22 janeiro 2011

EQUIDISTANTES, DISTANTES AQUI


Haverá mesmo igualdade entre as distâncias?

Ilustração e texto: Paola Benevides


Por esses dias li uma reportagem sobre a bem-sucedida cirurgia separatória de gêmeas siamesas e senti alívio por elas, a não ser pela ausência de pernas: sendo uma para cada. Os órgãos ao menos estão proporcionais, podendo mantê-las vivas por um bom tempo. Diferentemente se atingisse os cérebros, pois basta tocar a massa encefálica e ninguém sobrevive. Assim como as ideias. Meta o dedo na ferida do pensamento e se prepare para o choque, é crasso. Creio que essas irmãzinhas, se convivessem mesmo lado a lado, não se suportariam, por tamanhas diferenças e necessidades. Por mais que se sustentassem às custas de um circo fazendo freak shows ou mesmo se valessem da mídia, com sua tara por explorar as bizarrices mais diversas, da mesma maneira elas sofreriam da mútua náusea.

Vamos falar de eutanásia? Se meus eus andam espalhados pela Ásia ou África ou América ou por outros continentes que começam com a letra A, não sei. Latina, geograficamente estou situada no Ceará, você em São Paulo, minha família no Rio (sem desmoronar com as enchentes) e meu vizinho de baixo tomou um elevador-à-jato, descendo até o Japão, descendendo até do Alemão mais abrasileirado de Santa Catarina dos quintos andares dos infernos da pedra da galinha choca, onde Judas perdeu as botas do gato de Alice in chains. Mas um dia ainda virá novo furacão e este deixará o Katrina no chinelo quando, enfim, todos comungarão em paz no País das Maravilhas, de outro mundo, da Lua, no ano de 2012 em diante.

Por essas e outras que o grotesco me atrai, pela atenção que horroriza, por uma forma de beleza que repele. Nem sempre sei lidar comigo nessa ciranda toda, mas tenho a impressão de que se eu fosse uma das crianças xipófogas, proporia brincar de roleta-russa. Vai que eu vivo em paz enquanto a outra descansa. Ou vai que eu mato a outra e acabo também morrendo, afinal, estaríamos ligadas. Seriam duas almas num corpo bipartido? Esquizofrenia do espírito: é disso que o universo é feito. Partidos estão todos os corações, corações ao alto, Hosana nas alturas (Up!) como uma deusa. Vamos avaliar a nossa imperfeição através do labirinto de espelhos quebrados, em cortes profundos, ó céus!, ó Big Bang! Aquelas meninas eram de Sião, tinham os olhos rasgados, além dos corpos em costura, feito bonecas.

A impressão dos pontos cirúrgicos me fazia repensar os pontos cardeais que (des)ligam os homens. Pareciam pontes de safena a atravessar cidades inteiras, com suas tortuosas xenofobias, sotaques, mestiçagens, das cabeças chatas às chatas cabeças. Somos feitos da mesma substância, coabitamos cibernetesias, mas não somos casados. Sejamos unidos e saibamos separar as coisas. As siamesas são um caso à parte só para ter vazão à vida ou visão a tudo isso.

7 comentários:

Anônimo disse...

Lembro de siamesas baianas nos anos 70. Uma era inteira e a outra saiu da costela. O horror disso é que, quando uma morreu, a outra ficou olhando até morrer logo depois.

Tarco disse...

And I'm not sorry.

Remains disse...

"Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece, para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como imaginamos e não simplesmente como ele é ou pode ser. Que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver... Il faut aller voir - é preciso ir ver!"

[Mar sem fim: 360̊ ao redor da Antártica‎, de Amyr Klink]

Luiz Contro disse...

grudados, teu relato e meu poema conversam ...

Unknown disse...

emCONTRO feito no desemCONTRO certeiro da palavra!

Marcelo Finholdt disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Marcelo Finholdt disse...

Muito bom, Paolita!
Lembrei-me daquela nossa conversa, na alta madrugada! Falávamos de pontos equidistantes!

Um abraço

Valeu!

M. Finholdt

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