28 setembro 2011

NORDESTINOS

NORDESTINOS

Por Cecilia Prada

Aqueles rostos que te olham, na estação Sumaré do Metrô. Eles irritam. Eles sujam a paisagem, estão lambuzados de umas letras pretas, dispersas. Parecem gritar. Não, não gritam - são rostos pétreos, fechados, sem palavras – muito menos gritos. Rostos transplantados da caatinga, encimando rosto magro escalavrado . Mas os olhos sim, te olham, fixos, verrumando – te cobrando, parece.

Eles personalizam a estação que seria banal. Eles são o nosso tempo, gritando da plataforma – enquanto passas no metrô subitamente emerso e por instantes atravessando, todo envidraçado, a paisagem do bairro verde. Um pintor transformou por encomenda o povo em fantasmas – é um povo que não combina com a estação preservada do Sumaré. O que vieram fazer aqui estas pessoas, a secretária encardida, o comerciário de olhos esbugalhados, o pedreiro louco que matou a família? Pichações a carvão na passividade intemporal dos vidros – se não fossem eles, o Sumaré visto daquele ângulo seria uma lembrança da paisagem humana e doce, na memória de quem lembra o bairro ainda em construção, com o deslumbre daquelas casas e seus jardins – hoje, uma paisagem que vê passar um trem todo envidraçado, na sua gaiola.

Mas quando o trem mergulha novamente no ventre esfaimado da terra, olhas pela janela o muro do túnel, que te dá uma bofetada na cara com continuidade sádica mantida. E espantada vês que a galeria continua, de olhos esbugalhados e feições várias, te olhando – da História.

(Este povo de carantonhas, de encardimento e olhos esbugalhados, e letras dispersas cuspidas, não te larga, ele está ali, um memento mori para nos lembrar – ele diz “nós somos a cidade”- a multidão anônima, escura, de dentes ruins, a multidão que chamamos há sessenta anos para nos ajudar a acabar de construir a vila monstruosa.)

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