21 abril 2010

DIÁLOGO COM PAVESE

Diálogo com Pavese
Por Eustáquio Gomes

Para dissipar meu nevoeiro de dúvidas, venho falar com Cesare Pavese (1908-1950). Encontro-o como sempre em Turim, amargurado e ao mesmo tempo apaixonado, ainda pensando na atriz (Constance Dowling) que o abandonou. O nosso saudoso J. Toledo tratou dele em seu Dicionário de Suicidas Ilustres (Record, 1999), às páginas 254 e 255, como a um irmão. Quanto a mim, longe de me deixar abater pelo gesto de Pavese, toda vez que estou com ele (faço-o abrindo as páginas de seu diário lindamente intitulado O Ofício de Viver) é para aprender como envelhecer sábia e conspicuamente (uso a palavra conspícuo porque não quer dizer nada).

— Foi por amor que você morreu? pergunto.
Pavese:
— Se eu tivesse morrido ela continuaria a viver, a rir e a perseguir a sorte. Mas ela me abandonou e igualmente continua a viver, a rir etc. Portanto, é como se eu tivesse morrido.
E no entanto ele morreu de fato: de uma dose de barbitúricos num quarto de hotel.
— Ciúmes?
— Aquele que não tem ciúmes, até mesmo das calcinhas da bem-amada, não está apaixonado.
— Por que deu errado? Por que não deu certo?
— Fazer-se amar por piedade, quando o amor nasce apenas da admiração, é uma idéia muito digna de lástima.
— E você que dizia não suportar a indiferença alheia...
— Uma pessoa que deixa você entender que vive a seu modo, tem idéias, julga-o e julga aos outros, uma pessoa que passa sem você... isso é deprimente. Só resta ignorá-la, tratá-la como ela o trata.
— Foi um erro, então?
— Quem erra é porque ainda não compreende seu destino. Ou seja, não compreende qual a resultante de todo o seu passado, o passado que indica o seu futuro. Mas, compreenda-o ou não, indica do mesmo modo. Toda vida é exatamente aquilo que devia ser.
— Nesse caso, por que se preocupar?
— Há uma alegria no mundo: é começar. É bom viver porque viver é começar sempre, a cada instante.
— Com que finalidade?
— A grande missão da vida é justificar-se.
Enquanto isso não faltariam problemas a resolver, eu disse. Respondeu:
— Todo o problema da vida é um só: é como romper a própria solidão, como comunicar-se com os outros.
— É possível não sofrer?
— Tal como não pensamos nas dores dos outros, é possível não pensar nas nossas.
— Gostaria de voltar à infância?
— Não é bom ser criança: é bom quando o ancião em que nos tornaremos vier a pensar no tempo em que éramos crianças. A infância não é apenas a infância vivida, mas a idéia que fazemos dela na juventude, na maturidade etc. Por isso parece a época mais importante, pois é enriquecida por considerações sucessivas.
— Mas isso vale também para as outras etapas da vida.
— Sim, exceto para a velhice. Cada época da vida é multiplicada pelas reflexões feitas nas etapas seguintes. A mais curta é a velhice, porque nunca será repensada.
— Prefere os momentos de ócio aos de labuta?
— O ócio torna as horas lentas e os anos velozes. A atividade torna as horas rápidas e os anos lentos. Os anos são uma unidade da recordação; as horas e os dias, uma unidade da experiência.
— E quanto a escrever. Não é um prolongamento da vida?
— O ato de escrever contém duas alegrias: falar sozinho e falar a uma multidão.
Não há como ser banal diante de Pavese. Sem sentimentalismo, ele gosta da dramaticidade. Indago:
— Que experiência lhe dá a sensação de estar plenamente vivo?
Ele contempla o horizonte, pensa um pouco, diz:
— É ter escrito algo que me deixa como um fuzil disparado, ainda devastado e requeimado, completamente vazio de mim mesmo, onde não só descarreguei tudo que sei de mim mas também aquilo que desconfiava e supunha.
— E quanto à religião?
— A religião consiste em acreditar que tudo aquilo que nos acontece é extraordinariamente importante. Justamente por essa razão, nunca poderá desaparecer do mundo.
—Você fingia não querer a glória. E no entanto se tornou uma glória mundial.
— Para que a glória seja agradável os mortos devem ressuscitar, os velhos rejuvenescer, voltar os que estavam longe. Mas nunca mais voltarão.

Nem Pavese jamais voltou. Talvez porque, de uma certa maneira, jamais tenha partido.


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