04 setembro 2011

Crucifixo

Por Felipe Modenese

Torturando entre o desejo e o amor, Ademir perambula em sua jaula de carne e osso, escravo de seus impulsos de bondade e refém de sua bestialidade. Nada parece límpido e tudo exige sangue, sendo cada passo merecedor de padecimento.

Ademir raspa a aspereza do concreto em acordes sem sabor, tendo no ombro dependurada sua pasta detentora de conhecimento. O acumulado de megabits enverniza o ego e exorciza qualquer chance de sentir-se só. Ele caminha pelas pústulas do dia e deglute pulsos de prazer sensorial em megahertz. Fala do alto de seu crucifixo em forma de pele e vísceras.

No pulso esquerdo, como cravo, está o tempo, e no direito, a pulseira amarela de solidariedade com as crianças do Sudão. Na cabeça, o penteado disforme espeta sua singularidade fazendo gotejar pelo ralo o sumo cítrico de sua essência. Entra no elevador e sobe ao décimo andar.

Ao lado direito fica o escritório contábil e, do outro, sua massagista erótica predileta. Ele sai do elevador e, esquartejado, ajoelha-se pedindo clemência à sua carne e ao seu espírito. Abre os braços e mergulha no abismo entre seu amor e o desejo.


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