25 maio 2011

OS FIOS SOLTOS DA NOSSA MALDADE



OS FIOS SOLTOS DA NOSSA MALDADE

Por Cecilia Prada

“Cada um está só no coração da terra/ Transpassado por um raio de sol./ E de repente é noite.”- Salvatore Quasímodo

Capinzal. Palavras ditas a meio, não ditas – malditas. Algumas, as que seriam bem-ditas, riscadas para sempre em irrupção de medo. A maldição da incompletude, pela vida afora – no final da existência o inventário de coisas iniciadas, abortadas, as coisas que poderiam ter sido. E que só ficaram no uivo do lamento irremediável. E sobre as quais lançamos, assustados, o manto do silenciamento. Morremos: de silêncio. De palavras engasgadas, de gestos não-feitos, das pequeninas covardias de nosso cotidiano encardido.

Nos bosquejos, tristes pegadas deixaremos (Diários? Sim, é claro. E nós todos, homens ou mulheres, embrulhando na madrugada insone nosso despedaçado ser) – o testemunho de toda nossa abjeta covardia. Onde encontraremos escritas, anos muito mais tarde, palavras que por comodidade –ou defensiva esperteza? – tiramos de uma canção de Elton John e lançamos ao éter, para que no sem-mais se inscrevessem, esperando ser entendidas – redescobertas,talvez, no fundo trevoso de alguma garrafa lançada ao oceano (tarde demais!) : “Parece que sempre falta um detalhe, uma palavra, uma nota, para acabar o que nem começou...”

Viramos as costas a nós mesmos. De medo de ver nosso próprio rosto sem a máscara – mas há sempre um poeta de plantão, vivo ou morto, como aquele que é uma Pessoa, e que partilha em fervor muito humano nossa desolação: “...Quando quis tirar a máscara,/ Estava pegada à cara./ Quando a tirei e me vi ao espelho,/ Já tinha envelhecido./ Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado”.


Um comentário:

Marcelo Finholdt disse...

Bom dia!

Que surpresa primorosa: o título para lá de apropriado, a citação de Salvatore (de uma metafísica tremenda, belíssima), o texto então... dispensa comentários. Agora a fotografia fez lembrar-me da infância: papai (mecânico de motocicletas "500cc - 1975" em São Paulo e eu, mesma idade do garoto na fotografia, enfiava as chaves de fenda nas tomadas do apartamento onde morávamos.
Obrigado, Cecília! Por esta postagem especial e tão coincidente!

Um abraço a todos os chaleiras.

Marcelo Finholdt

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