06 março 2013

O GOSTO MAIS AMARGO

Por: Gerson Boaventura


confesso meus pecados a taxistas
no fim da madrugada
os poemas de amor mais bonitos que escrevi
acabaram esquecidos
no balcão do bar
escritos em guardanapos
com letras e rimas borradas
pela cachaça
derramada sobre a mesa
embriago-me
até que minha fala se perca
fique mais confusa
do que se possa compreender
afogo minha dignidade
mergulho meu coração em aguardente
para que ele chegue ao torpor
para que seja torpe e me traia
e só então ligo pra você
pra que assim você possa me perder
entre petiscos
eu imagino
como você mastigou meu coração
como eu prostituí minha poesia
como eu sabotei a mim mesmo
por ti
por ti
como uma declaração demente
em troca de um afago
e meia dose de mentiras
misturo paixões
como misturo bebidas
sem me importar com a ressaca
com o outro dia
com o que os outros pensam
ao inferno com tudo
o inferno do meu peito
onde as chamas do rancor
insistem em se levantar
das cinzas da solidão
queimando tudo
que a ele tenta alcançar
destruindo tudo que é bonito
violando tudo que é puro
escandalizando toda inocência
profanando tudo que for decente
sodomizando tudo que for verdadeiro
porque não basta o inferno
sem o inferno dos outros
se não basta o amor
que também não baste o ódio
e que não seja de momento
que seja eterno
enquanto dure
convido todos para minha mesa
bêbados, mendigos, putas, vagabundos
proponho um brinde à mediocridade
jogo cantadas cretinas pro ar
tiros cegos
sem esperar acertar
aceitando a sorte ou o azar
do que vier
tanto faz
se não for você
ou
contanto que não seja você
qualquer meia pessoa serve
meia alma, meia foda, meia vida
qualquer coisa que me complete
mais uma dose ou me acompanhe
no próximo brinde, na noite seguinte
na rua escura, nos becos da minha loucura
em copos de lágrimas diluídas em rum
eu quero que você se sirva
me beba, me trague, me engula
sem tira gosto e sem desculpas
me bebendo de um só gole
e cuspindo apenas verdades
puras e fortes e secas
piores que zinebra
quero ver aguentar meu enjôo e meu engasgo
quero ver você se embriagar de mim
se envenenar de mim até não suportar
até você morrer
ou o bar fechar

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