cadê teus poetas?
teus suicidas?
teu desapego à família?
tua sujeira?
será que eles se tocam
nas encruzilhadas
febris que descrevem tuas ruas?
será que eles se notam
entre as estátuas
feitas às pressas de tua débil história?
será que eles sabem
o quanto te trocaram
por menos e mais
do que de ti receberam?
de ti emerge uma
pergunta
tal qual a água podre
que me envolve
mansa
naquele abraço que
senti quando criança
sem reclamar
com o mutismo amável de
um corpo atávico
e uma boca de tímidos
dentinhos.
cadê tua fome?
teu silêncio?
teu infanticídio?
teu adultério?
quando traíste minha
mãe?
quando mataste meu pai?
quando me ungiste com teu
escárnio
e me legaste teus erres
e tua morosidade?
no gorjeio dos teus
carros
e auto-falantes
há só uma caricatura
mesquinha
desse passado deletério
e ela é rude
abrupta
provinciana
paroquial
é uma contradição dos
termos
descolonização dos
ermos
é redutível de seus
pioneiros
são meus avós em mangas
de camisa
cadê teus velhos?
tuas putas?
tuas travestis?
tua escória?
invisíveis que estão
pela higiene míope
e caduca
da tua ambígua
municipalidade
cadê a fuligem?
o cheiro de esperma na
saia da filha?
a paga no sinaleiro?
o acidente na rodovia?
a parada cardíaca na
casa dos pais?
o desatino na
madrugada?
porque no intrafegável
do teu cotidiano
há só o reflexo sem
espelhos
da homogeneidade que
teus filhos
limpos
lindos
mesmos
ostentam por dentro.
Um comentário:
Gosto muito, Rafael; retrato implacável e pungente dessa Fênix que me gerou também, caro, - megerou; autera e pândega! Bela peça!
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