05 abril 2011

ETIMOLOGIA DO 'REPETECO"- PELÉ MILI/ROGÉRIO CENI

FOTO- Arquivo pessoal e clique meu. Dando fé pública.



ETIMOLOGIA DO 'REPETECO' - PELÉ MILI/ROGÉRIO CENI:



Todo mundo ria do termo, técnico, - 'repeteco'- quando surgia nas telas das televisões em cores na Copa de 70, no México. Ria-se de alegria por ver a repetição dos lances de gol; de estranheza pela graça do próprio termo, pelo tricampeonato mundial de futebol em tempos de ufanismo semi-induzido, face ao espinhoso período político-institucional (Março de 1964 até a diverticulite do Tancredo...), sobretudo - todo mundo ria-, exceto aqueles a quem fariam ranger os dentes. Simpático e eficaz, marcou história em momento histórico. E pra retomar outro desses momentos é que o invoco nesta crônica, ela própria, um semi-repeteco da crônica "O Ceni e outras Cenas" que escrevi para minha coluna Cotidiano, da revista Showroom, pouco antes da Copa da Alemanha. As outras cenas, já que tematizar futebol soaria pouco sério*, eram a possibilidade da bomba atômica coreana e o bulim que, hoje em dia prefiro grafar assim mesmo porque todo mundo já sabe muito bem do que se trata etc. Curioso - hoje em dia, dada a velocidade vertiginosa dos fluxos de informação e tals - essas outras cenas me deparam mais atualíssimas (ou - superlativamente hodiernas) que o centésimo gol do goleiro Ceni, há menos de dez dias...Vá lá, o assunto é repeteco e alude a fenômenos (ai!) passíveis de contemplação via chancela de um bom tripé de pensadores contemporâneos - Marx (da História que se repetiria como 'farsa'; Nietzsche (do Eterno Retorno do Mesmo) e Freud (do mecanismo inconsciente da Compulsão à Repetição) se é que só isso basta a prólogo de uma crônica pretérita; mas crônica, ei-la, então, na parte que concerne ao nosso goleiro-artilheiro e sua façanha...histórica:



"Todo mundo discute futebol. Eu, exultante, comemorarei.
Todo mundo fala de política. Eu, enfastiado, tripudiarei.
Todo mundo persegue a bomba. Enrolado não comerei. Todo mundo vai ao circo.
Eu também.
E já que “ A bola não é a inimiga/ como o touro, numa corrida”, e que, quando parar de rolar na Alemanha, estaremos respingados de todo o sangue simbólico de uma corrida eleitoral virulenta (sem trocadilhos com a aviária), invoco o João Cabral para comemorar uma alegoria chamada Ceni, o goleiro que ousou inverter a lógica poética dos versos que diziam: “(...) usar com malícia e atenção / dando aos pés astúcias de mão” . Não tão assim, é claro, uma inversão exata, anatômica. Há muita poesia numa saída de bola com endereço certeiro, quase digital. E uma emoção indizível num certo brincar com a lei da gravidade, nas cobranças de falta, fora da área. É que o goleiro , enfim convocado, convoca todas as suas vísceras no ato de tocar a bola, de sair a conduzi-la até a metade do campo, de catimbar o adversário com o cavalheirismo de um neurocirurgião- tensão sob medida e fidelidade total ao rito. E a bola passeia com saliva, acarinhada por boniteza e também...”por percisão”. Vai dar gosto de ver e, mesmo que o paciente acabe “evoluindo” para óbito, se poderá dizer da cirurgia, que terá sido um sucesso.
Terá sido uma homenagem à pupila, que também é redondinha e vem sendo esquartejada por uma violência retangular. "

*A questão da tematização de coisas do futebol como algo literariamente "menor" vem sendo levantada pelo cineasta Hugo Giorgetti e provoca a imaginação e verve de colunistas deste blogue que jogam bola, como o Luiz Contro e eu (que sempre joguei e voltarei, breve, a jogar, melhor que o colega).

**Iustração - link gentil e desinteressadamente oferecido por Pedro Serrano (Ciências Sociais/USP) que mostra como o herói cumpre seu devir épico com uma cobrança de falta. Não é centésimo gol, mas este eu vi de perto e o resto, diria Aristóteles - são peripécias (Estádio do Morumbi/2006).

5 comentários:

Cecilia Prada disse...

Marco, curtindo muito tua crônica: límpida, dotada de um sentimento sincero, uma vibração genuina esporte/literatura, vetores de um espírito forte, que se sobrepõe aos repelões e sacudidelas encorcovadas e contínuas deste nosso planeta - que parece estar, entre terremotos, tsunamis, guerras e desentendimentos, a provar a resistência última do ser humano.

Luiz Contro disse...

só não vale contar mentira no roda pé ...

Anônimo disse...

Ah, não!
Eu não aceitaria esta afronta "Controniana" rs rs rs rs

O cara partiu para a zombaria.
rs rs rs rs

Assim a Chaleira apiiiiiiiita!

rs

Rogério CC

Marco Antônio de Araújo Bueno disse...

Deleguei ao Luciano Garcez defender minha honra ultrajada,vilipendiada e chafurdada numa História UniversaL da Infâmia. Ele o fará com a toga da intemperança que investe nos Cantos, enquanto me abasteço d'Ira, tomando meu drycataflan em taça de gala

Pedro B. M. Serrano disse...

Muito bom!

Já twittei e compartilhei no Facebook.

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