de ideólogos de lábios finos e não-imaginativos. É coisa de escolha, de venha tomar um café comigo, de papo gostoso. Não de pensamento muito. Só de algumas pensamentações esparsas, leves.
É coisa de avó, de velho amigo, de nós todos com nossas gostosuras, num momento de cansaço em que não precisamos mais salvar o mundo. Mesmo porque de duas uma: ou ele já foi salvo, ou não tem salvação

2 comentários:

Marco Antônio de Araújo Bueno disse...

Para quem privou com o Rosa, estudou (Rio Branco)com Joã Cabral e chamou a atenção de Oswald...Crônica, ora - crônicas. Esta, todavia, vem cravejada da leveza (Calvino?)e elegância (sua mesma)em circunstâncias muito especiais; disso sabemos, alguns dos colunistas. Teremos revisitado esse seu entretecido de "tarde pálida' em momento oportuno.Por enquanto - a fuição esperta, ágil e, sobretudo generosa com nos brinda. Tocante, sutil.
Grato, em nome de toda a equipe do DE Chaleira!
{S}

Bia Pupin disse...

café e crônica de sobremesa... crônica com gosto de café da manhã..."pradaria" na padaria...
muito bom!

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