02 junho 2013

NATURAL DE CAMPINAS


cadê teus poetas?
teus suicidas?
teu desapego à família?
tua sujeira?

será que eles se tocam
nas encruzilhadas febris que descrevem tuas ruas?
será que eles se notam
entre as estátuas feitas às pressas de tua débil história?
será que eles sabem
o quanto te trocaram por menos e mais
do que de ti receberam?

de ti emerge uma pergunta
tal qual a água podre que me envolve
mansa
naquele abraço que senti quando criança
sem reclamar
com o mutismo amável de um corpo atávico
e uma boca de tímidos dentinhos.

cadê tua fome?
teu silêncio?
teu infanticídio?
teu adultério?

quando traíste minha mãe?
quando mataste meu pai?
quando me ungiste com teu escárnio
e me legaste teus erres
e tua morosidade?

no gorjeio dos teus carros
e auto-falantes
há só uma caricatura mesquinha
desse passado deletério

e ela é rude
abrupta
provinciana
paroquial

é uma contradição dos termos
descolonização dos ermos
é redutível de seus pioneiros
são meus avós em mangas de camisa

cadê teus velhos?
tuas putas?
tuas travestis?
tua escória?
invisíveis que estão pela higiene míope
e caduca
da tua ambígua municipalidade

cadê a fuligem?
o cheiro de esperma na saia da filha?
a paga no sinaleiro?
o acidente na rodovia?
a parada cardíaca na casa dos pais?
o desatino na madrugada?

porque no intrafegável do teu cotidiano
há só o reflexo sem espelhos
da homogeneidade que teus filhos
limpos
lindos
mesmos
ostentam por dentro.
  




Um comentário:

Marco Antônio de Araújo Bueno disse...

Gosto muito, Rafael; retrato implacável e pungente dessa Fênix que me gerou também, caro, - megerou; autera e pândega! Bela peça!

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