20 maio 2012

Gabriela

GABRIELA

 Por Carmô Senna

egon schiele

Era o peão ou os reis no jogo? Não sei! Sentia-me muitas vezes os diversos prismas, o peão, os reis e a mão que movia as peças. O jogo sempre começa com um oponente a altura, alguém que mexa cada um dos ícones como regendo uma sinfonia. Destoante musicalidade de escolhas. SER E NÃO QUERER SER, não é uma questão shakespeariana; é minha questão de movimento. Meu oponente sou eu. Uma das minhas múltiplas faces me enfrenta neste momento de jogo. Sutil, mas um jogo inteligente e extremamente perigoso. É bom dissecar o outro, mas não gosto de dissecar a mim.

O quarto é extremamente pequeno e vou desenrolando o novelo vermelho e ligando os pontos num emaranhando de aforismos. Minha teia de aranha de nevoa vermelha, meu rastro de lã contra minotauros, minha dramática morte profetizada. Tudo não passa de matemática, cada lance que avanço e recuo são calculados como o simples “2+2”. Mas, odeio contas precisas, a perfeita mágica numérica onde provamos que zero significa zero. Odeio a exatidão das escolhas, odeio olhar para uma equação complicada e achar uma resposta simplificada, mesmo contendo um infinito de possibilidades nesse zero absoluto. Eu quero o não absoluto, o inexplicável, o degenerado modo de minha mente produzir o mapa das esquizofrenias nossas.

Não compreendo o que me coloca distante e contempla sem uma adoração, sem um fetiche que me drague. Olho o outro com atenção científica, mas não sei discernir o que move essa permanecia muda. Sou sempre tão movida a querer um detalhe; mãos, olhos, vozes, pedaços do corpo que ao encaixe violento com o meu fragilizado provoquem orgasmos. O que seria então o orgasmo do vento? Essa duplicidade de paz sem violência, mas violento embate dos meus? É tão extremamente herege esse tipo de sensação, correr para o não palpável, para o cerebral modo de encantamento do século XVII, a sutileza cortês de cortejar o romance com romance, um modo delicado de levar prazer ao outro. Como se do ato de suspirar, respirar e tocar fosse uma extensão de atos não consumados que são imaginados pela parte doente do canto oposto da mesa.

Aos meus pés o cão faminto leva embora o sono, mastigando a curiosidade que de mim advém como qualquer fogo mal extinto. Olho! Espreito o abismo, que meu corpo nu é e a lua desvela, revelando as pressas uma vontade de viver o minuto passado ao redor de flores raras.

Que lua esta perdeste anã sobre o encanto da bruma? Cor, que guia minha dor de dias, onde a guerra fria deflagra sobre a minha cama, grande inquietude. Cada livro-bomba recai na cabeça monástica como um asteroide vindo de parte alguma. Se eu morresse essa noite pós esse jogo uno, cada pedaço meu estaria espalhado em estrelas-papeis. Expondo as partes mutiladas que outrora se faziam inteiras no quarto d’outros. O meu passado é uma Alexandria em chamas no fundo do oceano. E eu um aquário de  fumaça. Carregando com isso meu coração plutônico à inanidade da falta de fome, tornando cada dia o pretérito imperfeito na lembrança. Um estado consciente de vontade de encaixe e preenchimento impreciso e fragmentário. Acho que em mim, foi, e de ti sobram castelos assombrados, ei de contentar-me a assistir teus impérios longe dos meus, por tempo infindo até que a consciência sobreponha o antigo e lave o sol com minhas lágrimas áridas. Ei de arriscar o jogo, ei de arriscar na nevoa. 


Um comentário:

Theone disse...

Engendrou em mim o mal de parkinson, uma febre que não acaba mais. Tirou-me da trajetória do asfalto, do eixo da bicicleta. Deslizo nos mares de paralelepípedos.

Eis seu texto.

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