25 dezembro 2010

Infeliz Natália



Natália, em pleno tédio dos seus mal-vividos 12 anos, olhava fixo para as paredes decoradas da sala. Um relógio ali dependurado fazia gritar os ponteiros à meia-noite. Era o convite à ceia farta da família, cujas bocas esfomeadas se dirigiam até a mesa num intenso falatório. A tia gorda, segurando uma das coxas do peru, chamava com as mãos oleosas a menina, que respondia sacudindo o rosto cheio de fastio. Preferiu permanecer sentada no sofá, não suportando a mistura daqueles cheiros, nem o estrondo dos talheres na louça.


Aproximou-se da janela. Lá fora, uns homens sujos vestidos de Papai Noel catavam lixo, enchiam suas sacolas pretas e corriam com aquilo nas costas mais ou menos felizes. Natália então foi buscar uma bandeja de salgados e doces na cozinha, o que deixou a parentada satisfeita em seus comentários desprezíveis:


- Isso, muito bem mocinha. Coma tudo, você está mesmo tão magrinha...

Ela forjou que comia, abrindo depressa as cortinas. Ergueu a vidraça e ofereceu o jantar aos mendigos. Eles devoraram em poucos minutos. Pediram mais. Olharam para dentro da casa querendo entrar, batendo com força nos vidros. A garota, surpreendida, fechou o cortinado e se pôs em frente à TV, aumentando o volume a fim de matar os ruídos vindos de fora e de dentro. As imagens em colorido frenético, o exagero dos sorrisos, o mesmo cantor popular das músicas dos anos passados que nunca usava roupas escuras e tinha perna de pau, a missa do galo. Galo? O porquê não sabia, mas lembrava das galinhas no matadouro da sua vó, a que lhe trouxe uma deliciosa canja essa noite. Tanto lhe causava espanto. E o Cristo crucificado ao lado do quadro da Monalisa... Não!


Vermelho, vermelho. Desta vez, sentiu fome de verdade. Desligou a televisão e foi para perto da  portentosa árvore de Natal, esperando com impaciência a partida das inconvenientes visitas. Espionava por entre os enfeites a troca patética de presentes quando, desapercebida, levou aos lábios uma bolinha carmim de porcelana fina. Mastigou-a vorazmente. Sangue brotando de repente feito sumo de framboesa. A vida para ela parecia ter um gosto assim. Depois ergueu a cabeça, viu estrela torta lá da árvore no topo, querendo cair, e inventou de subir na banqueta para arrumar um sentido para ela. O lar silenciou. Natália acabou enforcada por um fio solto dos piscas-piscas. Foi ao chão.


Um comentário:

Anônimo disse...

Ela é nata, mata a gente enquanto vela. Apaga. Tua luz foi bonita!

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