27 fevereiro 2010

BRAVURA INDÔMITA

...da série "Gênero por Ofício"

Muitos não vêem a semelhança, mas qualquer ambiente comercial que assim se preze tem ares de faroeste. Seja uma pessoa parada num recanto qualquer olhando por sobre a sobrancelha com ares de argumentação, prevendo um crime a mais, uma mosca que zumbi contra o vento, poses de figurantes que adentram turrões o estabelecimento como quem procura briga. Talvez seja a necessidade ressentida e bem escondida de viver um bang-bang. Ou se a descrição lhe remeteu mais a uma cena atual da crise econômica, o faroeste nunca esteve tão pulsante.
Sob essa mise-en-scène padece o atendente, que tem por função aguardar o acerto de contas da vida como o balconista que, lustrando a prata e conferindo o troco, escondia as peças valiosas de uma iminente luta. Nesse corpo-a-corpo com o destino, nem se sabe direito se é melhor ficar largado às moscas ou se se espera do próximo intruso qualquer bravura pro estopim da discussão, animando assim o ambiente.
Na falta do musicista ao cravo, dedilhando um tema e as moças de fartos decotes ensaiando rubras um can can fora de moda, ficamos na espera, olhando ao longe, o horizonte cheio de possibilidades cinematográficas e o forasteiro que, na falta de melhor coisa, brada logo:
- Chegou alguma coisa nova, hein?
Prostrado rente e justo ao que se chama assim, quase sem notar, parede de lançamentos, o consumidor ávido por novidade – assim como nosso amigo balconista – procura o contentamento efêmero de sua ausência de sentido pra rotina, nas entrelinhas de um filme acéfalo. Um, o visitante, espera ali encontrar razão na sua falta de; o dois, o sisudo por detrás do balcão almeja uma guerra para encerrar de vez com seu tédio latente. Ambos, cada um à sua singela maneira, querem, por sobra ou falta ou nada, briga.
São nas palavras tensas e a presença da sobrancelha arqueada que se deduz o embate.
- Você já viu esse? – Já. – E esse? – Já. – E esse aqui? – Já, também. – E esse? – Ahan.
- Porra! Mas você já viu tudo? (pensa mudo e resignado, o mero indicador).
No calor da luta, o atendente duro na queda permanece na insistência dos títulos até encontrar o pior, aquele que ninguém assistiu (muito menos ele) – Esse é ótimo. A luta cessa caso, por ventura, o limbo dos filmes desprezíveis permitir, a não ser que, pego do salto, o desprezível for seu rival que até aquela película mal formulada já passeou no seu player.
No final das contas, no momento que a porta bate e a respiração volta ao normal, nenhum dos dois foi agraciado com os louros de vencedor. O embate agrada a ambos, um ficou mais teimoso, o outro mais burro. Quanto a isso, não se pode fazer nada. É a moral, pelo bem ou pelo mal, de qualquer faroeste.

3 comentários:

Marco Antônio de Araújo Bueno disse...

Um arremate bem ao espírito da sua coluna, Douglas. E começam a surgir os 'arquivos', as notas pessoais do cinéfilo e observador argurto que você é. Começam a sugir os 'publicéveis'...
Que vengan!

Blogue Coletivo disse...

Muito boa a analogia, creio até que ela seja meio universal - no universo comercial.

Mas acho que você reclamou só porque na vida real não tem as mulheres de decotes fazendo o que elas can, can.

Ah, o forasteiro em busca de algo novo... algo novo com os mesmos padrões hollywoodianos, talvez eles mereçam um bang bang na cabeça.

;)

Rafael Noris disse...

Ops, este comentário anterior foi meu ;)

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