14 setembro 2011

PONTO

ARQUIVO PESSOAL


PONTO

Por Cecília Prada

Era uma vez uma mulher. Uma mulher cansada. Uma mulher aos pedaços - sua fragilidade. Uma mulher que procurava um ponto. No universo. Todos os dias, todas as manhãs, quando acordava, ela dizia: eu tenho de encontrar. O ponto. O ponto no universo. Todas as noites, moída, dava um suspiro - não encontrara o ponto. O seu ponto - perdida no universo.

(Que não era o Ponto G - direi desde logo. Que esse foi declarado introuvable no último Congresso (francês) de Sexologia).

Me direis, nesta história um tanto estranha - mas ela procurava esse ponto, fosse lá qual fosse, seu dia-inteiro, suas mil-horas? Procurava para valer? Remexia armários, esvaziava panelas, desarrumava as malas guardadas no pó dos anos, desventrava gavetas - dos móveis e do Ser? Olhava bem embaixo do sofá, da geladeira, arejava tapetes e almofadas, forcejava portas emperradas, janelas que nunca dantes...?

E saía por aí, procurando?

Ou será que o que ela queria era uma alavanca? Isso, então, “me dêem um ponto de apoio e uma alavanca e eu...”

Sim, talvez fosse isso - mulher pretensiosa. Demais mesmo. Desde menina, seus mil remexeres discussões brigas, teimosa querendo olhar em baixo de todas as coisas do mundo, camas, lençóis, pastas, livros, comendas, certificados, músicas. Pessoas - ela sempre olhava debaixo e por dentro das pessoas suas milfolhas despetaladas, ah! que menina enxerida, mesmo.

(Queria mesmo conhecer o segredo da matéria? O dia mês e ano do aniversário do universo?)

Então, um dia, ela sentiu uma pontada. Não sei bem se foi no fígado ou na consciência.

Era o ponto, cutucando-a por dentro.

(e aí, no sem-mais, ela morreu por causa de uma pontada sem eira nem beira que havia aportado ali, no seu corpo de mulher - e que, ora essa! era só um ponto final : nesta história.)


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