01 abril 2011

Tom Jobim Waits Um II



Antônio Carlos não gostava de ser chamado assim. Seu pai, um pianista medíocre na técnica, mas apaixonado por música, o batizara desse jeito, em homenagem ao grande maestro Brasileiro. Fazer o quê? Vivia, apesar do nome.


Tinha 19 e gostava mesmo era de Tom Waits. Sabia muito pouco do Jobim. No futuro, porém, apaixonar-se-ia, perdidamente, por ele. Vivia pra lá e pra cá, com seu all star preto; suas camisas, quase sempre pretas; sua mochila jeans escangalhada; seu cabelo sem tratos; seu ‘mp3’, quase sempre tocando algo de Waits, quando não Nick Cave; e, sempre, alguma coisa de Ginsberg, Kerouac ou Burroughs, à mão.


Não acreditava em Deus. No futuro, porém, acreditar-Se-ia, encontradamente, n'Ele, como Nietzsche.


Caminhava distraído naquela manhã, com seus fones a postos. “Misery is the River of the World”. Voltava da noite anterior, de uma praça qualquer. Seus dentes estavam da cor da madrugada e seu hálito denunciava vômito e vinho barato. Passou batido pela cena que o esperava. Mas estava começando Kafka e...


“O Processo” que carregava caiu de sua mochila mal fechada. Relaxo. Teve sorte de tudo acontecer bem entre uma música e outra. Escutou o tombo. Virou-se. Abaixou-se para pegar o exemplar e, no momento em que levantou a cabeça – e o olhar –, para em seguida levantar-se-lhe o resto do corpo, avistou, do outro lado da rua, o montão de gente. Foi nesse segundo que, randomicamente, veio a seguinte canção: “Coney Island Baby”


... não se interessava por aglutinações de curiosos. Na verdade, desprezava-as com asco, mais que normalmente. Mas, nesse dia, algo o empurrou na direção daquele aglomerado. Tão forte. Não se pôde deter.


Ao se aproximar, avistou-a. A menina ainda estava com os olhos abertos. Seu vestido branco simples, “de ficar em casa”, ainda lhe sugava o vermelho-sangue do buraco em seu peito estilhaçado. Ia se tingindo pouco a pouco...


De súbito, sem que entendesse, Antônio quis aproximar-se mais e, feito bicho, avançou. Ao chegar muito perto ofegantepornervosoeantesqueoretirassemaos xingamentosepuxõesrecebeunosseusolhosofoco d e s f o c a n d o - s e ... dos olhos da menina.


Sentiu ali um tom de pergunta, que se percebeu incapaz de responder.


Foi assim que as pálpebras da menina, enfim, se entregaram. E uma última lágrima, que se acumulava em seu olho esquerdo, escorreu.


Antônio restou ali até ele, algumas manchas carmim quase invisíveis no asfalto e um cachorro, que era dela, serem todo o saldo material daquele acontecimento.


A meia-noite, Antônio chorou em seu quarto.


Voltaria ali no dia seguinte, para levar aquele cachorro pr’a casa. Ele ainda estaria lá. Meses depois, recitaria poemas de Mayakovisky naquela esquina. Dois anos depois, recitaria lá, também, os seus próprios poemas. Cinco anos depois, choraria a morte de Tommy, o companheiro re-batizado. Quinze anos mais e repetiria ali, duas ou três intensas e suficientes vezes, mantras zen-budistas de paz, amor e descanso... bem ali, onde tudo aconteceu, ou – até lá já saberia –, começou a acontecer...


E, todo dia 2 de abril, Antônio levaria rosas e pérolas àquela curva de rio.




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3 comentários:

Marco Antônio de Araújo Bueno disse...

Bravos,caro!Trama maturada,robusta;circularidade!Belo vitral pop, de fundo, bem contrasta aprofundamentos que prometem.

Unknown disse...

Tom Waits, Nick Cave, Burroughs... MALDITAS referências (que eu AMO)!

Bia Pupin disse...

Tá rendendo!Vambora!

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