19 agosto 2011

CHRÔNICAS DO ANNO BOM - II



Chrônicas do Anno Bom - Augmentadas e Revistas P´los Preconceitos do Século.





25 de Octubro de 2005


Eu já o adivinhava: o ofício das chrônicas, d´entre todos os que impendem a um homem de letras, será talvez o mais infausto, o mais árduo. Daí resulta a intermitência com que as escrevo. Os anais que importam registar aos sucessos ordinários estarão entre os mais insusceptíveis à penna. Dar-lhes forma adequada aos usos da literatura importa n´um tão extraordinário esforço que quase sucumbo sob o imponderável peso d´esta malfadada empresa. Reporta-los tal como se nos apresentam, na crueza de seus efeitos, insipidez de suas intenções, na banalidade de seus meios, exige-nos uma abstenção impossível.

É óbvio que não recusamos a eventualidade d´uma pecha em nossa tíbia visão. Os nossos olhos, avezados ao “maravilhoso”, quiçá estão ineptos para o vulgar, para o consuetudinário, na justa singeleza de sua verdade. Sim!... Talvez. Mas de que nos há servir uma verdade que nos não entusiasmasse co´as múltiplas projeções de suas possibilidades, co´as infinitas cambiantes de suas promessas? De que nos há servir uma verdade que nos não atirasse para além de toda a verdade? Daí resulta que o insignificante inventário das misérias ordinárias, ou antes, a exaustiva apuração das jogralices cotidianas, exaltando o espírito fatigado, não faz a chrônica. A chrônica é a digressão, é a exegese. Entanto, faltando-lhe o adminínculo salutar do cinismo clarividente dos que analisam, vai a chrônica avizinhando-se da pachorrice cuscuvilheira do jornal. O jornal, que a boçalidade nihilista fez de aparelho propalador das insignificâncias, dos mais ínfimos incidentes que se nos tem adergado na azáfama de nossas existências liliputianas.

Meditemos...

Que importa a nós outros que o macrobismo avozinho do Sr. Paulo lamente a impertinente intimidação dos machatins do cânhamo, pilhando o seu caro empório co´a exigência de ½ caixa de cerveja? Este incidente, anódino, mesmo insípido na sua nudez, tem interesse algum para a chrônica. Mas se lhe ajuntarmos a glosa ponderada d´uma fina exegese veremos resultar uma bela página de prosa. O Sr. Paulo acedendo aos caprichos do crime é o eco roufenho da tacanhez que a todos nos oprime o ânimo, da impotência que a todos nos abate e acanalha. A sua temeridade, castrada p´la omnipresença imponderável dos abantesmas da hora (a Polícia, que é a crítica funesta da ousadia, da coragem) – a sua temeridade, dizia, assim castrada é que faz a consternação do espírito e a congestão das faces nas projeções phisionômicas da melancholia, que os cuidados de D. Thereza vão acariciar nas silentes tertúlias da alcova empós a faina diuturna do empório.

Não é, pois como inquiríamos? Que importa a nós outros todas as minúcias d´este incidente quando o relatamos apenas telegraphicamente, a modo dos jornais? Será apenas uma ordinária página de “chrônica policial”, vazada n´uma prosa inda mais ordinária, que a chatice ambiente rumina co´a boca hiante de tédio no rancho aborrecido das redações.

A chrônica almeja não o facto, que é pífio, porém o que d´elle resulta, isto é, a subtil alternativa dos pendores do espírito no entrós imperscrutável das paixões. A chrônica quer o orgulho escoriado no recontro feroz dos egoísmos e não o transuto de uma contenda. A chrônica quer a desolação do espírito na derrocada das paixões e não uma página forense copiando as circunstâncias atrozes do crime.

Mas horas há em que foge-me a chrônica... E ella vai-se co´a chegada de minha mulher. Dezoito annos... Deus, que é sábio, guardou a chrônica para a maturidade e... para os homens.

Ave!

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