07 dezembro 2011

TRANCOS E BARRANCOS LITERÁRIOS

Por Cecília Prada

Vem cá, vou te contar uma coisa, aquela noite fria e paulistana, de chuva, e aquela reunião de poucas, tão poucas pessoas, na Oficina Literária, e as escritoras reunidas - no final dos anos 1990. Lygia Fagundes Telles presidia a mesa - e foi aquele o único dia em que a vi mal-humorada e pessimista, em toda a vida que a conheço.

“Era uma noite de chuva e frio”. E se a gente fosse uma escritora antiga pegava todos os reflexos das luzes nas poças d'água, o tec-tec das goteiras nos telhados de zinco, coisas de cobertas acolhedoras, uma xícara de chá, um livro na cabeceira da cama, e.....
Pois te digo: literatura é este espaço de gostosura, de noite de chuva. Xícara de chá de velhas tias solteironas - dizia Proust.

E então é esta imensa distância, esta impossibilidade espessa dentro da qual todos nós, escritores sobreviventes, nos agitamos aparvalhados. Distância da literatura (esgotou-se o estoque de chá?).


Se eu me dependurar nos lustres da lembrança...

Toda manhã saio chamando o texto - que sempre se esquiva embaixo de um móvel, na dobra da cortina, sob a geladeira. Bit, bit, vem cá buscar a tua papinha (humana), bicho antropófago e mimado, esse texto. E meu destino é o de Sísifo inglório, sair nessa busca, a cada manhã recomeçando o mundo.
E tão esgarçada...tão precária, e tão só.

(O tempo escorre como chumbo derretido nos meus ossos - chamam isso de artrose. Seu verdadeiro nome é : solidão.)

______________

Um comentário:

Anônimo disse...

‎ (...) vem cá buscar a tua papinha (humana), bicho antropófago e mimado, esse texto...
(Essa escritora escreve crônicas e é uma velocista no gênero Conto. No mais, apenas estrazzalha nos microcontos. Finalize bem tuas férias,Cecília Prado!)

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