DA TENTAÇÃO DA POESIA
Por Cecília Prada
É a tentação de me encontrar
- não na parede,
nem no bar da esquina,
mas na margem esquerda da página.
É um arrimo, um rumo, um teor,
- na perdição de letras em que estou mergulhada.
Sou aquela menina, não sabe,
a menina que caiu na sopa de letrinhas da infância
- me repesco, todas as manhãs.
Seria preciso me concentrar
- puxar, um a um, os fios do Ser,
me retesar, nas pontas (da cadeira, ou da vida)
para me entregar, una e tensa,
a quem o verso mandar.
[Não mandou]
(Persistência isolada
-pelo menos condensada -
de palavras flutuantes
que puxam imagens esgarçadas.)
O poeta é ser de coisas certinhas
- linhas.
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Posso atingir, então, essa outra dimensão em que se restabelece o monólogo/diálogo interior, em que atinjo uma serenidade, uma felici-dade – penetro nesse espaço como uma meninazinha curiosa. É o espaço da criatividade, da comunicação – é “o grande salão do Ser”, com suas preciosidades. Repleto de objetos interessantes, de conversas animadas. Propício à reflexão. Ao nascimento de idéias, de imagens – o salão onde o escritor retoma a sua linguagem, fala e ouve, onde todos os escritores do passado, os grandes artistas, os pensadores, estão.
Tive um grande privilégio, a vida toda – ter sido convidada para esse salão.Lamento não ter usado plenamente esse acesso, essa “permanente” – ter-me deixado arrastar, anos a fio, para a depressão, que é o espaço inativo, letal. Deserto, se diria. Mas é pior do que isso: é o espaço povoado pelo não-ser, um gosmento caldo feito de semi-pensamentos e não-ações, lixo existencial, negatividade.
(E voilà...parece que finalmente cheguei a texto para auto-ajuda de cidadãos de tardios propósitos literários. Agora talvez minha conta bancária fique mais animada.)
Um comentário:
DIST_RAÇÃO…
(diste ração, mas
se não distar, fique
a ração de distracção)
Dá para distrair este
encosto à esquerda
das frases desdobradas
em brados silenciosos
que vim apanhar
Vou-os guardando
como voos, cuja imagem
poderia ser a mesma
de seixos lisos e pesados
arredondados
para atirar com a funda
«O poeta é ser de coisas certinhas
- linhas.»
Os amantes de caligramas devem ser os primeiros a contestar, posso ser eu? :) Bjs
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